A SAGA DE ZÉ MONTANHA CONTRA O CRAMUNHÃO NO TREM DA MORTE

- 1 -

Vou contar minha gente

A vida de Zé Montanha

E das suas artimanhas

Cabra vivo e valente

Ele leva a vida sempre

Com vontade e valentia

Sai na noite, sai de dia

Vai buscar o alimento

Pra alimentar os rebentos

A quem nunca deixaria

Ele nunca foge à luta

Homem sempre disposto

A dar à tapa o rosto

Pra qualquer fio da puta

Pois que nada o assusta

Esse homem é pedreira

Vai catar xepa na feira

Vai vender ferro velho

Quebrar pedra a martelo

Vai varre a rua inteira

Cara alegre da moléstia

Pra ele a vida é muito boa

Ele nunca tá à toa

Faz de tudo uma festa

Ajuda a quem não presta

Da comida pro ladrão

Ele até dorme no chão

Pra sua sogra da à cama

Mesmo tendo ele a fama

De ser quem ela detesta

- 2 -

Sempre um bom sujeito

Nunca arruma confusão

Foge até de discussão

A todos tem muito respeito

Todos dizem: - desse jeito

Ele vai ser um grande pai

Um homem que sempre faz

As vontades da mulher

Um cabra de muita fé

Como não se vê jamais

Mas a vida prega peças

E muda nosso destino

Sendo bom desde menino

Limpo na vida pregressa

Como se fosse uma mexa

A mancha a sua alma

Ele não pôde ter calma

De lidar com a situação

Fez até muita oração

Na igreja bateu palma

Pediu ao Padre Pereira

Que o livrasse desse mal

Que da mão tirasse o pau

Para não fazer besteira

Mesmo que ele não queira

A vergonha é maior

Na garganta tem um nó

Que o faz desesperado

Andando pra todo lado

Se sentindo muito só

- 3 –

Ele andava pela rua

Procurando tal matuto

Tal de Ricardo Bruto

Pegou sua mulher nua

Deitada na cama sua

Enroscada no lençol

E quando nasceu o sol

Ele estava chorando

Pela rua ia caminhando

No campo de futebol

Encontrou o desgraçado

Na partida de pelada

Com sua cara safada

Da rodada já cansado

Nem olhou para o lado

E viu José com o pau

Como uma cara de mau

E sangue puro nos olhos

E suando pelos poros

Bateu no cara de pau

No chão Ricardo Bruto

Meio que sem entender

Como foi acontecer

De apanhar daquele puto

E na cidade do pé junto

Ele foi de vez morar

Sem nem mesmo esperar

E daquele dia em diante

Não teve mais a chance

De outro homem chifrar

4 -

Foi então pra sua casa

E com a mulher falou

Que o Ricardão matou

Lá no campo da praça

E selou sua desgraça

Com ela, que o chifrou

Ele foi mais violento

Amarrou-a no jumento

E no meio ela rasgou

Depois foi tomar cachaça

O povo achou estranho

Que aquele homem bom

Que andava sempre no tom

Fizesse crime tão medonho

Para eles era um sonho

E queriam entender

Como foi acontecer

Tal desgraça tamanha

Que a cidade apanha

Para se surpreender

José Montanha, pois

Homem cheio de amor

No auto de seu calor

Acabou logo com os dois

E todo povo depois

Ao saber do ocorrido

O motivo dolorido

Do chifre que ele levou

Ao Montanha perdoou

E ele fugiu corrido

- 5 –

Montanha andou sozinho

Por longas terras secas

Lutou com moscas e vespas

Por um longo caminho

Nem sequer cachorrinho

Andava a seu lado

Estava desesperado

A procura de um lugar

Que pudesse se deitar

E descansar seu corpo

Que mais parecia morto

De tanto perambular

Eis que no meio do mato

Como se fosse magia

Em plena luz do dia

Que se ocorreu o fato

Que o deixou estupefato

E com cara de bundão

Que ele afunda na mão

Não queria acreditar

Que naquele ermo lugar

Tivesse tal aparição

Uma máquina sombria

Naquela terra rachada

Onde nunca havia nada

Apareça assim de dia

E causando-lhe azia

Com um cheiro tão forte

Que mas parecia morte

Fazendo-o vomitar

Seu estômago enjoar

E entrega-lo à sorte

- 6 –

Aquela máquina tão feia

Que para ele tão estranha

Que da terra, das entranhas

Faz sangue pular na veia

Eu fogo na cara ateia

Era nada mais que um trem

De vagão tinha uns cem

De onde sai dele um sujeito

Que andando meio sem jeito

Parece procurar alguém

Quanto mais chega perto

Mais o cheiro fica forte

Aquele cheiro de morte

Misturado com dejetos

Trazia não mão um feto

E falando com José

Que não se aguentava em pé

Com um bafo dos diabos

E um futum desgraçado

Misturado com rapé

Disse então o estranho:

- olha José seu rebento

Que em algum momento

Seria do seu rebanho

Que agora eu apanho

E enterro ele no chão

Ao lado desse valão

Pois ele não vai vingar

Que o pai que aqui está

Chora com sangue na mão

- 7 –

Quem é tu desgraçado?

Que aparece feito cabra

Nessa máquina macabra

Assim todo engomado

Com um jeito de viado

A me fala essa besteira

Caso eu te ouvir não queira

É melhor você ir embora

Que eu a qualquer hora

Enfio-te a peixeira

Tu não vai ser o primeiro

Já matei outro animal

Que pulou no meu quintal

E comeu no meu viveiro

Fez-me corno por inteiro

Desgraçando minha vida

Que talvez nunca consiga

Mesmo que passe os anos

Que eu mudo os meus planos

Eu esqueço esta briga

Então me deixa de lado

Não quero matar você

E você não vai querer

Ter o seu bucho furado

E seu sangue espalhado

Pela terra tão sofrida

E daquela tal barriga

Não ia nascer rebento

A não ser do outro sujeito

Com aquela rapariga

- 8 –

Que é isso seu José

Não pense mal de mim

Que não sou ruim assim

Assim não vai dar pé

Tenha um pouco de fé

Eu sou um cara legal

A você não faço mal

Nem faria a outrem

Não feriria ninguém

Com um pedaço de pau

Mas você José, fez isso

E eu vim pra te levar

Você vai me acompanhar

Isso é um compromisso

Mesmo que com feitiço

Eu tenha que te amarrar

E para dentro empurrar

Para você vir comigo

Então venha como amigo

Não adianta lutar

Eu sou o maquinista

Vou te mostrar o caminho

Vou tratar com carinho

E tem uma bela vista

E você está na lista

Para essa rápida viagem

E já está ficando tarde

E nós precisamos ir

Vamos sair logo daqui

E para de viadagem

- 9 -

Escuta aqui seu sujo

Se aqui tem um viado

Um sujeito aboiolado

Esse cabra, xibungo

É você de olho fundo

Com esse jeito afeminado

De quem pelo outro lado

Gosta de sentir o ferro

Que sequer um berro

Você dá esgoelado

Se matei aquela quenga

Defendendo minha honra

Eu não sou morde fronha

E não fujo a uma arenga

Ainda que ela deu a fenda

Pro maldito do Ricardo

Que pulou o meu cercado

Enfiou pau lá no meu forno

Transformou-me num corno

Deixando-me enfeitado

Se eu não mato puto

Se contra ela não agisse

Depois de me botar chifre

Viraria o assunto

De verdade, lá no fundo

Seria corno convencido

José Montanha Florido

O touro manso da cidade

E chamado com vontade

-Vem cá, Montanha chifrudo!

- 10 –

Com toda a discussão

O homem impaciente

Olhou José de repente

E mudou sua feição

Jogou a máscara no chão

E logo se apresentou

Ela não era um viado

Era mesmo o diabo

Disfarçado de homem bom

Que mudou também o tom

Do que era conversado

- Escuta aqui Montanha

Estou cansado disso

Meu ouvido não é penico

Vamos parar de manha

Minha mão você apanha

Que pro trem nós vamos

Que eu tenho meus planos

E preciso ir embora

Vamos trilhos a fora

E depois nós afundamos

Esse aqui é o trem da morte

Levo almas pro inferno

Eu sou o cão eterno

Sou conhecido no Norte

Levo fraco, levo forte

Levo quem quiser levar

Para no inferno queimar

Sua alma agora é minha

Deixe dessa ladainha

Vamos logo viajar

11 –

Como fosse um feitiço

Eles estavam no trem

Indo direto para o além

Rápido como um esguicho

Nos vagões vagavam bichos

Pessoas presas por correntes

E um homem que sem dente

Comia restos do chão

A colher eram as mãos

Estava tudo tão podre

Não respirou enquanto pode

Quase parou seu coração

Em outro vagão branco

Sentada em uma cama

Nas veias entravam lama

A velha ria num canto

Um velho estava em planto

Porque a velha ia morrer

Ele não tinha como correr

Seu pé preso com prego

E com um olho cego

Sentiu que ia falecer

O trem na escuridão

No meio da tempestade

Parecia ser bem tarde

Não era dia mais não

E chegando ao portão

Do que era o inferno

Tinha um leão de terno

Acorrentado no pescoço

Leãozinho pele e osso

Parecia subalterno

12 –

Mesmo estando lá embaixo

Zé montanha não se abate

Mesmo que fosse em marte

Ou lá nos países baixos

- Minha cabeça não abaixo

Dizia nosso querido

Se me bater eu revido

Vocês não cheguem perto

Pois no saco eu acerto

E deixo todos caídos

Vou lutar até a morte

Com qualquer um que vier

Vou na mão, bato com pé

Não acredito em sorte

Olhem bem para meu porte

E sintam medo de mim

Numa guerra sou assim

Não fujo de uma disputa

Sou uma fera numa luta

Rasgo tudo em pedacinho

Isso aqui é um engano

Esse não é meu lugar

Aqui eu não vou ficar

Nem um dia, nem um ano

Não sou santo sou profano

Mas fiz tudo possuído

Assim não teria sido

Se não fosse esse diabo

Esse mequetrefe safado

Quem tivesse agido

- 13 –

Sempre vem com esse papo

Eles são sempre inocentes

Mentem que nem sentem

Eles nunca são culpados

Sempre olham par o lado

E dizem que foi o diabo

Eu não tenho culpa não

Só por ser o cramunhão

Sempre eu que levo a culpa

E esses filhos da puta

Recebem a comunhão

Ora veja se eu posso

Aturar o disparate

Desse matador covarde

Que bateu nele com pau

E ainda jogou sal

Nas feridas do coitado

Que estava ensanguentado

No gramado do campinho

Estirado ali sozinho

Com o crânio rachado

E ela antes de morrer

Teve sua carne rasgada

Sem ter sido julgada

Pra tentar se defender

Pra explicar pra você

O que tinha ocorrido

E pedir para o marido

Para não fazer aquilo

Mas o louco bicho grilo

Matou e não deu ouvido

- 14 –

Montanha:

- Que conversa é essa

Que você me diz agora

Isso é um papo furado

Ou é de se jogar fora?

Pra criar mais confusão

Para eu não ir embora?

Diabo:

- O que foi que eu falei

Pra você ficar assim?

O que eu disse não sei

Saia de perto de mim

Sua alma já é minha

Vamos dar nisso um fim

Montanha:

- Se a minha alma é sua

Porque matei o carcará

A dele também é sua

E onde é que ele está

Tinha que estar aqui

Pelo chifre me botar

Diabo:

- Ele ainda vai chegar

Portanto não fique triste

Sua alma eu peguei

Porque na sua testa existe

O passaporte pro inferno

Que são os pares de chifres

- 15 –

Montanha:

- Mas eu também não a vejo

Foi ela que me traiu

Trair também é pecado

Assim o Judas caiu

Isso tá cheirando a mentira

Que da sua boca saiu

Diabo:

- É que ela tá em pedaços

Pela peia do jumento

Mandei-a pra remendar

Ver sangue eu não aguento

Ela logo vai chegar

E acabar com o tormento

Montanha:

- Eu tô me sentindo esquisito

Parece que eu tô sonhando

Diabo com medo de sangue

Isso eu tô estranhando

Agora eu tô me lembrando

Porra, tu tá me hipnotizando

Diabo:

- Estou mesmo Zé Montanha

Mas tu tá em minhas mãos

Não vai poder sair daqui

Tu não vai escapar não

Com os chifres da tua testa

Não tem absolvição

16 –

Montanha:

- Se isso é uma hipnose

Então nada aconteceu

Não houve chifre nenhum

E Dorinha não morreu

E também na minha testa

Nada nunca floresceu

Assim sendo diabo

Chibungo, cramunhão

Filho de chocadeira

Bastardo do cão

Minha alma não é sua

E me ouça com atenção

Se para entrar no inferno

A testa tem que tá enfeitada

Eu não posso ter estada

E nem usar este terno

Pra dormir o sono eterno

Posso voltar pra minha Dóra

Porque já passou da hora

E estou cheio de saudades

Com muitas felicidades

Vou ver o nascer da aurora

E assim José Montanha

Voltou para sua amada

Botou vidro na calçada

Colocou no muro banha

Para evitar gente estranha

Pôs cercas eletrificadas

Aumentou a sua armada

E matou Ricardo Bruto

Pra evitar que aquele puto

Comesse da sua cocada

EVANDRO SROCHA
Enviado por EVANDRO SROCHA em 03/09/2014
Código do texto: T4948752
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.