A FIGURA - Cordel

A FIGURA

Paulo Gondim

02/04/2007

Tomei um sopapo no meio do peito

Senti o efeito daquela pancada

Caí meio tonto, naquela calçada

Que fica na rua, do lado direito

Tentei levantar, mas não teve jeito

O mundo rodou e fiquei mesmo lá

A dor que senti nem dar pra contar

Deitado fiquei à beira da praça

O povo da rua achava era graça

Da pobre figura que fui me tornar

Um filho de Deus esboçou piedade

Me deu um remédio, pra dor na cachola

Passou um sujeito e deu-me uma esmola

Pensando que ia fazer caridade

Porém sem saber qual era a verdade

Mas logo saiu e eu fiquei lá

Perdido, esquecido, naquele lugar

Um outro passou, de mim fez piada

Os outros ali, só deram risada

Da pobre figura que fui me tornar

O tempo correu, a tarde chegou

E quase ninguém olhava pra mim

Ninguém perguntava de onde é que vim

E pouco importava pra onde é que eu vou

O que ocorrera e como é que estou

Então acordei e me pus a pensar

Como foi que cheguei naquele lugar

Se nem eu sabia o que me ocorreu

Se nem o sopapo eu sei quem me deu

Só sei da figura que fui me tornar

Mas, essa figura tão rude e tão feia

Ergueu a cabeça, se pôs a olhar

O povo passando pra lá e pra cá

Calado, sisudo, com cara de meia

Se ali tinha vida ou se a vida é alheia

Pensei cá comigo, vou me levantar

Vai ser “uma briga”, mas eu vou tentar

Um pé para frente, um outro pra cima

Bati na parede e no poste da esquina

Mas essa figura de pé vai ficar

A tarde findou e a noite se fez

E eu já de pé, para rua andei

No meio da praça, num banco sentei

Mais uma esmola me deram outra vez

Eu não entendi, porém fui cortês

E o povo passava pra lá e pra cá

Algumas pessoas ficavam a me olhar

Eu desconfiado, sem saber por que

Ai percebi e fui também ver

A pobre figura que fui me tornar

Da praça, eu sai com a minha tristeza

Andei pelas ruas no meu desalinho

Vereda ou picada pra mim foi caminho

Na minha viagem de pura incerteza

A noite avançada me trouxe fraqueza

Porém, mesmo assim, não parei de andar

Sem destino certo e aonde chegar

Levando comigo as dores do mundo

Tão fraco, tão feio, igual moribundo

Essa pobre figura que fui me tornar

Eu dormi um sono, num canto qualquer

E só acordei com o clarão do dia

Rezei um “Pai nosso”, uma “Ave Maria”

Acendi logo um fogo e fiz um café

O sol clareou e eu já estava de pé

Saí apressado, me pus a andar

Com a leve certeza que quero chegar

Num porto seguro, tão certo pra mim

Que me dê guarida e que possa enfim

Sair da figura que fui me tornar

E por todos caminhos, por onde passei

Tristezas vivi, não vi alegria

Vi pouca coragem, mas vi covardia

Amor, compaixão eu não encontrei

Porém, mesmo assim, aqui eu cheguei

De volta pra terra, que é meu lugar

Daqui eu não saio, aqui vou ficar

Mostrar para o mundo o fim da amargura

O renascimento dessa criatura

E a NOVA FIGURA que vai se tornar!

Paulo Gondim
Enviado por Paulo Gondim em 05/04/2007
Reeditado em 13/05/2007
Código do texto: T438374
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