FAROL

- Pegue meu olho esquerdo de presente. Ah, e devolva a caixinha, por favor.

- Por que deveria pegá-lo?

- Há algo de indecente, senão pornográfico, por trás da membrana que recobre minha íris.

- Membrana certamente contaminada pelo tanto que acumulou de poeira e inutilidade ao longo do tempo, não?

- Talvez! Ou quem sabe, mais de perto, não haja, para ser visto, um instantâneo iridescente que desminta sua indagação. Essa perspectiva não te aguça a curiosidade?

- Pode ser que sim! Mas também posso atirá-lo num cesto de lixo e ignorar essa dúvida.

- Ou degustá-lo, mesmo que sem uma farra antropofágica.

- Também posso devolvê-lo à cavidade escura de onde foi tirado.

- Meu rosto não aceitaria mais a estética anterior. Já não há vida nessa cavidade.

- Preencha-a com barro.

- E transformá-la num Golem?

- Seu cinismo é risível. Encare mais como um enterro. Talvez lavando o rosto a água dê de beber aos nervos retorcidos.

- Escureci 50% de mim, talvez por nada?

- Talvez por isso... (e esmagou com o pé direito o olho inerte).

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 08/11/2012
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