"Está chegando a hora"

A marcação da música invadia meus ouvidos quase estourando meus tímpanos, somando a dor de cabeça alucinante que sentia; o som dos apitos, das vozes, o cheiro da fritura e os gritos. Tudo cortava como faca amolada o meu corpo e expunha as entranhas da minha angustia de estar naquele lugar.

Mas aparentemente ficaria divertido em algum momento.

“Não dá nem para contar...” Foi a primeira coisa que pensei quando cheguei naquele lugar lotado de gente suada e feliz. Quantas pessoas cabem em uma rua? Em uma praça? Não cabiam tantas pessoas isso era fácil dizer.

Não era possível caber num espaço tão contido duzentas mil pessoas, mas cabia, eu vi com meus olhos que o povo dá um jeito. Para nos divertir sempre daremos jeito.

Com o fim traumático do meu relacionamento, nada mais justo que afogar minhas mágoas num banquete infernal como o carnaval, mas infelizmente o confete e a serpentina pareciam só cafonas e tristes. Ou eu que era. Agora não sei dizer.

Já contavam três horas que havia chegado e desde então só ouvi uma música que não sei dizer a letra, pisaram no meu pé uma infinidade de vezes e toda cerveja que derrubaram em mim, agora já parecia ser o perfume que saí de casa. Enfim, carnaval né?

Eu vestia um terno branco, um chapéu de malandro, se minha camisa não fosse azul com listras brancas, provavelmente teriam me confundido com o próprio Zé Pelintra, mas não sou tão bonito nem descolado assim.

O meu parceiro me chamou para um canto e avisou desse lugar, mais calmo que tinha umas pessoas legais, qualquer lugar parecia melhor que o limbo onde estávamos então até me animei com a probabilidade de melhorar. Fomos acompanhados de duas lindas moças que não faço ideia da onde saíram.Mas eu estava meio bêbado e de novo, é carnaval né? Meu amigo não era tão chato quanto eu.

Era um lugar ermo e escuro, as luzes amarelas da rua oscilavam, vacilava também a minha coragem. Não sou o mais valente dos homens infelizmente. O ambiente pareceu ligeiramente mais pesado a cada passo dado na crescente escuridão, pensei por várias vezes ter sentido vertigem de seguir naquele caminho. Passaria mal assim? Não senti que bebi tanto...

Eu que conheço o Rio de Janeiro como a palma da minha mão, não fazia ideia de para onde estávamos indo. As moças davam risadas altas e empurravam de maneira brincalhona meu amigo, mais atrás eu só observava confuso.

“Que diabo de fantasia é essa que elas estão usando?”

Meu amigo vestia a mesma coisa que eu, mas elas pareciam ser melindrosas? Franjas e colares de pérolas, preto e vermelho. Uma delas se virou para mim com um olhar estranho, parecia tentar falar comigo através dele. Olhos completamente negros e vazios me perfuraram como uma adaga. Arrepiando até minha alma.

Eu não sou de ler sinais, mas senti na hora que deveria parar de segui-los. Parei no meio da interminável rua, a luz do posto oscilou, ela virou-se novamente para frente arrastando meu amigo junto de sua companheira. Eles seguiam na escuridão, ouvia a gargalhada das moças, atrás de mim a marcha carnavalesca parecia se tornar cada segundo mais perceptível, eles caminhavam animadamente até eu não poder ver mais suas silhuetas na noite.

O caminho pelo qual segui não parecia mais tão escuro, nem tão vazio, o som crescia e até pensei ver confete e serpentina caindo dos prédios. O som crescia em meus ouvidos aumentando minha ansiedade, a marcha se tornava bem clara, quase gritando dentro da minha cabeça...

“Quem parte leva saudade de alguém que fica chorando de dor...”.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 13/01/2021
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