Diálogo das flores... (EC)
- Porque você não tem cheiro?
- Sou uma flor de plástico. E você, porque cheira tão bem?
- Sou uma flor natural, perfeita, cheirosa, linda. As pessoas me amam!
- Perfeita não pode ser! Você morre! É efêmera! Logo passa e é esquecida! Eu perduro!
- Sou perfeita porque sou feita pelo Criador, os pássaros e os insetos me buscam procurando que eu os alimente com o meu néctar. As árvores produzem frutos após florirem.
- Sou melhor, pois esse mesmo Criador deu ao homem a inteligência para me transformar em flor. Posso advir do lixo reciclado, dos papéis rejeitados, as crianças aprendem a me construir nas escolas, sou útil e querida onde você falha.
- Também posso advir do lixo, nascer no estrume, me reproduzir, e se fazem você manualmente, ou maquinalmente, se espelham em mim tentando recriar a beleza que é minha, não sua, você tenta ser puramente a minha imagem e semelhança.
- Sou mais barata para ser comprada!
- E isso lá é mérito? Sou mais cara por reconhecerem o meu valor superior ao seu.
- Não morro!
- Não vive!
- Não dependo de água e nem de terra para existir!
- E depois, vira lixo, levando séculos para se decompor, poluíndo, incomodando, entupindo bueiros, gerando enxentes, enquanto eu, morrendo, me transformo em adubo, para gerar novas flores, exalar novos cheiros, polinizar e me reproduzir, alimentar o mundo...
- Não gostaria de viver tão pouco!
- Não gostaria não ter vida por tanto tempo!
- Verei-te perecer...
- Assim como me verás renascer...
- E morrer de novo...
- Enquanto tu te desbotas e, já não tendo cheiro, também não terás cor e estarás ainda mais morta, serás lançada ao lixo e substituída por outra, talvez até por alguma descendente minha...
- AS FLORES DE PLÁSTICO NÃO MORREM!
- Uma pena! Não és capaz de gerar vida, sentir o orvalho, curtir a chuva... Ficará sempre estagnada!
- Alguns animais e insetos podem te devorar...
- Viu? até pra alimento eu sirvo!
- Você é doida!
- Eu? Como ousa? De onde tirou essa ideia?
- Se não tenho vida, nem cheiro, se não posso sentir, como posso estar falando e discutindo contigo?
- Me pegou! Na verdade, você é apenas o meu subconsciente discutindo com a minha consciência o inegável fato de que você nunca irá murchar, ficar enrugada, despetalar e depois morrer. No fundo, gostaria de perdurar o quanto você perdura. Você permanece jovem e bela por mais tempo, enquanto eu sou logo alcançada pela velhice e inevitavelmente, pela morte.
- Eu, da minha parte, também confesso: abriria mão da minha durabilidade existencial para poder ao menos por alguns segundos, exalar o perfume que dizem que você tem. Existir sem viver é já estar morto e o que não tem vida, não pode morrer.
- Do meu lado, o que realmente me incomoda, é o desperdício de existir tão bela, tão cheirosa, tão admirada e depois, simplesmente envelhecer, enrugar e morrer... é muito curta a vida de uma flor!
Na verdade, as pessoas que passavam pelo local apenas sentiam o perfume daquelas flores no ambiente. O arranjo nos vasos deixavam-nas tão próximas e eram tão semelhantes, que ninguém notava qual delas realmente exalava o cheiro, qual delas era viva e qual nunca vivera, mas, exatamente por isso, apesar de aquelas flores de plástico não poderem morrer, as flores naturais as aparentavam vivas, e até o seu perfume natural se impregnara na superfície da outra, e nunca mais discutiram.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo – Flores de plástico não morrem
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