"Tudo pela ciência"

Depois de ter inventado uma engenhoca que descobria os pensamentos alheios, o engenheiro eletrônico Laércio Brás não teve mais paz, e por isso, destruiu a geringonça. Tornou-se mais isolado e desconfiado, pois descobriu que o casamento estava falido e era rodeado por amigos falsos. Separou-se e tornou-se uma pessoa de poucos contatos. Salvo o Adoniram, renomado professor de filosofia de uma conceituada Universidade Pública da capital: materialista ao extremo e ateu convicto.

Certa feita, depois de muitas doses de uísque na cachola, os dois amigos entraram em um debate sobre a existência dos espíritos e vida após a morte. Laércio era daqueles caras irritantemente chatos, e tinha a velha mania de provar a autenticidade de suas convicções. O problema é que Adoniram era tão ou mais teimoso que o amigo.

Fizeram uma aposta: Em trinta dias, Laércio deveria construir uma máquina que fotografaria espíritos vagantes. Se obtivesse sucesso, receberia cinco mil reais do amigo, e em caso de fracasso, ficaria cinco mil reais mais pobre.

Passado um mês, ambos amigos encontram-se na mesma mesa de bar e Laércio reconheceu insucesso que julgava provisório. O engenheiro pagou a grana ao amigo, que zombou dele a noite inteira, ferindo seu ego. Mas antes de sair, disse ao professor de filosofia:

- Você sabe que eu provo tudo o que acredito ser verdade. Nesta noite vou providenciar a minha viagem para o além, e depois, te dou um jeito de lhe avisar que eu estava certo.

Como ambos estavam pra lá de Bagdá, Adoniram nem ligou para aquela baboseira toda. Mas Laércio ia provar que estava certo, como sempre fez. Ao chegar em casa, olhou-se no espelho com olhar mórbido, e como passaporte para o além, tinha três opções: Uma carabina carregada, uma peixeira de baiano e um copo de veneno estricnina. Bebeu o líquido letal numa talagada só. No dia seguinte, as cenas do suicídio estampavam a primeira página dos jornais sensacionalistas da cidade.

Quinze dias depois, alguém bateu palmas na casa de Adoniram. O rapaz se dizia voluntário de um Centro espírita localizado a mais ou menos uns três quilômetros da casa do professor. Ao abrir o envelope que continha um bilhete psicografado, as poucas palavras diziam:

"Velho amigo, para variar, eu estava mesmo certo. Existe vida após à morte, mas aqui é um tédio, e por enquanto, eu não posso voltar para puxar seus pés"

O senso de humor e o estilo da escrita diziam por si só: Laércio provou de fato ao amigo que não estava errado. Adoniram deu um sorriso de canto de boca e fez questão de levar cinco mil reais ao único filho do falecido. Disse ao jovem apenas que era uma dívida do passado. Converteu-se a uma destas várias igrejas neopentecostais da atualidade e mudou totalmente o teor das suas aulas de filosofia...

* O Eldoradense