UM PRÍNCIPE DE QUATRO PATAS

UM PRÍCIPE DE QUATRO PATAS

Com o porte de fidalgo,

Um trato sem outro igual,

Um dengo de dar inveja,

Um cão cheiroso e bossal.

O Príncipe era cão dálmata,

Com vida de aristocrata,

Sortudo, aquele animal.

Começando por seu quarto,

Com a mobília completa,

Sofá-cama e almofada,

No canto uma bicicleta,

Pra ele se exercitar,

Na preguiça, se alongar,

Ficar forte como atleta.

Banheiro com água morna,

Espelho atrás e na frente,

O Príncipe era ensinado,

Usava adequadamente.

Número um no local,

Número dois no jornal,

Se limpava feito gente.

Roupinhas para cachorro,

Possuía coleção.

Pra passear ou dormir,

Para o inverno ou verão.

Chapéu para os dias de sol,

Para o frio cachecol,

Não faltava opção.

Por indicação do dono,

Torcia pelo Sport,

Não gostava de outro time,

Tinha um gênio muito forte.

Torcedor nada discreto,

Tinha uniforme completo,

E um pingente pra dar sorte.

Tinha a hora do passeio,

Sem atraso todo dia,

Acompanhado do amigo,

Do jeito que ele queria.

Levado feito um tesouro,

Numa coleira de couro,

Com tudo que o protegia.

Protegido do sol quente,

Com todo aquele aparato,

Era levado à praça,

Ficava alegre de fato,

Corria pelo jardim,

Ficava chei de pantim.

Pousava para um retrato.

Na volta tava faminto,

Mas vinha a contra gosto,

Fazendo um certo charme,

Fingindo estar indisposto.

Teimava em ser conduzido,

No colo era trazido,

Pesado de dar desgosto.

Chegava bem satisfeito,

De volta ao doce lar,

Tomava uma mineral,

Que já tava a lhe esperar.

Cheiro bom de mesa farta,

Um beijo de Dona Marta,

Que preparou seu jantar.

A comida era servida,

Num prato de porcelana,

Numa bandeja enfeitada,

Tudo muito bacana.

Dava até água na boca,

Filé, biscoito e sopa,

Sorvete a napolitana.

A ração balanceada,

Era sempre oferecida,

Mas não era do agrado,

Ficava toda perdida.

Pra quem come carne nobre,

Ração é rango de pobre,

É gororoba fedida.

Ele tinha um psicólogo,

Pra melhorar o humor.

Veterinário e babá.

Pagos por Seu Angenor.

Também um personal dog,

Na internet um blog,

Feito por seu treinador.

Imagine quanta gente,

Pra cuidar de um animal,

Seu Nanô, velho e cansado,

Sabia que era um mortal.

Depois que batesse as botas,

Com quem deixar suas notas?

Quem herdar seu cabedal?

Afastou os pensamentos,

Preferiu aterrissar,

Melhor pensar no concurso,

Que estava pra chegar.

Concurso pra cães beldades,

Grandes possibilidades,

De seu Príncipe ganhar.

Contratou um estilista,

Para deixá-lo nos trinque,

Comprou até paetê,

Só de roupa, umas vinte.

Então treinou o modelo,

Passou secador no pelo,

Para dar mais um requinte.

Aí chegou o grande dia,

Era muita emoção,

Treze cães enfileirados,

Trinados pra ocasião.

Latindo e alvoroçados,

Estavam muito amostrados,

Querendo toda atenção.

Rex disparou na frente,

Todo mundo se espantou,

Trombeta tava em segundo,

E a galera se agitou.

Príncipe estava assustado,

Com cara de abestalhado,

O coitado amarelou.

No quesito elegância,

E musculação também,

Príncipe era o mais forte,

Não tinha pra seu ninguém.

Enquanto o relógio contava,

A torcida incentivava,

E ele correu feito um trem.

Veio então a reação,

O favorito acordou,

Não ia ser lanterninha,

Pra isso se preparou.

Disparou, foi lá pra frente,

Derrubou o concorrente,

E a vitória conquistou.

Foi demais a emoção,

Seu Nanô adoeceu,

Deu piripaque na hora,

De tanto que ele torceu.

Se esforçou mais que podia,

Teve uma taquicardia,

Um amigo o socorreu.

Levou pra Restauração,

E o doutor que atendeu,

Passou repouso completo,

Remédio que benza Deu.

Daí pra frente o coitado,

Passava o tempo deitado,

Só lembrando o que viveu.

Seu Nanô compreendeu,

Que chegava a sua hora,

De organizar a partida,

Sabia que ia embora.

Confessou para o vigário,

Que faria o inventário,

Resolveria essa história.

E assim fez uma prece,

Pra viver mais alguns dias,

Pediu a Papai do Céu,

Na hora das agonias:

Pra deixar seu grande amigo,

Príncipe bem protegido,

Com suas economias.

Juntou toda papelada,

E tratou de registrar,

Cumpriu todo protocolo,

Pediu pro moço anotar:

“Passo a herança pro cão,

Parente não bota a mão,

Deixa a raça se zangar”.

Depois dessa providência,

Ficou mais aliviado,

Pra deixar tudo certinho,

Avisou ao empregado:

“arranje uma cachorrinha,

Saudável e bem formosinha,

No cio por namorado”.

Era um grande desejo,

Ver o belo acompanhado,

Prele não ter solidão,

Nem se sentir desprezado.

Fez de sua casa um motel,

Para que na lua de mel,

Ficasse tudo do agrado.

O casal tava feliz,

Num chamego que só vendo,

Roçando nariz com nariz,

Tudo mais acontecendo.

Quando o casório se deu,

Nanô até esqueceu,

Do mal que estava sofrendo.

Passada uma semana,

De novo ele passou mal,

Aí não teve mais jeito,

Chegou a hora final.

Foi pra terra dos pé junto,

Ninguém falava outro assunto,

Só na herança do animal.

Mas nem tudo aconteceu,

Da maneira acertada,

A turma se empolgou,

Com a fortuna deixada.

Os empregados do herdeiro,

Botaram a mão no dinheiro,

Sem ter responsa com nada.

Tomaram gosto com luxo,

Tudo do bom e do chique,

Viagem de avião,

Roupa comprada em boutique,

Muita praia no verão,

Coquetel de camarão,

Passeio de Maveric.

Tudo isso foi minando,

E diluindo a herança,

Já estava causando briga,

Servindo de embuança.

De onde se tira e não bota,

Acaba que ninguém nota,

Só vai restando a lembrança.

Apesar da confusão,

Príncipe estava beleza,

Não precisava de luxo,

Bastava o amor da princesa,

De uma vidinha normal,

Rotina de um animal,

Deixa aos homens a avareza.

Fátima Almeida

Mary Fa
Enviado por Mary Fa em 09/10/2008
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