A VISITA DE LAMPIÃO AO PADRE CÍCERO ROMÃO

Este mundo estar perdido

Mim disse Chico Filó

E do jeito que coisa vai

Cada vês fica pior

Ninguém respeita ninguém

Cada um vale o que tem

Quem não tem padece só.

Foi Chico quem me contou

Da visita de Lampião

Ao padre do Juazeiro

Na celestial mansão

Ele falou sem segredo

-Todo esse meu enredo

Foi uma revelação.

Falou-me que o cangaceiro

Passou um tempo na terra

Numa casa abandonada

Que fica em cima da serra

Mas sempre achava um tempinho

Pra provocar burburinho

Bagunça desordem e guerra.

Assim passou muitos anos

Vivendo na escuridão

Sempre arrumando briga

Promovendo discussão

Andando em romaria

Usado em feitiçaria

Aclamado em procissão.

Porém, depois de um tempo

Cansou de viver ao léu

Sempre a perambular

Sendo agressor, sendo réu

Dos males que aqui encerra

Pensou em deixar a terra

Pra ir visitar o céu.

Ao céu Lampião chegou

Ao pino do meio dia

Bateu palmas no portão

Mas ninguém lhe atendia

Ali não viu um cristão

Estavam em reunião

Mas Lampião não sabia

Só depois de algum tempo

Um Santo apareceu

Era São Sebastião

Um antigo amigo seu

Foi de longe acenando

E depressa perguntando:

-O que foi que aconteceu?

-Tu tens andado sumido

Mas vou logo te avisando

Pois não serás recebido

Ninguém o está esperando

São Pedro não esqueceu

Tudo o que aconteceu

Ele está sempre lembrando.

Lampião disse: Meu Santo;

Não quero arrumar contenda

Vi falar com padre Cícero

E que o Pai compreenda

E pra evitar vexame

Volte lá dentro e o chame

É bom que ele me atenda.

O Sato disse: Pois bem

Eu irei chamá-lo agora

Mas saiba que ele estar

Junto a Nossa Senhora

Lampião disse: Pois vá

Diga a ele que venha cá

Mim atenda e eu vou embora.

São Sebastião chegou

Numa salinha ajeitada

Toda enfeitada de rosas

Com ouro em sua sacada

De dentro saia um canto

Anjos acenavam manto

Em estrofe bem alinhada.

O Santo chegou discreto

Como quem faz continência

A mão colada no peito

Em ato de reverencia

E permaneceu calado

Até ser anunciado

Perante a sua excelência.

Depois de ser atendido

São Sebastião falou:

-Meu Ilustre Padre Cícero

Ainda a pouco chegou

Seu amigo Lampião

Vindo de mala e surrão

Para falar com o senhor.

O Padre Cícero Romão

Agradeceu o recado

Despediu sua Senhora

E foi saindo apresado

Em rumo a um escritório

Pertinho do purgatório

Que fica do outro lado.

Antes de chagar na tenda

Mandou chamar Lampião

Quem foi levar o recado

Foi o Santo Damião

Que falou pro cangaceiro

Sai depressa vai ligeiro

Falar com Cícero Romão.

-Porem antes de entrar

Tire da cinta a navalha

A cartucheira o facão

Queime o cigarro de palha

Jogue fora o armamento

Pra não ter messe momento

Nada que o atrapalha.

Lampião obedeceu

Tudo que o Santo falou

Passou o lenço no rosto

Fez fila, se ajeitou;

Imponente e varonil

Despediu-se do fuzil

E depois no céu entrou.

Padre Cícero o esperava

Encostado na sacristia

Quando avistou o amigo

Teve bastante alegria

Deu-lhe um aperto de mão

E falou com emoção

-Faz tempo que não lhe via.

Lampião da mesma forma

Também se emocionou

Beijou a mão do padrinho

E sem demora falou:

-Eu hoje venho sem presa

E assim toda conversa

Dessa forma começou.

-Meu querido Padre Cícero

Trago notícias pra dá

É bom que o senhor se sente

Para poder escutar

Serei breve no relato

Bem caprichoso e exato

E todo fato narrar.

Deus criou a natureza

Dando gentil perfeição

Tudo que vemos pertence

A obra da criação

Em sua amabilidade

Pôs estrutura e bondade

E teve a sua afeição.

Porem o homem malvado

Com seu intento voraz

Espalhou ódio e discórdia

Para destruir a paz

Destruindo por maldade

Sem ter dó nem piedade

Tudo que Deus fez e faz.

Em tudo se ver desordem

Como quem anda de ré

Mulher querendo ser homem

Homem querer ser mulher

A fé mudou o sentido

O mundo anda perdido

Do jeito que o diabo quer.

Religião não se ver

Parece mais anarquia

Pastores vivem roubando.

Padre em pedofilia;

Igreja virou bagunça

Nem no tempo da jagunça

Viu-se tanta hipocrisia.

Na política ver-se muitos

Ladrões usando o plenário

Traindo a fé do povão

E nos fazendo de otário

Pra fazer malandro rir

Numa tal de CPI

Roubando nosso salário.

O Padre ouvia calado

De vês enquanto franzia

O couro branco da testa

Fazia gestos, sorria.

Lampião continuava

E tudo quanto falava

Era de forma fazia.

-Aumento da iniqüidade

A fé se tem esfriado

O amor já não existe

O perdão ta congelado

O povo de fome morre

Somente Jesus socorre

Esse sistema fadado.

Pois do céu se manifesta

De Deus a sua justiça

Sobre tanta impiedade

Tanto ódio e injustiça

De homens impiedosos

Incessíveis orgulhosos

Que a Deus escandaliza.

Ver-se homens avarentos

Presunçosos, egoístas

Maltratando pai e mãe

Vivendo em suas conquistas

Blasfemos, ingratos profanos,

Sem querer de Deus os planos

Pois são muitos comodistas.

Nos seus rumores de paz

O homem perde a razão

Segue seu rumo sem Deus

Endurece o coração

Fica distante da luz

Não se lembrando da cruz

Nem do seu real perdão.

Oh meu querido padrinho

Esse foi o meu relato

Relatado em pouco tempo

Espero ter sido exato.

Porem é só o começo

Eu não narrei nem um terço

Da realidade do fato.

Porem eu terei de ir

Não sei se volto pra terra

No céu não posso ficar

No inferno provoquei guerra

Mas sem querer fazer fita

Vou ver Maria Bonita

Que ainda sozinha erra.

Assim foi a despedida

Dessa bonita amizade

Um abraço apertado

Uma gota de saudade.

Um momento no portão

Um breve aperto de mão

Em um adeus sem vontade.

Amigo leitor, aqui

Termino num tempo só

Se você não acredita

Peço: de mim tenha dó.

Mas se dormir e sonhar

Lembre de interrogar

O amigo Chico Filó.

Fim,

Edilson Alves
Enviado por Edilson Alves em 23/01/2011
Código do texto: T2746643
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