A gota de água

A gota de água

Na memória trago uma música de Chico Buarque; no fundo do peito o desejo de voltar para casa.

Sozinho no carro, digo em voz alta: “Espero ter um par de braços à minha espera.”

Sabes, amor, começo a ceder à tentação de ficar encantado com o que me rodeia.

Nunca tinha visto o firmamento tão imponente como nesta estrada do Kwanza Sul.

O céu é maior, mais concreto, visto deste ponto da estrada.

Antes, amor, antes do nosso fim, gostavas de ver as estrelas comigo.

Estas estrelas...

Por um segundo fico sem palavras...

A distância que me separa de ti não é esta. É a distância das tuas palavras, das tuas palavras de ontem, quando nos despedimos.

Agora, nesta estrada, sempre a mesma música, o mesmo poema:

“Já lhe dei meu corpo, minha alegria

Já estanquei meu sangue quando fervia”

A estrada longa e perfilada pela natureza verde e húmida no meu peito; a tua expressão desiludida, a tua cara de não-amor.

Sabes, amiga, hoje a minha viagem é para um lugar bem mais distante daquele que nós juramos um ao outro.

“Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta

Para o desfecho da festa”

Hoje, nesta estrada, pergunto-me sobre o nosso amor, o nosso amor confidente, reservado e íntimo.

Viajo para longe a teu pedido, para longe por minha vontade.

“Por favor,

Deixa em paz o meu coração,

Que ele é um pote até aqui de mágoa,

E qualquer desatenção,

Faça não,

Pode ser a gota de água”

Hoje, nesta viagem, fico sem palavras.

Devo ter gasto todos os meus argumentos, todo o meu amor, toda a tua paciência, todo o nosso encanto.

Esta minha viagem é a nossa última viagem, o nosso fim de estrada.

Preferia que esta música me saísse da cabeça, que a tua imagem me saísse do peito, que esta viagem não tivesse começado porque, amor, “pode ser a gota de água”.

Manuel Correia
Enviado por Manuel Correia em 21/04/2014
Código do texto: T4776662
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