O CHALÉ

Lino ia pela estrada, depois de tanto tempo, enfim descansar no campo. Uma vida difícil, desde criança, muita pobreza, passando fome, invejando outras crianças que via pelas ruas, com seus pais, nos seus carros, seus brinquedos sempre novos e modernos.

Quando voltava pra casa, se é que podia chamar de casa, só via miséria, falta de tudo, até de afeto e assim foi crescendo. Conheceu novos amigos, as turmas da pesada e aquele rapaz viu ali a possibilidade de sair daquela rotina, de mudar aquela vida. Lino fez o que devia e o que não devia, sofreu, mas agora, com mais idade, mais maduro, resolveu se distanciar e descansar.

Pensando na vida, de repente percebeu que o carro estava com algum problema, morrendo toda hora, talvez a bateria... Mas o que fazer ali sozinho naquela estrada? Antes de entrar em total desespero, avistou uma pequena pousada. Parecia meio abandonada, mas foi até lá.

Ao chegar, bateu palmas e foi atendido por um homem já um tanto idoso, muito gentil, o senhor Guilhermino, que logo se apresentou e perguntou se ele estava com problemas, pois quase ninguém passava por ali, muito menos parava para vê-lo. Lino contou o que havia acontecido e disse que gostaria de passar a noite ali e, logo pela manhã, telefonar para alguma oficina mecânica e prosseguir sua viagem. Guilhermino prontamente atendeu seu pedido, o levou até um chalé todo arrumadinho, com roupas limpas na cama, toalhas no banheiro e então decidiu que ficaria ali mesmo. Tudo seria resolvido no dia seguinte. E assim foi feito, tomou um banho, deitou e dormiu.

Na manhã seguinte foi acordado, bem mais cedo do que pretendia, com a voz de uma moça cantando no jardim. Imediatamente lavou o rosto e saiu. Aproximou-se dela e perguntou se ela estava hospedada ali também e ela respondeu que sim, logo ao lado do chalé onde ele estava e começaram a conversar. Guilhermino, vendo que Lino havia acordado, veio logo avisar que já tinha chamado o mecânico e logo seu carro estaria funcionando bem. Deu as costas e voltou para a portaria. Lino estranhou não ter falado com a moça, mas, cada um trata os outros como quiser. Durante a conversa soube que o nome dela era Clara e que estava ali com o pai. Lino sentiu confiança nela e começou a falar da sua vida. Contou como teve uma infância difícil e também falou sobre a pior coisa que fez na vida, um assalto. Disse que entrou para uma turma que parecia ser a solução dos seus problemas. Não sabia ainda o que tudo aquilo traria de ruim para o seu futuro. Nessa hora começou a chorar e Clara o consolou e disse que a melhor coisa seria falar, desabafar, ela o escutaria sem julgamentos. Lino, limpando os olhos, falou que ele participou de um assalto a uma casa muito grande, que pertencia a um empresário e que o interesse era realmente roubar tudo o que tivesse de valor. Continuou contando que, ao entrar num dos quartos, a filha dos donos da casa acordou e, assustada, gritou. Lino imediatamente, sem pestanejar, puxou a arma e atirou, vendo que a pessoa morreu na hora. Então, os outros conseguiram fugir, mas não escaparam da justiça. Contou que ele havia cumprido 25 anos de prisão e que tinha saído no dia anterior e decidido ir para a casa de uns primos, num local bem afastado para tentar refazer sua vida.

Lino falou que nesses 25 anos, preso naquele lugar, só pensava naquela garota que ele matou. Jurou que essa não era a sua vontade, mas ela gritou, ele ficou com medo, não sabia o que fazer e acabou atirando. Mas foi atormentado todos esses anos pela lembrança da expressão de horror daquela menina, pela visão de todo aquele sangue, como aquilo tudo o paralisou naquele lugar, sendo logo apanhado pela polícia. Novamente chorou muito e quase não conseguia falar. Clara segurou as mãos dele e disse: - Percebo que seu remorso é verdadeiro. Muitas pessoas se perdem pelos caminhos da vida, fazem coisas horríveis. Uns nunca se arrependem, mas outros são torturados pela dor do remorso. Mas uma coisa que ela havia aprendido é que todos têm o direito ao perdão, principalmente se o arrependimento é verdadeiro.

Essas palavras foram acalmando Lino, ele olhava para Clara e agradecia ter encontrado aquela moça logo no dia seguinte que saiu da prisão. O carro não pode ter enguiçado a toa, nada é por acaso, ele precisava passar por tudo aquilo, conhecer aquela moça e conversar com ela.

Nisso, Guilhermino gritou: - Moço, seu carro está pronto! Se quiser, pode seguir viagem!

Bem, hora de partir. Lino olhou para Clara, agradeceu imensamente e perguntou antes de se afastar: - Você acredita mesmo no perdão? Será que aquela garota algum dia me perdoou?

Clara respondeu dando um grande abraço nele: - Sim, tenho certeza que ela o perdoou. Só assim ela conseguiu seguir o seu caminho, um caminho de luz e de paz. Pode ir, mude sua vida, recomece...

Lino se afastou e foi acertar as contas com o mecânico e com o senhor Guilhermino. Antes de sair pediu que ele parabenizasse o pai da menina que estava hospedado no chalé ao lado do dele. Que ele dissesse que ela era sensível e educada. O senhor Guilhermino, incrédulo, falou: - Senhor, olhe para trás, que chalé ao lado? Só tem um chalé ainda de pé, é o que eu moro. Cedi ao senhor por ver o estado em que chegou aqui. Dormi aqui na portaria, mas só moro aqui por não ter onde morar e por atender ao pedido da senhora que é dona disso tudo, mas não mora mais no Brasil. Aconteceu uma grande tragédia na vida dela, o senhor nem imagina. Há muitos anos, houve um assalto na mansão onde ela morava e mataram a filha dela. O marido, com a morte da filha, morreu meses depois. Essa pousada era linda, mas ficou abandonada, e ela pediu que eu cuidasse e que poderia continuar morando aqui. Deu-me uma grande quantia em dinheiro para me manter até o resto de meus dias. Assim eu mantenho naquele chalé a minha casa e fico por aqui, sem nada para fazer, a não ser, cuidar dos túmulos da Clarinha e de seu pai, que estão ali perto do meu chalé. A senhora, dona da pousada, fez questão de trazer os corpos dos dois para cá, assim teria alguém para cuidar sempre dos túmulos. Então ela se desfez de tudo e foi embora, para bem longe e disse que jamais voltaria.

E continuou: - O senhor deve ter sonhado, não há ninguém aqui além de mim.

Lino, ainda olhando para aquele terreno vazio com um pequeno chalé no meio, mal podia compreender o que havia acontecido. Despediu-se, entrou no carro, respirou fundo e pensou: - Fui perdoado, Clarinha me perdoou...

E partiu...

Mariza Schröder
Enviado por Mariza Schröder em 08/11/2014
Reeditado em 28/09/2021
Código do texto: T5027318
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