A Sombra e a Escuridão. #13

Aqueles que não possuem uma alma, se alimentam da vida.

Capítulo 13 - Desalmados e Possuídos.

Londres não ficava perto, eu sei que seria necessário que pegássemos um trem, ou isso ou uma longa caminhada nos esperava. Percebi que iríamos passar pela igreja e pegar a estrada que ficava a direita dela, e lembrei do Padre, que disse coisas estranhas antes de desaparecer na floresta:

- Está sentindo esse cheiro? - Perguntou Beatrice.

Tentei me concentrar, e um cheiro fraco porém bem distinto se revelou no ar:

- Estou, o que é isso?

- Já senti esse cheiro antes, algo ruim aconteceu aqui. - Disse Beatrice confusa.

Pensei se deveria contar a ela o que vi, diante daquela situação toda eu não me lembrava se havia dito sobre o Padre:

- Antes de tudo isso, antes de eu chegar e descobrir que Audrey havia sido raptado, eu vi algo muito estranho, logo ali. - Apontei para a estrada próxima a igreja. - O Padre, ele não estava agindo de acordo, parecia perturbado mentalmente, sangue saia de seus olhos... Eu diria que...

Ela me interrompeu:

- Diria que ele estava possuído? - Perguntou parando o cavalo.

- Diria que ele estava fora de si, a voz não era a mesma também. - Fiquei preocupado com aquela atitude. - Talvez sim, talvez estivesse possuído.

Ela desceu do cavalo, segurou a espada e agiu como um lobo, que fareja uma presa:

- O que há de errado nisso? - Desci do cavalo também.

Ela se aproximou da igreja e disse:

- Cuide do cavalo, vamos precisar dele, eu volto em um minuto.

Eu obedeci mesmo contra minha vontade, ela sabia se cuidar, e devia haver algum tipo de significado macabro no que eu havia presenciado. Me virei para o cavalo e acariciei-o, parecia nervoso:

- Calma, ela sabe se cuidar.

Esperei ali alguns minutos, minutos esses que pareceram horas. A essa altura estava próximo o amanhecer, e isso me incomodava um pouco.

Apenas o fato de esperar ali sem fazer nada me incomodava mais, eu precisava de ma razão para ir atrás dela, e como se algo ouvisse minhas preces, meu álibi apareceu. Um imenso barulho vindo da igreja, como se estivessem quebrando tudo ali.

Corri até a igreja, tirei Lagrima da bainha, talvez eu tivesse a chance de usa-la pela primeira vez. Segui o cheiro de Beatrice, até a igreja, não demorei muito a chegar. Abri a porta da frente e entrei, estava tudo absurdamente escuro ali dentro, junto ao cheiro dela aquele cheiro estranho, segurei firme a espada e continuei andado com cautela:

- Beatrice? - Algo se quebrou diante de mim, senti uma movimentação logo a frente.

- O que está fazendo aqui Edmond, volte! - Gritou ela, e mais um barulho.

- Eu ouvi um barulho e vim... - Fui interrompido por algo que avançou em cima de mim, me derrubando sobre uma bancada de madeira, que se quebrou violentamente nas minhas costas.

Era o Padre de antes, mesmo no escuro fui capaz de ver seus olhos já vermelhos inundados de sangue, ele me segurou pelo pescoço e começou a gritar algo que não consegui entender. Tentei empunha-lo sem sucesso com minha espada, eu estava sem ângulo para acerta-lo. Comecei a dar joelhadas no seu estomago, mas ele não parecia sentir os golpes:

- Edmond? Não o mate! Mantenha-o falando! - Gritou Beatrice que parecia estar se aproximando.

- Como esse maldito esta aqui? Eu o vi correndo até a floresta! - Disse com dificuldade, continuei chutando o bastardo.

Ela não respondeu, ainda conseguia sentir seu cheiro, mesmo aquele cheiro estranho de antes (aparentemente do Padre) tomando conta do ambiente. Ele continuava gritando coisas sem sentido, com uma voz grave, parecia falar uma língua arcaica.

Comecei a perder a consciência, ele tinha uma força absurda, tentei me chacoalhar para sair dali, e por um momento consegui afastar ele. Mesmo tendo ângulo para atacar com a espada, não o fiz, obedeci Beatrice como de costume. Ele voltou a avançar em mim, me esquivei e chutei sua perna, fazendo-o cair:

- Beatrice? - Gritei avançando para cima do Padre e tentando segura-lo.

Nenhuma resposta, o clima estava ficando pesado, como se as coisas que o Padre estava dizendo trouxesse coisas sobrenaturais aquele lugar, senti medo. Junto com o medo pude sentir aquele velho companheiro, que disse em meus ouvidos baixinho "Precisa de ajuda Edmond?". Maldito "eu" que parecia sempre disposto a tomar posse do meu corpo e mente em momentos de perigo, e como se ela tivesse adivinhando o que estava acontecendo, decidiu por fim a tudo aquilo:

- Obrigado pelas informações maldito! - Gritou e cortou a cabeça do Padre, me tirando de cima dele.

O clima voltou ao normal, pude ver o meu "eu" partindo pela porta da frente, com um sorriso malicioso no rosto, como de costume:

- O que foi isso? - Perguntei a Beatrice.

- Ele estava atrás de mim, a coisa que estava dentro do Padre.

- Atrás de você, o que ele queria?

- Me dar um recado, um de muito mal gosto. - Disse enquanto limpava a espada nas roupas do padre, guardou-a na bainha.

- Algo que seja importante eu saber?

- Prefiro não falar sobre isso, sinceramente era algo que eu poderia ficar sem saber. Mas também disse sobre Audrey, que iria adorar devora-lo no Inferno. - Fez uma pausa, respirou fundo. - Malditas criaturas imundas...

- Não vamos deixar nada de ruim acontecer, vamos logo atrás dele, iremos para Londres e descobriremos o paradeiro dele. - Disse a fim de acalma-la, ela agradeceu com um sorriso.

- Vamos indo, logo irá amanhecer.

O cavalo milagrosamente ainda estava lá, montamos juntos e partimos rumo a Londres. A estrada era calma, e os primeiros raios de luz se mostravam no horizonte, decidi perguntar algo que me perturbava a alguns dias:

- Beatrice, como somos conhecidos?

Ela ficou em silêncio um instante:

- O que quer dizer com isso? - Perguntou.

- Chamamos aquelas criaturas horríveis de Versipélios, Licantropos, Licans, você me contou que são Híbridos, ou seja, muitos nomes. E nós? Como somos conhecidos? E o que somos na verdade?

Ficou mais um tempo em silêncio, o cavalo cavalgada tranquilo, devagar:

- Alguns nomes eu não gosto de dizer, e não direi. Somos conhecido como "Não-Vivos", Desalmados, ou seja, "Aqueles que não possuem Alma", também como Escuridão. O que somos? Somos criaturas que surgiram das trevas, nos alimentamos de vida, a luz nos faz mal. Dentro de ti e de mim Edmond, reside a escuridão, no lugar da alma algo terrível está dentro de nós, é assim que somos conhecidos.

Aquilo esclarecia muita coisa, ficamos em silêncio o resto do caminho. Após alguns minutos de cavalgada pude ver a estação de trem, estava vazia e o trem ainda não havia chegado. Chegamos, descemos do cavalo e Beatrice pagou um senhor para que cuidasse dele:

- Voltaremos em alguns dias, que ele esteja bem. - Ordenou Beatrice se virando para a estação.

Sentamos ali para esperar que o trem viesse, restavam apenas alguns minutos para o tempo previsto de sua chegada. Ela me olhou algumas vezes, mas nada disse, comentei algo sobre o sol, mas ela não deu muita atenção. Passado algum tempo, ouvimos o trem se aproximando, Beatrice se levantou e eu repeti seus movimentos, me olhou e perguntou:

- Você está bem Edmond?

Pensei no que ela queria dizer com aquilo, pensei se eu estava bem, mas nada vinha em mente:

- Estou, quero salvar Audrey logo. - Ela confirmou com a cabeça, o trem parou e as portas se abriram, adentramos e sentamos no ultimo vagão.

O trem avançou, seriam dois dias de viagem praticamente. O vagão que estávamos tinha um banco demasiado grande, talvez para podermos dormir, eu confesso que estava cansado, eu estava sem dormir a dois dias:

- Edmond, quero que coma algo. - Tirou dos bolsos dois cristais pequenos, transparentes e brilhantes.

- O que é isso? - Perguntei curioso.

- Isso vai saciar nossa fome por algum tempo, é importante para que não fraquejemos nesse momento, coma e deite, vou estar aqui quando acordar.

Ela me entregou o cristal, eu coloquei na boca e ele derreteu, senti um alívio instantâneo, e meu sono aumentou um pouco:

- Descanse, vai precisar de energia em breve. - Disse ela sorrindo.

- E você? - Perguntei.

- Dormirei logo após você.

Deitei no banco estofado e logo adormeci, tive um sonho confuso, com bastante sangue e muitas pessoas gritando, eu estava deitado sob a escuridão, e Beatrice me vigiava de perto.

Após o que me pareceu muito tempo, senti ela me balançando, abri os olhos e me senti novo, havia sido um bom sono:

- Edmond, em breve chegaremos.

- Por quanto tempo dormi?

- O tempo inteiro. - Levantou rápido demais. - Vamos indo, acho que estamos sendo vigiados.

Me preocupei, tudo parecia difícil demais:

- Por quem? Faz alguma ideia?

- Nenhuma.

Andamos por todos os vagões antes do trem parar, descemos pelo lado oposto de que entramos, estávamos na movimentada estação de trem em Londres.

Beatrice e eu vestimos capas para tentarmos esconder nossas armas, mas eu não achava que aquilo iria dar conta do problema, logo a frente no desembarque alguns guardas revistavam as pessoas, algo deveria ter acontecido ali:

- Maldição - Disse Beatrice. - Vamos tentar pelo outro lado Edmond.

Saímos da multidão bem rápido, a fim de despistar os guardas, eles nos atrasariam com certeza, e estávamos lutando contra o relógio. Mas como imaginei, não foi eficaz, um guarda nos notou e veio até nós depressa, a fim de nos parar:

- Ei ei casal! - Disse se aproximando, quase conseguimos sair sem ser percebido. - Posso ver o que carregam embaixo das capas?

Beatrice me olhou e sorriu, senti algo estranho nos olhos dela, ela fitou o policial e disse:

- Nos deixe passar, não reviste-nos, e não deixe ninguém nos seguir, é uma ordem. - Me assustei com o que ela disse, era ousado demais até para nós, dizer aquilo provocaria uma briga, e tinha muita gente ali, chamaríamos atenção demais.

Mas de uma forma estranha e medonha, o guarda que agora estava com uma expressão diferente disse:

- Pode deixar comigo senhorita. - E se afastou falando algo para os outros policiais, Beatrice fez sinal para sairmos logo dali.

Fiquei confuso, o que estava acontecendo ali? Como ela tinha feito aquilo? Ela nos guiou em algumas ruas, e enquanto andávamos perguntei:

- O que você fez? Hipnotizou o coitado?

- Não é difícil, prometo te ensinar depois. - Sorriu para mim. - Bem, chegamos.

Paramos em frente uma casa bonita, repleta de plantas, um jardim lindo:

- A casa do Desertor.

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Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 25/04/2013
Reeditado em 06/05/2013
Código do texto: T4258797
Classificação de conteúdo: seguro
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