CABEÇA DE CUIA - UMA LENDA DO PIAUÍ

Eu vivo sempre estudando

As coisas do meu país

Estórias que o povo conta

Mentiras que o povo diz

Por meu Nordeste beleza

De Recife a Fortaleza

Da Bahia a São Luis.

Assim me sinto feliz

Cordelando estrada a fora

Em todo lugar que chego

Sempre uma lenda aflora

Cangaceiros e outros mais

Estórias regionais

Como essa que conto agora.

O Piaui tem história

No folclore do lugar

Nas águas do Parnaiba

Do Poty que corre lá

Que a cultura enriquece

Mas o Brasil não conhece

Por isso eu passo a contar.

É dificil acreditar

Em causos de caçador

Vaqueiro, chofer de praça,

De poeta cantador

De frentista, de padeiro,

Cachaceiro, seringueiro,

Marinheiro e pescador.

Toda história tem valor

Seja mentira ou verdade

Por menos que ela circule

No seio da sociedade

Mas se for publicamente

Contada por muita gente

Se torna realidade.

Do outro lado, se a verdade

For contada de maneira

Deturpada, duvidosa

Como fosse brincadeira

Se torna falsa, afinal,

Por mais que seja real

Nunca será verdadeira.

O homem é fera primeira

Do reino dos animais

Monta usina nuclear

Nos espaços siderais

Fala sério, diz besteiras

Cria as lendas costumeiras

E conta histórias reais.

Há muitos anos atrás

Existiu no Piauí

Um pescador que vivia

No Parnaiba e Poty

Em meio à vegetação

E a sombra da maldição

Crescia dentro de si.

Crispim, o seu nome aqui,

Cresceu sem religião

Sem pai pra lhe aconselhar

Sem amigo, sem irmão

Só um parente ele tinha:

Sua mãe, muito velhinha,

Sem mágoa no coração.

Nunca teve uma lição

Não aprendeu trabalhar

Pra sustentar sua mãe

Passava  o dia a pescar

Nem sempre o rio ajudava

E quando nada pescava

Pegava a esbravejar.

De tanto necessitar

Ele só vivia aflito

Ameaçava sua mãe

Socava o ar, dava grito

Num desespero profundo

Agredia todo mundo

Chamava o rio maldito.

A sua mãe em conflito

Coitada, muito velhinha

Sem esperança de vida

Em sua pobre casinha

Via a tristeza do filho

Faminto e maltrapilho

Com a pobreza que tinha.

Crispim um dia a tardinha

Voltou pra casa zangado

Por não ter pescado nada

Esbravejava irritado

Dava soco no vazio

Xingava os peixes, o rio,

Tudo que via ao seu lado.

A mãe com muito cuidado

Se aproximou com cautela

Quis falar-lhe, mas o monstro

Mesmo sem olhar pra ela

Não queria escutar nada

Pegou um cabo de enxada

Bateu na cabeça dela.

Com isso ela se esparrela

Com todo corpo no chão

Porém antes de morrer

Jogou-lhe uma maldição:

- Com isto, filho malvado,

Tu hás de ser transformado

Num ente sem coração.

Cometeste ingratidão

Não teve pena de mim

Matar tua genitora

Te amaldiçoo enfim

Por ser um filho proscrito

Serás um monstro maldito

Com um final muito ruim.

Nesses dois rios afim

Tu haverás de vagar

Serás um monstro assombroso

Até voce devorar

Daqui para o fim dos dias

As sete virgens Marias

Que nunca has de encontrar.

Com isso os anjos no altar

Na hora que a mãe falou

Todos disseram amém

Jesus no céu escutou

Viu-se uma porta sem fim

E de repente Crispim

Num monstro se transformou.

Seu corpo desfigurou

Com uma cara muito feia

A cabeça cresceu tanto

Que dava uma arroba e meia

O rio sua matéria encerra

E só aparece na terra

Em noite de lua cheia.

Sua aparência é tão feia

Que a água fica assustada

No lugar onde aparece

Pescador não pesca nada

Os rios soltam lampejos

E até mesmo os caranguejos

Ficam na lama entocada.

A velha foi sepultada

Como fosse um indigente

Não ficou nenhum registro

Não sobrou nenhum parente

Só a lembrança bisonha

E Crispim que ainda sonha

Um dia voltar ser gente.

Os pescadores tementes

Nele não querem falar

Quando falam sentem medo

Passam noites sem pescar

Temem perder a memória

Também temem qualquer hora

Com o Crispim se encontrar.

Cabeça de Cuia está

Cumprindo sua trajetória

Uma velha diz que viu

Porém perdeu a memória

Sua fala ficou rouca

Fica cada vez mais louca

Quando escuta essa história.

Nos carrilhões da memória

Dos bebedores de cana

Dos caçadores de paca

Dos pescadores da lama

Onde há alguém conversando

Cabeça de Cuia entrando

A conversa se inflama.

Todo final de semana

Tá nos livros registrado

Nas águas desses dois rios

Sempre alguém morre afogado

A água leva e não traz

Deixando cada vez mais

Banhistas desesperados.

Já estão tomando cuidado

Para não deixar ninguém

Tomar banhos nesses rios,

Isso, para o próprio bem,

É o fim da maldição

E a mesma maldição

Vai ao pescador também.

Cabeça de Cuia vem

Toda semana à procura

Das sete Marias virgens

Cumprindo sua desventura

Com muita gente o vendo

Subindo o rio e descendo

Em noite clara e escura.

Sábado e domingo a procura

É muito mais acirrada

Pois o pobre ainda sonha

Ter a maldição quebrada

Sempre atormentando os vivos

Por isso está nos arquivos

Tanta morte registrada.

Eras e eras passadas

E a história permanece

Dizem quando os rios enchem

Na correnteza ele desce

Mostrando suas entranhas

Com gargalhadas estranhas

Toda vez que aparece.

Quem o vê jamais esquece

Chora quando está contando

Ou então perde a memória

Não sabe o que está falando

Quem está por perto critica

E a história se multiplica

Cada vez mais aumentando.

Ele nas águas vagando

Do Parnaíba e Poty

No encontro dos dois rios

Tem uma estátua ali

Pra reforçar a emenda

E eu versei essa lenda

Do Estado do Piauí.

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 14

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 31/01/2011
Reeditado em 20/11/2022
Código do texto: T2763861
Classificação de conteúdo: seguro
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