Cancelado

A nevasca tomou tais proporções que não somente todos os voos foram cancelados, como eu e mais algumas centenas de pessoas ficamos presos no aeroporto de Milwaukee. Isso, em plena véspera de Natal. Sem ter o que fazer entre um cochilo e outro, comecei a conversar com um senhor de aspecto distinto que se sentara ao meu lado no saguão de espera, sobretudo marrom e chapéu Fedora de feltro cinza.

- É certo que estávamos esperando um Natal branco, mas isso extrapolou qualquer previsão - comentei. - Só falta agora Papai Noel cancelar as entregas de presentes por conta do mau tempo...

- Ah, isso não - retrucou ele, bem-humorado. - Papai Noel voa acima das nuvens, e, provavelmente, desce exatamente em cima de cada chaminé. Não, mesmo uma tempestade como esta não vai fazer com que atrase o cronograma.

- Eu não ficaria chateado em pegar uma carona com ele hoje; embora voar num trenó aberto, à noite, no meio de uma nevasca, não seja exatamente a minha ideia de diversão.

- Tem família lhe esperando em... para onde está indo?

- Kansas City. Mulher e dois filhos. Já avisei que o Bom Velhinho abortou a missão, e que nem Chuck Norris seria capaz de voar com esse tempo.

- Papai Noel tem muito mais experiência nisso do que Chuck Norris - desdenhou meu interlocutor. - O que precisaríamos aqui, agora, seria do Hyperloop de Elon Musk.

- Isso se já estivesse funcionando, e interligasse especificamente Milwaukee e Kansas City.

O homem do chapéu me encarou com a mão no queixo, ar pensativo.

- Você conhece o conceito do Hyperloop?

- Tenho lido nos jornais... é um meio de transporte de alta velocidade, utilizando cápsulas que deslizam num tubo. "Velocidade de avião pelo preço de uma passagem de ônibus", é o que prometem.

- Exatamente - respondeu ele. - E se você tivesse este sistema à disposição, aqui, nesta noite?

Olhei bem para a cara do meu interlocutor. Não, ele não tinha barbas brancas.

- Seria um verdadeiro presente de Papai Noel, mas acho que não incluí esse pedido na minha cartinha este ano...

- Já que não vamos mesmo à parte alguma, posso lhe mostrar algo no andar térreo?

Devo ter feito uma cara estranha, porque ele acrescentou com ar de riso:

- Não precisa se preocupar. Não pretendo lhe sequestrar...

- Creio que não há mal em esticar um pouco as pernas - ponderei.

Peguei a minha valise e segui o homem do chapéu. Descemos para o térreo pela escada rolante e começamos a caminhar para as portas de saída. Lá fora estava um breu só.

- Lembra da plataforma 9 3/4 do Harry Potter? - Perguntou ele, olhando para trás e sorrindo.

Caminhou para uma coluna entre duas portas - e desapareceu no ar.

Olhei em torno. Esfreguei os olhos. Sim, o homem havia desaparecido. Avancei cautelosamente no rumo da coluna, minha visão ficou turva por um décimo de segundo e em seguida me vi num terminal de passageiros brilhantemente iluminado. O terminal do Hyperloop de Milwaukee, era o que dizia uma placa na parede ao meu lado. Havia muita gente ali, usando roupas com um estranho ar retrô - como as do meu guia. O qual estava parado na plataforma, olhando para mim e sorrindo.

- O seu sonho acaba de se tornar realidade - disse-me ele. - A próxima composição vai para Kansas City.

- Devo estar mesmo sonhando - murmurei. - O Hyperloop ainda é um conceito... não existe na prática, muito menos como transporte comercial.

- Estamos num tempo em que ele existe e está operacional - disse o meu interlocutor. - O "quando" não vem ao caso. Você embarca nele, vai até Kansas City e desembarca na estação Crown Center. Lembre-se apenas de dirigir-se a um dos acessos fechados, quando descer na plataforma. Isso vai recolocá-lo no tempo certo... e fora do Hyperloop.

Uma composição prateada, lembrando um grande torpedo, entrou na estação. As portas se abriram.

- É o seu - o homem do chapéu me deu um tapinha nas costas. - Boa viagem!

Convenci-me de que estava mesmo sonhando e entrei na composição. Da plataforma, meu interlocutor acenou.

- Feliz Natal! - Gritei.

Sentei-me numa poltrona vazia. As portas se fecharam com um sussurro. Milwaukee ficou para trás.

"E se eu não conseguir encontrar a saída correta e ficar preso no futuro?", perguntei-me. Agora era tarde, pensei.

Adormeci.

Acordei com meu interlocutor batendo no meu ombro.

- Ei, Kansas City! O aeroporto foi reaberto! Corra para não perder seu avião!

Levantei-me, ainda tonto. Estava de volta ao Mitchell, de onde, obviamente, não havia saído.

- O Hyperloop... - murmurei.

- Quem sabe daqui a 50 anos! - Respondeu-me com um sorriso.

- [17-05-2017]