Mortos ou agonizantes

Estávamos ao telefone, distantes um oceano do outro, quando os mísseis foram disparados. Era uma noite de lua cheia e fazia calor. Eu havia me sentado à varanda do bangalô em frente ao mar, observando as ondas quebrando mansamente contra a areia da praia, e ouvira a notícia ser dada no rádio, através de um boletim extraordinário. Curiosamente, ficamos ambos calmos, ela principalmente, como se a inevitabilidade do fim tornasse qualquer manifestação de desespero ridícula.

- Não dá tempo, não é? - Constatou ela.

- De fugir da cidade? Não, não creio que dê tempo, ou mesmo que seja aconselhável... mas você está no abrigo, não é?

- Sim, o prédio possui um belo abrigo... o mais fundo que puderam arranjar. Eu vou falar enquanto... você sabe... não cortarem as linhas.

- Eu sei. Você está arrependida?

- De não ter ido com você? Honestamente? Eu não sei... não creio que teria dado certo. Nós já havíamos terminado, não é?

- Mas, por outro lado, agora você estaria em segurança, do outro lado do mundo... - ponderei.

Ela suspirou.

- Eu estaria em segurança e toda a minha família estaria aqui, sem que eu pudesse ter notícias dela. Além do mais, a partir de agora, não haverá mais lugar seguro, em parte alguma do mundo. Sim, eu sei, o risco que há de jogarem uma bomba onde você está é remota... mas as bombas são só o começo da história. Dependendo da escala em que esta guerra for travada, e da sua duração, o mundo inteiro poderá ser comprometido. Um inverno nuclear pode condenar boa parte da humanidade à uma morte lenta...

Enquanto ela falava, comecei a ouvir sirenes. Os mísseis deveriam estar próximos do impacto, agora.

- Você ouviu? - Indagou ela.

- Sim... espero que as defesas antimísseis funcionem... e que você possa sair do abrigo em uma ou duas semanas. Eu voltarei assim que puder e vou procurar por você!

Houve um momento de silêncio, em que pensei que a conexão houvesse caído, mas depois a voz dela voltou, alta e clara, quase como se estivesse ao meu lado. Senti um arrepio percorrer minha espinha.

- Pode levar meses até que as coisas voltem à normalidade...

A voz dela perdeu-se num chiado: a ligação fora definitivamente cortada. Fiquei por alguns instantes com o telefone sem fio na mão, e finalmente, o desliguei.

Aquela última frase me deu uma ponta de esperança, apesar do horror da situação. Estaria ela falando da guerra ou do nosso relacionamento?

Eu precisava descobrir.

- [19-10-2017]