Uma história dentro da outra, que na verdade é a minha, contada por ele.

Hoje, optei por algo diferente para minha vida. Resolvi sair, caminhar ou mesmo sentar e ler um livro, uma daqueles que a gente passa dias, semanas, meses e, até mesmo, anos tentando começar e nunca começamos.

Tomei um livro, sem ver o título, sabia que se estava jogado ao canto era um desses. Troquei de roupa e fui. Fui sem medo de saber: até onde, meus passos poder-me-iam levar. Caminhei por um tempo e cheguei até um lugar diferente, estranho como mesmo tendo ir correr tantas e tantas vezes nunca reparei que caminho bonito: casas antigas, crianças pela rua e um ar de vida campestre. É como se eu pegasse um trem no meio da velha Moscou e seguisse até uma vila no Sul da Rússia, onde o verde se confunde com o branco.

Segui, atravessei a linha do trem e desci. Cheguei ao caminho que fazia várias e várias vezes, onde, hoje, não poria meus pés para correr, senão para encontrar um rumo, um lugar onde pudesse ler.

O dia estava tão diferente, tão diferente de tudo o que eu já havia visto por lá, as crianças eram poucas, mas estavam lá. As mulheres preocupadas com sua beleza mais cuidavam de arrumar o cabelo que de correr e os homens, poucos que valessem a pena serem olhados.

Tomei água e sentei-me. Juro que nem me lembro do nome do livro que abri, mas me lembro da sensação de poder sentar e sentir os raios de sol batendo nos pelos da minha perna. Fazendo meus olhos arderem e meu corpo transpirar de emoção. Fui tomado por algo que, se não é paz, é algo muito próximo.

Fiquei mudando de lugares e olhando em volta, meio despreocupado com o que seria do livro que havia tomado para ler, afinal, queria mesmo era sentir a paz daquele pequeno momento em meio à profusão que tem sido minha vida nos últimos dias.

Folhei-o de novo e de novo, buscando a história, o enredo, a trama e, quiçá, uma das personagens seja eu, mas não. Nada disso: o sol era engraçado. Ora muito, ora pouco. As pessoas também: ora vindo, ora rindo, ora não fazendo nada e ora eu era as pessoas que passavam por entre mim.

Foi aí que me toquei que não estava lá para ler, que nada do que lesse iria me acalmar. Entendi que eu era o meu próprio livro, bastaria eu me ler. E é o que estou tentando fazer: como ler a mim próprio?

Seria um romance bucólico? Nunca achei interessante isso de viver no campo e de acreditar que há um último dia para tudo no mundo, que somos verdadeiros aproveitadores e gozadores da vida. Não acredito nisso de carpem diem, acima de tudo acredito em força de vontade para seguir em frente.

Talvez eu seja um daqueles romances alegóricos, fantásticos, não? Acho que não: não há nada de místico ou de sobrenatural na minha vida. Nada além de um ou outro deja vu ou mesmo de uma ou outra premonição e um ou outro espírito que passa por mim e deixa-me ‘oi’.

Talvez, concordo em partes, seja uma daquelas parábolas de Cristo, sabe? Aquelas que não dizem nada aos que leem, mas dizem muito aos que sentem. Daí, eu me lembro de que sou um pouco sombrio, talvez seja o caráter.

Além de feliz e depressivo, com um ar de melancolia e loucura. Quem sabe seja isso mesmo, não? Talvez que seja um livro, talvez eu seja o próprio livro que leio...

“Guilherme fechou o livro, estava com um pouco de raiva por ter escrito tamanha asneira. O lançamento seria dali sete semanas e não tinha nada para continuar o primeiro volume. Era hora de ir embora, o sol já era poente e a lua, aquele risco branco que fica no céu, já estava lá. Guilherme refletiria um pouco sobre o que lera e escrevera, sem compreender que, na verdade, ele é apenas mais uma de suas personagens...”.

Le Vay
Enviado por Le Vay em 28/08/2012
Código do texto: T3853982
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