132 - A ENCRUZILHADA DOS MEUS TORMENTOS...

Estava indeciso numa encruzilhada empoeirada de maus pensamentos, não sabia se seguia reto ou se voltava, se virava à direita ou se virava à esquerda, nas lonjuras das distancias descortinavam horizontes estranhos respingados de cores fugidias quando do alto do céu uma águia planando gritou:

- Segue adiante, vai reto que lá na frente encontrará o que procura!

Fiquei a matutar nas palavras da águia quando uma onça pintada passando à minha esquerda rosnou:

-Vire à direita que lá na frente encontrará o que procura!

Pensava nas palavras da águia e da onça quando um sapo que passava à minha direita coaxou:

- Vire à esquerda que encontrará o que procura!

Mais confuso fiquei com a ressonância das palavras da águia, da onça e do sapo quando uma coruja que pousada estava num tronco ressequido de velhices me olhando de lado piou:

- Volte, não vire nem à esquerda, nem à direita, muito menos siga em frente, o que procura ficou lá atrás!

Cansei de tantos palpites e na poeirenta encruzilhada sentei, olhando para a águia, para a onça, para o sapo e para a coruja gritei bem alto para que todos claramente escutassem:

- Digam-me! O que é que eu procuro?

E se fez um longo e profundo silêncio, nem o vento se mostrava, nem as aves voavam, nem as feras rosnavam, nem as nuvens baldeavam, tudo parado como se mortos estivessem, mortos estavam momentaneamente, das palavras emudecidos, nem um só gesto nos ares petrificados sobressaia, nada desnudava nada, tudo encorpava relances de pasmo e vi que sorrateiramente eles conjeturavam!

Repeti:

- Digam-me! O que é que eu procuro?

O silêncio se manteve, as aves recolhidas em arvoredos, as feras escondidas nas solapas, nuvens inertes, todos continuavam aparentemente mortos de ares novos e estampavam pasmos! Quando num repente em cantos e de todos os cantos de todas as bocas vozes uníssonas perguntaram de uma só vez como que se orquestrados fossem:

- O que é que você procura?

Levantado, do pó me livrando em sacudidelas da roupa esvoaçava, olhando em todos aqueles abestalhados olhares calmamente eu respondi:

- Eu nada procuro!

- Se nada procura, então porque se plantou nesta encruzilhada, indeciso, sem saber que rumo tomar?

- E quem disse que eu desejava um rumo tomar?

A águia acusou a onça, que acusou o sapo, que acusou a coruja que acusou a onça, que acusava o sapo, que... Essa querela parecia não ter fim, todos tinham razão e ninguém tinha razão, ninguém lhes pediu a opinião, pura intromissão de pessoinhas que desejam a vida dos outros controlar, que sentam em cima de suas mediocridades e ficam a divagar sobre a vida alheia desejosos em serem bons conselheiros, desejosos de serem seguidos e aplaudidos e de serem endeusados pelos sábios conselhos que na realidade de suas vidas nunca foram praticados.

Num repente o alarido pungiu vaidades e se transformou em ataques pessoais, a coruja atacava o sapo, que atacava a onça que atacava a águia, alguém teria que ser o culpado pela intromissão na minha vida!

Irada a coruja saltou sobre o sapo e se pôs a engoli-lo, a águia atacou a coruja que engolia o sapo e se pós a engoli-los, a onça com toda a sua ferocidade saltou sobre a águia que engolia a coruja que engolia o sapo e se pôs a engoli-los, e assim que os engoliu, se voltou para mim com os seus belos olhos verdes, tremi de pavor diante daquele olhar travesso e enganador, no momento certo ela ira me engolir, imaginei.

Mas aquele olhar agora era diferente, sensual, envolvente, ela roçava a sua imensa língua nos seus lábios de uma maneira provocante, seu corpo foi se transmudando numa bela donzela parecendo, mas sem deixar de ser uma onça pintada, atração era irresistível e ela estava na minha frente pronta para o ataque, e atacou, saltou sobre mim sem a mínima vontade de me engolir, voluptuosamente o seu corpo no meu corpo roçava e esfregava estremecendo, e aquela imensa língua deslizava pelo meu pescoço provocando fortes e deliciosos arrepios, fechei os olhos e pensei, seja lá o que Deus quiser, rolamos pelo gramado da encruzilhada entre abraços, beijos e unhadas, todos os nossos desejos saciados, me senti o homem mais feliz do mundo quando num relance abri os olhos e vi, e o que vi?

A onça agora satisfeita por um lado pelo outro ela queria mesmo era beber o meu sangue, foi o que senti, pois logo vi aqueles imensos dentes caninos vindos na direção do meu pescoço, e ela mais uma vez saltou sobre mim, mas agora sedenta pra matar, e eu saltei da minha cama numa fuga insana, aos gritos cheguei à sala de visitas, e para minha surpresa a onça já estava lá me aguardando e a sua barriga era imensa, denotava avançada gravidez.

- Estou grávida e você é o pai destas crianças que logo irão nascer!

- Você deve ser louca, ou eu serei mais louco se acreditar nestas querelas.

A onça se pós a contorcer, a gemer, a suspirar, eram as dores do parto e logo começou a vomitar! Primeiro vomitou dois sapos, depois três corujas e por fim duas águias...

- Estes são os teus sete filhos e eles irão te devorar, eles precisam da tua carne para que possam sobreviver, sacrificará assim a tua vida para salvar a vida dos teus rebentos. Filhos! Abracem, beijem e devorem o seu querido papai!

Tive asco dos meus filhos que ainda estavam lambuzados duma amarela é fétida gosma daquele vomitado, aquilo embrulhou as minhas entranhas, estonteado e enfraquecido eu não conseguia safar daquela situação, estremeci quando vi e senti que os meus filhos estavam realmente me devorando, as duas águias arrancavam os meus olhos, os sapos estraçalhavam a minha língua, e as corujas dilaceravam o meu coração, clamava por ajuda que nunca haveria de chegar, e a minha esposa, alias a onça pintada mais enlouquecida pintava numa parede encardida as cenas dantescas deste parricídio, meus gritos estrondaram a casa, foi quando meu Pai...

- Filho acorda! Pare com essa gritaria amalucada! Diz-me logo com que bichos você está sonhando, pois eu preciso fazer uma fézinha no jogo!

Por um longo tempo fiquei sentado na minha cama ensimesmado, dos belos olhos da onça pintada eu não conseguia esquecer, nem dos seus encantos, muito menos dos nossos momentos de amor naquela encruzilhada empoeirada de maus pensamentos...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 29/07/2012
Reeditado em 30/07/2012
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