Promettew

Promettew é mulher de 30 anos de idade, sempre viveu na casa onde está nesse momento. Dorme com o busto para cima e acorda na mesma posição. Ao acordar fita o firmamento do quarto, levanta e caminha até a janela que adorna seu mundo. Seus olhos vislumbram o paredão de tijolos sem reboco que desde sempre lhe dá vistas da infância.

Esta parede sempre esteve no lugar onde está. Por alguns instantes diante da enorme parede que lhe serve de referência Promettew reflete sobre a vida dentro de seu quarto. Lembranças que parecem fantasmas de consciência.

Certa manhã Promettew desperta de sonhos ruidosos. No momento de abrir seus olhos conforta seu corpo com o firmamento de seu quarto. Orgulha-se, ao sentar na beira da cama, da complexidade da vida e como esta lhe causa consolo. Ao caminhar até a janela, como faz todos os dias, depara-se com um desequilíbrio. A parede não estava lá. Os tijolos onde escreveu lembranças de suas muitas namoradas e namorados, lugar onde escondeu os cigarros de sua rebeldia. A parede não está lá.

- Onde estou? Perguntou-se.

- Este é meu quarto, mas onde está meu quarto? Disse impaciente.

Ao colocar a cabeça para fora, respirou um ar que nunca havia respirado, pois por ali não havia caminho que não fossem lembranças amontoadas em tijolos. De repente, ouviu alguém gritar na rua:

- Bom dia moça.

Assustada arremessou-se para dentro.

- Onde estou? Desespera-se até a porta.

- Onde está meu quarto? Por que a porta está trancada? Diz forçando a fechadura.

- Que mundo é aquele lá fora? Pensou.

- Onde está minha parede? Gritou.

Promettew cobriu a janela com um lençol e pelas bordas observava o paradoxo onde estava.

- Roubaram minha vida. Falou a si.

- Roubaram tudo que eu conseguia compreender. Suspirou procurando consolo pelos moveis do seu desassossego.

Questiona-se sobre os motivos da porta não abrir. Quem a haveria trancado? Tentava lembrar-se de sua vida. Suas recordações perderam a força e agora pela janela depara-se com o desconhecido.

Estava amedrontada. Sentou-se entre a janela e seu velho sofá. Aquele que conhece desde sempre. Aquilo que lhe traz segurança de pensamentos. Agarrada ao sofá negou-se a tentar abrir a porta. Estava apavorada com a ideia de não saber onde está.

O sofá não era suficiente. Não completava quem é, pois foi nesse sofá que muitas vezes masturbou sua solidão e chorou suas verdades.

Levantou a cabeça e olhou na transparência do lençol tudo o que não conhecia. O esquadro de sua janela emoldura um algo complexo, vivo e possível.

Promettew caminha pelo quarto, inquieta adorna o sofá com coisas que nunca antes o comprometeram. Sua resposta são suspiros e mais suspiros, então toma por decisão subverter seu sofá.

Seu corpo tenso, indiscutivelmente. Arrebata de súbita força o sofá, aproxima-o da janela, o arremessa para fora.

Lá fora, ele não era mais o sofá de sua casa, era outro sofá. Um sofá deformado pela complexa falta de parede que protegia a janela. Promettew disfarçadamente coloca a cabeça para fora e uma voz distante grita:

- Tá doida moça?

Retorna para dentro e seu corpo vasculha o espaço desconhecido, onde tudo virou lembranças.

Deitou no espaço onde estava o sofá. Rolava e enrolava no espaço solitário do sofá que se foi. Promettew coloca-se deitada no chão do sofá e começa a fitar o teto; torna-se novamente inquieta. Seus olhos vasculham desesperadamente o quarto. Pendura um véu azul na lâmpada, amarra sapatos pelos cadarços nas ripas do telhado, desenha bonecos com batom nas telhas, encontra um balde de tinta embaixo da cama com o qual pinta afrescos no firmamento. Revira sua cama de modo a perceber suas novas verdades.

Algumas coisas permanecem, outras são fantasmas de saudade. Promettew rola pela cama, até está confortável. Até encontrar um sentimento de inveja boa, inveja de si. Então dorme. Dorme um sono novo, um sono diferente.

Promettew é mulher de 30 anos de idade. É a primeira vez que acorda na cama que está nesse momento. Dorme com o peito para cima e acorda na mesma posição.

Promettew percebe que seus sonhos podem ser reais, seus olhos vasculham a indiscutível verdade que a acolhe. Sente algo incomodo em suas costas. É a chave da porta.

- Mas quem trancou essa porta? Murmura tranquilamente.

Levanta. Sente ser outra pessoa, sente outro mundo. Caminha até a janela, põe a cabeça para fora, respira aquele ar de outro dia. Nenhuma voz a recebe. Sente novamente solidão, então decide sair.

- Vou sair pela janela – diz sorridente.

- Não! A chave está aqui – conversa consigo.

- Mas quando fechei essa porta? Perguntou-se sorrindo por está falando sozinha.

Promettew destrancou a porta e saiu. Foram incontáveis as subversões que vivenciou, mas tinha de retornar a sua casa para organizar tudo. E procurar em sua vida, lugar para passado, presente e futuro.

Ao voltar para casa Promettew desleixou seus olhos até a janela. Estava fechada. Era uma nova parede que ali estava, uma parede rebocada que dava espaço para um corredor que parecia interminável. Ao longe nas extremidades podia deleitar-se de luzes, cores e movimento. O corredor a certa altura tinha o céu como firmamento.

Promettew em súbito delírio pula pela janela com o pincel e o balde de tinta na mão, então, escreve na parede a qual sua janela dava suporte.

“O nada é existência de ausência”.

Myke Zirrô
Enviado por Myke Zirrô em 15/01/2017
Código do texto: T5882398
Classificação de conteúdo: seguro