Como um raio e o passar de uma nuvem

Do ponto mais fundo do mar saiu um monstro. Chamaram-no de monstro por ser incomparável aos animais marinhos conhecidos, como, por exemplo: a foca, o peixe-boi e a orca.

No caso desses três animais, é sabido, por consenso, que a foca é preferida quando equiparada ao peixe-boi. A orca divide opiniões, porque por ser assassina, é a encarnação do mal para uns ou o modelo de superioridade animal para outros.

Este monstro que emergiu, nunca antes visto, muito menos cogitado, lembrava – sim, porque a mente humana interpreta por moldes – um carneiro selvagem. “Um carneiro selvagem?!”. Sim. Antes se assemelhar aos desenhos dos mitos gregos: bichos de mil cabeças, impiedosos, insaciáveis e antipolíticos. Não. O bicho era firme, estranhamente majestoso, tinha pele luzida e olhos lúcidos.

Tudo se fez para capturar o bicho. Tudo, tudo mesmo. E quando digo “tudo, tudo mesmo”, obviamente refiro-me as negociatas que fazemos quando as armadilhas não são eficazes, quando o contra-ataque surpreende os nossos sinceros (sórdidos) investimentos. Tudo se ofereceu ao bicho em troca de que dissesse quem era e por qual razão viera à superfície. Sim, que pelo menos dissesse coisas novas, sobre o ecossistema lá de baixo, sobre aquela anatomia surpreendentemente diferente da composição da foca, do peixe-boi e da orca.

Como um raio, a foca, o peixe-boi e a orca foram esquecidos. Algumas focas, é claro, caíram em depressão, se questionavam por qual motivo haveriam de existir, mas muitas outras focas de outros lugares, recebendo a notícia que se espalhava as pressas, não escondiam a euforia de finalmente gozarem do anonimato.

O monstro, a essa altura do campeonato, já cogitava a hipótese de se lançar candidato ao grande jogo circense, atrativo e aparentemente divertido, mas uma pergunta desestabilizadora vinha à tona – como aquela música ruim que vem na madrugada e não sai mais da cabeça – “por que não consigo viver com meu tédio?”.

Aí se lembrou do tédio, sim, havia o tédio, e havia o relacionamento entre o bicho e o tédio no fundo do mar em tempos passados. Há muito, muito tempo, mas não há tanto tempo para considerá-lo inexistente.

— Por que partiu? – o tédio se pronunciou depois de anos em latência.

—Porque eu era completo contigo!

De alguma forma – totalmente inumana, é claro –, o monstro conversou telepaticamente com o tédio. O primeiro estava na superfície dos homens, o segundo, nas profundezas do nada. O tédio emudeceu, aí o monstro compreendeu a própria insensatez e a necessidade de voltar.

Depois de vinte e cinco dias, três horas e três minutos, o monstro se moveu lentamente; os holofotes ficaram atônitos, os cochichos eram muitos. Vários especialistas se debruçaram sobre o caso, até que se concordou que o bicho viera ansioso, mas o retorno, nítido para quem era ingênuo, foi esplendoroso. O mergulho foi rápido, decisivo. Homens frustram-se. Como o passar de uma nuvem, a foca, o peixe-boi e a orca voltaram a ser tratados como de costume.

Tom R
Enviado por Tom R em 17/09/2014
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