Uma música distante, lá perto de casa

Ela ouvia uma música distante. Algo diferente. Os sons se chocavam ao seu peito. E aquilo a enchia de alegria. Uma alegria diferente. Parecia Vivaldi, mas era diferente. Andou em direção à saída do parque e olhava para os lados em busca do autor daquela música. Quando passou pela saída do parque o som se misturou com o violão desafinado de um sujeito que cantava desafinado alguma música estranha. Mas ela sentia o agudo mais forte daquela música que tirou-lhe a razão e a lançava num abismo de emoção.

Atravessou a rua e entrando por um beco recebia novamente toda a potência daqueles agudos, eles vinham escorrendo pelas paredes dos prédios que formavam o beco. Ela sentia coragem em prosseguir até encontrar a origem daqueles sons. Eram perfeitos para ela. Sedutores. Dominadores. Como mãos que puxavam seus cabelos à força. Sons autoritários que exigiam obediência.

Se viu até mesmo dançando ou andando ao ritmo dos agudos. Os graves mudavam o seu semblante, ora tenso, ora alegre. Seguia confiante farejando com os ouvidos as notas sedutoras daquele instrumento. Talvez um violino. “Sim, um violino vivaldiano”, ela pensava. Saindo do beco virou à direita e o som aumentava e algumas vezes, contraditoriamente, diminuía. “Talvez seja uma nota mais baixa”, dizia para si mesma.

Andava em linha reta e quando o som ia se apagando voltava alguns metros e retornava em círculo. Não entendia muito bem o que estava fazendo. “Talvez, eu esteja seguindo o ritmo.”, ela concluía. A música a dominara por completo. Seus movimentos não eram medidos por ela, mas pelos cordéis daquele instrumento. Seus pensamentos lhe escapavam e voavam sem rumo como notas musicais que são libertas pela batida dos dedos e dos arcos nas cordas.

O coração acelerava e a adrenalina lhe dava ânimo para continuar. Chegara a uma praça onde todos os viciados da cidade se encontravam. O som fez com que ela passasse por dentro da praça, em meio a árvores frondosas e um pequeno jardim japonês. A música agora recebia um aliado que a entorpecia com mais eficiência. Havia sons e fumaça, mas ela seguia em direção aos acordes que lhe puseram num transe, em profundo delírio.

Tornou-se abstrata. As luzes do carro policial e a correria na praça não a afetaram em nada. Seus sentidos, todos eles se converteram em apenas um: audição. A audição guiava seus passos. Sentiu que fora empurrada e que devia ter caído na grama. Apoiou com firmeza uma das mãos no joelho e se levantou. Alguém a pegou pela mão e disse alguma coisa que ela recebeu apenas como sons guturais sem sentido.

Saindo da praça seguiu por uma pequena rua de casas antigas. Algumas crianças brincavam e cantavam uma cantiga de roda. Virou a esquina e a música a alcançou novamente. A alegria voltou ao rosto. O coração batia mais doce. A adrenalina ia sendo controlada pelos acordes deliciosos. Os sentidos retornavam. Com as pernas cansadas, sentou-se num banco perto de uma banca de revistas. A música a possuía. Estava bem distante de casa. Estava em casa.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 01/07/2017
Código do texto: T6042721
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