Trapalhadas de Dona Filó III (O Enterro da sogra)

Trapalhadas da Dona Filó III

(O enterro da sogra)

Dona Filó teve o dis-prazer de ver sua sogra levada a óbito, como dizem os médicos quando querem nos comunicar o falecimento de algum ente querido, “o paciente veio a óbito”. Sua sogra já estava internada há mais de mês, com pneumonia, que se agravou repentinamente e ela não resistiu. Tomando conhecimento do ocorrido, pelo esposo, foi informada que o enterro seria à tarde após o velório no próprio cemitério.

Dona Filó, tinha uma vizinha, de frente de sua casa, inseparável. Podia contar com ela em todas as situações, principalmente em enterros pois Alcídia, esse mesmo o nome, em homenagem ao pai, Alcides, apreciava muito cemitérios, (tem gosto pra tudo). Atravessando a rua adentrou na casa da amiga, contou-lhe do falecimento e convidou-a para ir junto com ela ao cemitério, no que foi prontamente atendida, com indisfarçável euforia, principalmente por ser o velório da “querida” sogra da amiga. Dona Filó, retornou a sua casa para trocar-se enquanto Alcídia fazia o mesmo. Vestiu uma blusa discreta, cinza, uma saia preta, um par de óculos escuros grande, pegou um lenço branco colocou na bolsa e saiu junto com a amiga para o velório e sepultamento da sogra.

Chegando ao velório dirigiu-se ao caixão, fez o sinal da cruz, pensando consigo mesma: vai-te, que eu vou ficar em paz. Tirou o lenço da bolsa, com uma pontinha, passou nos olhos por baixo das lentes, fingindo enxugar uma lágrima, e afastou-se amparada nos braços da amiga. Alcídia, por sua vez, soltou a célebre frase que fazia em todo enterro: “parece que está dormindo”, no que Dona Filó logo advertiu: se é assim, não faz zoada até a enterrarem pra ela não acordar. Dona Filó dirigiu-se ao toalete na companhia da amiga, constatou o inusitado e exclamou: Alcídia amiga, saí de casa tão apressada que esqueci de vestir uma calcinha, no que a amiga a acalmou dizendo: pois hoje, não sei porque, vesti duas e posso te ceder uma. E assim foi feito, ficando as duas sorrindo do caso no toalete. Recompondo-se voltaram ao velório, Dona Filó passando o lenço nos olhos por baixo das lentes escuras dos óculos e Alcídia amparando-a em seus braços. As pessoas aproximavam-se dela para dar os pêsames e a cena do lenço repetia-se.

Dona Filó, quando ia à enterro, cumpria sua obrigação até o velório, nunca acompanhava até o sepultamento, não gostava, mas agora era diferente, queria ter a certeza de que haviam realmente enterrado aquela que foi responsável pelos dissabores que ocorreram em sua vida de casada. Naquele tempo, no Cemitério da Várzea, os sepultamentos eram em cova rasa, no chão. Chegando no local, a cova já estava aberta. Dona Filó começou a questionar que estava muito rasa, que mal cobriria o caixão. Um senhor ao lado, ouvindo seu comentário disse: “pode deixar o caixão até em cima da terra, que ela daqui não sai”. Dona Filó já irritada mandou que o senhor cuidasse dos seus defuntos, porque daquele cuidava ela, mandando que os coveiros cavassem “sete palmos de fundura”, pois era o devido. Um dos coveiros disse ironicamente: a senhora gostava muito dela, não era? Ela passou o lenço por baixo das lentes e balançando a cabeça afirmativamente, recostou-se em Alcídia que fez grande esforço para não gargalhar e abraçou a amiga. Antes de retirar-se do cemitério, ela ainda comentou com Alcídia que a velha era tão ruim que só teve uma coroa de flores, mesmo assim porque ela pagou e botou o nome do marido. Os outros filhos nem lembraram.

Após receber os abraços e consolos dos amigos e amigas, Dona Filó e Alcídia retiraram-se e puderam extravasar seus sorrisos, como se tivessem vindo de um filme de comédia.

Dona Filó, vibrava. Agora vida nova.

Massilon Gomes
Enviado por Massilon Gomes em 13/03/2017
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