FALTA DÁGUA

FALTA DÁGUA

I

Depois de meses de seca

Nas terras de Iguatu,

Deu uma chuvinha singela

Lá no sítio Mirasul

Que não passou de neblina

Cobrindo o sertão nu.

II

Seu Alcides morador

De lá desde que nasceu

Reclama que não tem mais

Água no cacimbão seu

Obrigado fica ele

Da sorte que recebeu.

III

Para sentir o gostinho

Da vida lá do sertão

Me arrisco ir no trajeto

Daquela situação

Em um local bem distante

Em busca da solução.

IV

Pego o cabresto do jegue

Doado por outro alguém

Porque também foi embora

Pra outras terras dalém

E vamos juntos ao lago

Pegar a água que tem.

V

Vão dois barris de pneu

Nas costas do animal

Em uma mão levo o balde,

Caminho no matagal

Por uma estrada que é

De um chão bem desigual.

VI

Japi entrando em cena

Daquele momento seco

Depois se embrenha na mata

E eu seguro o cabresto

Pra conduzir o animal

Que levo como pretexto.

VII

Enquanto a gente caminha

Vamos sempre conversando

Sobre as dificuldades

Que stão eles enfrentando

E minha vista na terra

Das pedras me desviando.

VIII

Alcides diz que os irmãos

Já foram todos embora

Ele ficou com os pais

Pois precisam dele agora

Tem suas necessidades

Mas, não reclama, por hora.

IX

Tem uma rotina simples

Bem longe da vaidade

Sai pouco de Mirasul

Pra visitar a cidade,

Pois planta, cultiva e cuida

De sua especialidade.

X

Há somente uma casa

No trajeto do açude

E também um monumento (cenotáfio)

De alguém que ele alude

E finalmente chegamos

Naquela lama de grude.

XI

Tendo o jumento amarrado

Pra ele não se mandar

Enquanto pego a água

Pra nos barris colocar

Com o dito balde que trouxe

Para me auxiliar.

XII

Vou a uma certa altura

Da água sem baldear

Para pegá-la mais limpa

Sem areia misturar

E levar pra residência

Pra eles se aliviar.

XIII

O balde de 20 litros

São 20 quilos também

Quando está cheio de água

Pesando como ninguém

Senti um pouco na pele

O mal de um povo de bem.

XIV

Ao nosso ponto de origem (périplo)

Voltamos com rapidez

Com o peso nas costas o jegue

Andando muito cortez

Pra ver se chega depressa

Na casa de seu freguês.

XV

Passa um menino correndo

E um senhor a puxar

Assunto com o Alcides

Com o chapéu a expulsar

O calor do sol tão quente,

Tão quente de esturricar.

XVI

E uma dona de casa

Espicha o olhar pro céu

Esgurejando (desejando) de lá

Como que fosse algum réu

Querendo ver o final

De sua sina de fel.

XVII

Um deles diz que o doutor

Hoje não vem trabalhar

Ligou cedo avisando

Para ninguém esperar

E cancelou as consultas

Pra em outra data marcar.

XVIII

A levar água ao tonel

Ajudo Alcides assim

Suado estou e molhado

Pois esta cena ruim

Pra eles é uma sequela

Da seca que não tem fim.

XIX

O carro pipa pra eles

Só em sonhos a dormir

Uma senhora contou

O sonho pra nós ouvir

Do carro pipa a chegar

Com água pra lhes servir.

Texto: A difícil realidade de quem sofre com a seca. De Alan Santiago.

Jornal O Povo 28/02/2013, página 12.

Carlos Jaime. 10/02/2013

CARLOS JAIME
Enviado por CARLOS JAIME em 28/08/2014
Reeditado em 08/10/2016
Código do texto: T4940876
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