O SÉTIMO DIA XI

Á noite chovera forte. Ainda chovia branda e ininterruptamente de manhã. Quando Thor desceu do quarto, o cheiro do café que D. Marlene preparava exalava pelo recinto. Á mesa estava o Sr. Souza, fumando seu cigarro de palha.

- Oi, Thor, sente-se aqui.

Thor os cumprimentou brevemente. Sentou-se à mesa e esperou que o café lhe fosse servido. A febre passara de seu corpo, mas ele queimava por dentro. Lutara contra demônios durante toda a noite e acordara já exausto.

- Hoje não tenho como ir ao sítio. Com a forte chuva desta noite e esse tempo fechado, fica quase impossível dirigir naquela estrada barrenta e cheia de buracos. – reclamava o Sr. Souza.

Thor estava ausente, senão pelo cheio que sentia do cigarro e do café que impregnavam o ar e traziam-no do sonho em que estava e do qual parecia ainda não ter acordado.

- Veja só, Thor. Pagamos nossos impostos e o que temos? Mal mantêm as estradas de onde tiramos nosso sustento. Imagina quantos agricultores estão tendo prejuízos com o transporte do que produzem?

D. Marlene serviu o café. Forte e quente, como era de costume. Thor apenas acenava com a cabeça às palavras do Sr. Souza sem se ater. Ao primeiro gole, sentiu-se verdadeiramente de volta ao mundo. O café havia lhe queimado os lábios e, no reflexo, caiu-lhe na blusa. Rapidamente se limpou com uma toalha que estava sobre a mesa. Os souza se entreolharam. Sem palavras se fizeram entender sobre o homem que ali estava.

O Sr. Souza apressou-se em superar o incidente:

- Como eu ia dizendo. O Sr. não acha, Thor, que é uma pouca vergonha virem aqui pedir votos e fazer promessas que não cumprem? Veja por todo lado o que acontece? Parece que não ligam se estamos nos ferrando ou não.

Thor retornou com a xícara de café à boca. Mas estava agora definitivamente acordado. Num pequeno gole, olhou para o senhor à sua frente:

- Na verdade, Sr Souza, não há nada feito pelo homem que seja perfeito. Eu posso dizer que não é sequer bom. Não se pode esperar de promessas. Os que mais as fazem, costumam ser os que menos as cumprem.

- É verdade. Sim, é isso mesmo, Thor.

- Do homem nada espero. Se existir um Deus, ele chora pela criação. – Concluiu Thor.

- Não fale assim, meu filho – balbuciou D Marlene.

O Sr. e a Sra. Souza possuíam forte fé, freqüentavam assiduamente a Igreja Católica. Era-lhes incômodo quando Thor começava a falar sobre religião e fé ou invocava o nome de Deus em suas palavras. Sabiam que ele incrédulo.

- Thor, tente ver melhor as bondades que Deus criou... – Continuou D. Marlene, sendo censurada pelo olhar do marido, que preferia silenciar-se a debater sobre religião com o um homem que considerava ateu.

Thor olhou pela porta da pensão, imaginando o lindo dia que estava fazendo. Para ele era perfeito, embora continuasse a ouvir o praguejar do Sr. Souza.

O mundo é isso. Uns veem sol; outros, chuva. Uns veem o céu azul; outros, nebulosidade. Como são medíocres. Só há trevas e alguns relampejares que lhe clareiam. Acabado o combustível, novamente tudo se vira em trevas.

Thor estava com o olhar distante naquele momento. Frio como o tempo que, lá fora, fazia com que os transeuntes se empacotassem. O café havia apenas lhe abrandado dos acontecimentos da batalha noturna. Era olhos fitos na nebulosidade. A alma lhe parecia enxarcada.
- Mãe senti o cheiro do café.
Helena chegara. A voz, familiar aos Souza, entrou na alma de Thor, tirando-o do estado vegetativo em que se encontrava. Aquela mulher estivera com ele em seu sonho. Por ela percorrera todo o prédio se lutara com seres de poder descomunal. E fora derrotado por não encontrar a saída. Sim, a febre corporal de Thor passara, mas agora ele ardia mais que nunca.

- Bom dia, mãe e pai.

- Bom dia, minha filha, venha sentar-se com a gente e tome seu café – Respondeu o pai.

A mãe que havia lhe dado um abraço, serviu o café com bolachas a Helena.

Ela se sentara à mesa de frente a Thor, que a consumia com o olhar. Sentia o sonho. Sentia que a havia possuído.

- Thor, você está melhor, percebo. Sua febre passou? – Indagou Helena.

- Sim e devo te agradecer pela preocupação que tiveste comigo. E queria te pedir desculpas pelo modo como agi ontem.

Souza e Marlene novamente se entreolharam, imaginando do que Thor falava.

- Não se incomode, Thor. O importante é que esteja bem. – Respondeu com um sorriso encantador Helena.

Thor estava extasiado. De frente, o anjo. Ele, as trevas. Seria impossível o amor ali. Ele lutava, mas estava tombando pelo forte desejo que se lhe acendia.

- Percebi um livro de Nietchie na cabeceira de sua cama, gostaria de o ler quando você terminar, Thor.

- Claro, Helena. Na verdade já o li outras vezes. Pode pegar os livros que quiseres para tuas leituras. Seria bom até se quisesse comentar sobre alguns após leres, se desejares.

- Sim, eu quero, Thor. – Helena sorria e Thor amava.

A chuva fina prosseguia. O ambiente tinha se tornado extremamente agradável a Thor. Lá fora o tempo escuro lhe era prazeroso e À sua frente a mulher a quem amava emanava a luz que buscava no sonho.

Um pequeno silêncio, interrompido por D. Marlene.

- Helena, ouvi dizer que Fred foi promovido a gerente do banco.

- Sim, mamãe – respondeu Helena, com um sorriso ainda mais encantador.

Via-se nela realmente que amava o amigo. Helena começou a contar os detalhes da promoção e o curso que Fred iria fazer. Marlene e Souza gostavam do rapaz e, por vezes, confabularam entre si, que gostaria de ver Helena e Fred namorando.

Thor sorriu amarelo. Não se era possível perceber o ciúme lhe comendo as entranhas. Dolorosamente pressentiu que precisava se ausentar da presença de Helena.

- Bem... Eu preciso sair um pouco.

- Onde vai, Thor, com esse tempo frio e essa chuvinha que não pára? – Helena parecia mais interessada nos afazeres de Thor após a noite anterior.

- Eu devo ir à praça e à igreja da matriz, Helena. Quanto ao tempo, ele não me desagrada. Pelo contrário, sinto o mundo mais real, esvaziado pelo homem que o corrompe.

Mesmo tendo um Deus diferente, a igreja da Matriz era um dos lugares onde Thor preferia ir, pelo silêncio que ali reinava. Era um lugar onde os homens eram mais cautelosos ao falar e agir. E geralmente ficava vazia quando não havia missas.

Thor tinha já às mãos um livro sobre a vida de Jung, o qual leria sentado ao banco da igreja. Quando saía foi surpreendido.

- Thor, posso ir com você? – Indagou Helena.

- Claro, será um prazer.

Despediram-se de Marlene e Souza e saíram.

A chuva insistia e Thor agradecia. Estava sob o mesmo guarda-chuvas com Helena, cujo corpo quente sentia junto ao seu. O desejo que ia se assentando em Thor não poderia ser dominado. Estava sendo vendido onde mais lutara.

Chegados que foram, sentaram-se uma das fileiras à frente. Helena se pôs em oração, enquanto Thor abriu o livro de Jung para começar a leitura. Em meio ao silêncio profundo, Thor não conseguia se concentrar. A leitura era desgastante. Mal conseguia ler algumas linhas. O pensamento era só Helena. Ela orava. Ele amava.

Após o término da oração, Helena sentou-se. Thor já se encontrava sentado. Nunca se ajoelhara para orar. Ambos em silêncio, até que Helena sussurou ao seu ouvido.

- Não acha magnífico esse tempo, Thor? A casa de Deus respeitada por todos.

Nos braços de Thor, os cabelos estavam irtos. Nunca ouvia a voz de Helena tão próxima. Era todo desejo.

- Sim, Helena. Esse é um lugar maravilhoso, por isso passo tanto tempo aqui.

Silêncio.

Sentimento.

A mão de Thor toca a mão de Helena. Ela exita. Não consegue se desvencilhar.

A mão de Thor está sobre a mão de Helena. E a alma de Thor esta sendo tomada pela paixão que avassala seu ser.
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 28/08/2016
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