O mártir do Sertão

Meus amigos eu vou falar,

De um assunto em ebulição;

Que tem causado contenda,

Falatório e discussão!

E o caso não é outro,

Senão o da transposição!

O projeto tem gerado,

Um rebuliço retado;

É nego se engalfinhando,

E farpas pra todo lado,

De um lado, os defensores;

Do outro os inconformados!

Há quem diga que a obra

Trará de vez solução,

Para o martírio da seca,

Que assola o bom Sertão,

Já outros, insistem que;

Tudo isso é falação!

Pra não causar injustiça,

Vou expor o tal projeto;

Na visão do idealizador,

E também na do modesto,

Homem do Semi-Árido,

E vejam quem está correto!

Assim fala o governo:

O desvio vai beneficiar,

Doze milhões de pessoas

Que habitam no lugar,

Incluindo um milhão

De empregos, que vai gerar!

Porem os pesquisadores,

E a sabedoria popular,

Diz que isso é fantasia

Por isso não vai vingar:

Porque o rio está morrendo,

E vão acabar de matar!

A realidade será outra:

A transposição atingirá

Somente cinco por cento

Do Semi-Árido que há,

E quem precisa de água,

Continua a se lascar!

Pois vinte e seis por cento

Da água desviada,

Será usada em cidades

Que tampouco precisava!

Como Fortaleza e Recife

Que nem no projeto estava!

Mas o pior vem agora:

Setenta por cento serão

Destinados a empresários,

Que mexem com a irrigação

De hortifrutigranjeiros,

E criação de camarão!

E a verdade é assim:

Sempre a mesma fidalguia!

Desde os tempos de D. Pedro

Promessa já se ouvia,

De acabar com a seca;

Só não se falava o dia!

Os recursos, muito poucos,

Para o Sertão, enviados!

Para as mãos dos coronéis,

Há muito são desviados,

E os pobres sertanejos;

Cada vez mais desgraçados!

Para acabar com a seca,

Só basta boa vontade,

Um trabalho organizado,

Empenho e honestidade!

Mas até esse instante,

Não se fez nem a metade!

Dá mais lucro se empenhar,

Numa obra colossal,

Que demande muita grana,

Como sempre houve igual,

Pois assim se rouba mais,

Sem ninguém dar por sinal!

Parece que a polêmica

Está longe de sumir,

E até greve de fome

Foi feita para impedir,

O avanço do projeto;

Mas ninguém tá nem aí!

O bispo Cappio protestou,

E de fome padeceu

Na beira do velho rio,

E assim, quase morreu!

Foi um grito de socorro,

Que o rio São Francisco deu!

O heróico São Francisco,

Já anda muito cansado;

Muito ele já fez,

Agora tá enfadado!

Está mais raso e estreito,

Sem fauna e assoreado!

O rio leva em suas costas

Madeira, alimento e minério;

Sacia a fome de muitos,

Esconde lenda e mistério,

E está sendo sepultado

Por culpa do Ministério!

Todo ano ele recebe

Toneladas de areia;

Os peixes diminuíram,

Quase não existe cheia!

As matas ciliares morreram,

E a coisa ficou feia!

O que dói no coração

É o sofrimento do rio,

Que vai ser sacrificado

Pela pátria que o pariu!

E o futuro do Sertão;

Ninguém sabe, ninguém viu!

Como alguém que doa o sangue,

Sem de volta o receber,

O Chico dará suas águas,

E sabe que vai morrer!

E o seu povo tão carente,

Não vai parar de sofrer!

E o que será da aroeira,

Do angico e do Jericó?

Da flora da beira rio

Da fauna e do arrebol?

De Juazeiro e Petrolina

Que vão ficar na pior?!

E como o litoral sem mar,

Ou um castelo sem assombração,

O Nordeste estará triste,

De cortar o coração!

Quando o bravo São Francisco

Virar mártir do Sertão!

Nota: concebido na época da polêmica transposição do rio S. Francisco

Edson

edsongs
Enviado por edsongs em 11/02/2012
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