BOMBANDO NO "FACE"

As coisas no país não estavam nada boas. Como se diz na gíria popular, “o mar não estava para peixe”. A Política deteriorada, a corrupção deslavada, o povo desanimado e descrente das instituições e uma completa simbiose maldita entre a corrupção e a autoridade constituída.

Foi nesse caldo de indignação que começaram a espocar manifestações e passeatas reunindo milhões de pessoas contra e a favor do atual estado de coisas. O povo, enfim, dava mostras da sua insatisfação e cada grupo procurava mostrar sua posição. As “redes sociais” eram, ao mesmo tempo, o canal de desabafo, de comunicação entre as pessoas e o esteio em que se fermentavam movimentos a favor e contra a governança. O “Facebook” era o ponto de concentração de maior monta, na mídia.

Com os olhos vidrados na tela do computador, Marcos grita para a mulher que retirava uma carga de roupas de dentro da máquina de lavar:

-- “Beinheeeeeeee”!

-- O que é, “Mô”! Respondeu a mulher, com uma nesga de irritação.

-- Vem ver o que é que está bombando aqui no “Face”!

-- Espera um pouquinho que já vou É só botar a roupa na corda e vou ver!

Cinco minutos após, enxugando as mãos no avental, Zuleika se aproxima do marido. Marcos estava lívido, com os olhos estatelados tentando digerir a notícia que estava ficando viral na “rede social”. Vários participantes estavam comentando a notícia de que o governo iria confiscar a poupança de quem tivesse mais de cincoenta reais aplicados. Por tabela, também se falava de que as contas-correntes iriam ter parte confiscada mas não se sabia a partir de quanto ou quando.

-- O que foi, mô?

-- Olhe só o que está bombando aqui no Face! Vão meter a mão nas nossas poupanças! Parece que vão fazer iguazinho o Collor com aquela tal de Zélia! Zélia Cardoso de Melo!

-- “Xô vê”! Disse, aproximando-se da tela, por trás do ombro do marido.

Caraca! É isso mesmo! Ainda lembro, eu era menina e foi um corre-corre danado com aquele tal de "Plano Collor"! Papai quase morreu! Teve um princípio de infarto e só não foi "para o outro lado" por conta de um médico, nosso vizinho, que tinha um caso com uma caixa do armazém em que era contador.

Diziam que não podia ver médico!Tinha tara por cardiologista! Ficava doidona quando o doutor encostava o ouvido no seu peito para auscultar os batimentos do coração. Não preciso dizer que estava sempre alterado, nessas ocasiões, né? Mamãe sempre dizia que ficava mais segura por papai ser contador e não entender nada de Medicina.

Mas, e aí? O que vamos fazer para garantir o nosso que já é pouco e foi guardado com muito sacrifício, e ainda por cima, com esse rendimento de merrecas que não cobre nem a inflação?

-- O banco abre as onze horas! Já são nove e vou tratar de tomar um café e correr para lá! Se bobear, o governo pode decretar “feriado bancário” e, aí, meu bem, vamos ficar no mato sem cachorro. Agora é só na sorte! Danou-se!

Renunciando ao ímpeto consumidor e, também, a pequenos prazeres da vida em sociedade, o casal conseguira poupar pouco mais de oitenta mil reais que estavam destinados para, no futuro, dar entrada no financiamento de um apartamento.

Quase engasgando com um pedaço de pão com manteiga molhado no café com leite, Marcos, ainda abotoando a braguilha da bermuda saiu espavorido em direção ao estabelecimento bancário do bairro onde mantinha seus depósitos.

Ao longe já era possível visualizar o montão de gente que se aboletava na frente do estabelecimento que, impassível, jazia com suas portas cerradas. Do lado de dentro, vigilantes armados, com as mãos no coldre, olhavam para o que acontecia na rua, sem entender direito. Afinal, aquele ajuntamento não era normal. Alguma coisa estava acontecendo...

Foi quando o celular de um deles tocou. Era o gerente avisando que não iria haver expediente. O banco não iria abrir pois o governo teria decretado “feriado bancário” sem data para terminar...

Exatamente, às onze horas, como as portas do estabelecimento não se abrissem, o povaréu começou a dar mostras da impaciência e o boato do “Facebook” começou a engrossar a conversa que foi ampliada com gritos de “me dá meu dinheiro”, “governo fdp” e outros impropérios conexos.

Foi exatamente, nesse momento que uma pedrada rachou um dos vidros da porta principal. Juntamente com o barulho dos cacos despencando ouviu-se o soar de sirenes intermitentes. Era a polícia que já vinha cuidar de manter a incolumidade do edifício. Segundos após, o fumaceiro botara para correr aquela multidão furiosa com os integrantes lacrimejando e espirrando sob o efeito dos gases lacrimogêneo e de pimenta.

Com os olhos inchados e vermelhos, Marcos entra em casa e dá a má notícia para a mulher! Vencido, inerme, abraça-se à mulher e diz:

-- Querida! Não era boato do Face! É verdade! Decretaram “feriado bancário”!

-- É verdade! Está bombando aqui no Face! “Confirmado! Feriado Bancário sem prazo para terminar”!

-- Os dois, abraçados, vendo os sonhos desfeitos, choravam como crianças. Marcos, aos soluços, deixava escapar, entre dentes: Governo fdp!

Amelius – 17/03/2015

Amelius
Enviado por Amelius em 17/03/2015
Reeditado em 23/09/2017
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