Tem criança no sisal
Admire o teu piso
Brilhante como cristal
Adornado com tapete
Fabricado do sisal
Comprado quase de graça
Na feirinha ali da praça
Vindo do labor braçal
A colheita quem a faz
De idade não tem dez
O chinelo mais simplório
Não foi feito pro seus pés
Pra lá e pra cá descalça
Piso de barro ela amassa
Sua angústia se vê na tez
Ao preço de um real
Vale seu suor por dia
A escola não frequenta
Não conhece geografia
Do direito de brincar
Sua infância desfrutar
Não tem essa mordomia
Mas o que essa ingênua
Está fazendo aí perdida?
Ajudando o pai pobre
Levado à sobrevida
Suando cada centavo
No trabalho semi-escravo
Da sevícia sem medida
E pra isso chega cedo
Um café mal mastigado
Faça chuva ou sol quente
Seu almoço está gelado
Vai ficar até a tarde
Tarefando pro covarde
Com estômago apertado
E o manejo do sisal
É um tanto perigoso
Os seus olhos descobertos
Seu dedo está caloso
Mesmo assim essa criança
Deixada na confiança
Não tem traje cauteloso
Não parece importante
A criança pelitrapa
Se é lindo o tapete
Que seu trabalho contrata
Seu suplício não é problema
A quem atender o tema
O enganoso burocrata
O Brasil é exportador
Do luxuoso adereço
Pro europeu gastar dinheiro
É pequeno o seu preço
Mas não toque na ferida
Que a infância invalida
Pra não trazer aborreço
O trabalho infantil
Se encontra Brasil adentro
Desde a periferia
É vista também no centro
Pra alertar a miséria
O cordel canta a matéria
Não se pode ficar neutro
Tem criança no sisal
Na cana e no carvão
Labor duro o dia todo
Ao troco de um tostão
Obra do capitalismo
Regime do egoísmo
Regime da escravidão