125 – UM SONHO AMALUCADO...

Depois de anos de namoro finalmente marcamos que no próximo sábado sacramentaremos o nosso noivado, minha amada das vezes um tanto pensativa, distante, seus olhos vazios de sentimentos me fitam, sinto que a sombra do seu olhar aponta para os olhos do meu melhor amigo, amigo desde os tempos do grupo escolar, isto me incomoda, magoa, me deprime, mas logo ela se desencanta e sorrindo me abraça e promete um sábado inesquecível.

Meu futuro sogro é um cozinheiro de primeira, gosta de assados, nesta oportunidade ele promete assar inteiro um imenso peru, que depois de pronto e enfeitado com belos olhos de vidro a muitos irá impressionar, haverão de acreditar que apesar de assado o peru da mostras de vivacidade, e com toda certeza será a atração principal deste jantar do nosso noivado.

Sábado, anoitecido, meus Pais atazanando em face da minha demora em me aprontar, cobertos de pressas recomendando agilidades partem, o espelho me diz que estou adequadamente trajado para a festa, meu coração diz coisas que não consigo entender ou decifrar, minhas mãos geladas, uma angustia a me abraçar, da garagem meu carro aluindo aos arrancos como se contrariado estivesse, sinais são agourentos, parti!

Que paradoxo! Tudo é tão surreal! Incompreensível até! Deus meu, o que é que estou fazendo aqui sobre a mesa principal do jantar do meu noivado, meu corpo está petrificado, duro, imóvel, me sinto tal qual uma estátua de granito, só os olhos eu consigo mover e o que vejo?

– Maldito traidor, o meu melhor amigo abraçando e beijando a minha noiva, felizes da vida! A minha amada que na certa me traiu durante todo o tempo do nosso namoro, essa piranha maldita me traindo com este patife que se auto intitula ser o meu melhor amigo, eu quero mesmo é esmurrá-los, arrebentá-los, mas como? Se não consigo mover um único músculo do meu corpo, quero gritar, quero escandalizar, mas nem isso eu consigo, parece que costuraram a minha boca!

Atentando melhor, o que será este objeto que parece um funil, um funil não! Mais parece com um bico! Sim! É um bico! Caramba! Se esse bico esta grudado no meu rosto no lugar do meu nariz, e se estou aninhado entre farofas e saladas, alguma coisa está errada, de soslaio vejo partes do meu corpo que parecem que foram douradas pelo sol, olhando melhor, tudo indica que foram douradas em algum forno, posso ver no meu dorso adornado com rodelas e mais rodelas de limão, patético adorno, olhando mais demoradamente, mesmo com este olhar enviesado vejo outras partes do meu corpo, mas não estou acreditando no que vejo, me recuso a acreditar neste encantamento, isto não pode ser a realidade, tudo isto só pode ser mais um destes pesadelos malucos, dos mais aloucados, será que estou enlouquecendo? Na certa já enlouqueci das mais loucas loucuras, daquelas que produzem delírios e visões!

Pasmem! Mas não duvidem, a realidade é por demais cruenta, eu sou o peru assado que apoiado em espetos se equilibra sobre esta imensa travessa prateada e se destaca, sou o prato principal deste desabençoado noivado, Deus meu! Como é que fui me encalacrar dentro deste peru assado?

Olha só! Aqueles dois traidores trocando as alianças, se abraçam e beijam, malditos sejam, mil vezes malditos, eu preciso me livrar desta situação, o que mais quero é arrebentar com esses dois vermes traidores, quero vê-los no inferno eternamente sendo supliciados! Mãe! Me acode! Tenha piedade de mim, preciso sair urgentemente das entranhas deste apetitoso peru assado, os noivos estão se aproximando, nos seus olhos más intenções para com as minhas carnes!

Mãe! Socooooooooooorro!!!!!!!!!

O meu melhor amigo tem nas mãos uma faca elétrica, o que posso fazer para me defender? Nada! Sou o peru assado, na certa logo serei destrinchado e avidamente mastigado, triturado e deglutido. Gente! Alguém tem que fazer alguma coisa por mim! Estou completamente à mercê desta diabólica faca elétrica, que pelo seu tamanho mais parece uma motosserra, estes com certeza são os meus últimos minutos de vida, pela tradição, todo condenado à morte tem o direito de fazer um último pedido, desejo é que as minhas carnes se tornem tóxicas, venenosas, indigestas, e produza em todas estas pessoas aqui presentes, especialmente nesses mesquinhos noivos uma intensa dor de barriga e que seja acompanhada de uma fortíssima e incontrolável diarréia, tão incontrolável que eles haverão de fazer as suas necessidades fisiológicas nas suas próprias roupas, que se danem, que se borrem todos, que fiquem emporcalhados e lambuzados em suas fétidas fezes, acabando de uma vez por todas com esta festa de noivado!

– Amor! Qual a parte do peru é a sua predileta?

– Amorzinho! Corta um pedaço do peito, é o que prefiro!

Na minhalma explode desespero, olhando e sentindo a faca elétrica se aproximando, que sina maluca é esta ser transformado em peru assado na festa do meu noivado, e o meu melhor amigo estampando um largo sorriso fere o meu peito com a motosserra, ou melhor, com a faca elétrica, indefeso, eu clamo por todos os santos, minha agonia foi tamanha que destravou a minha voz, então gritei, aquilo nem se parece com um grito, mas sim com um urro, um berro, o grunhido estremeceu por toda a casa, na dor cortante debato e contorço tão descontroladamente que deslizo da minha cama estatelando no chão com tamanha violência que o estrondo produzido atraiu diversas pessoas que confusamente me acudiram, juntos me erguem do chão e me recolocam na cama, firmemente me amarram, amarrado, completamente imobilizado evitando assim novos e perigosos tombos, por último, abraçados e felizes entram no quarto o meu melhor amigo e aquela que até a pouco seria a minha noiva, não sou de reparar nos detalhes, mas notei que a sua barriga estava um tanto saliente:

- Você está grávida?

- Sim! Estou grávida e é uma menina!

Deus meu! Devo ter enlouquecido de vez! Será que sonhei que era um peru assado que sonhou que tinha acordado, e que acordou dentro de um outro sonho mais amalucado ainda? E aquela fatídica faca elétrica, aliás aquela motosserra, meu peito ainda queimando em dores atrozes no ponto exato onde este miserável traidor arrancou um naco da minha carne para presentear a minha amada, aliás, sua amada! Que falta senti do meu revolver, queria furar esses dois pérfidos a bala, sangue borbulhando a escorrer, desejos e mais desejos de maldades e vingança, só desejos, anteriormente estava imobilizado dentro daquele peru assado, agora estou imobilizado nesta cama, ou melhor amarrado! Amarradíssimo!

Foi quando o meu melhor amigo solicitou que todos se retirassem do quarto, ele queria uma conversa em particular comigo, apesar dos meus protestos que não queria sequer ouvir a sua voz, sem alternativas, constrangido, revoltado, mesmo assim os meus ouvidos tiveram que aturar aquelas esfarrapadas desculpas:

- Meu amigo! Devemos agradecer pelo acontecido, e que tenha acontecido agora quando ainda não estamos casados, o seu noivado seria um grande erro, um desastre de proporções incalculáveis para você, pra mim, para a sua namorada e para a minha namorada... Eu sempre amei e amo a sua namorada, e sinto que ela também gosta de mim, mas não encontrávamos uma maneira de dizer tudo isto a você, temerosos em magoá-lo fomos adiando o desenlace deste drama para não transformá-lo numa tragédia! E tem mais um detalhe, você conhece a minha ex-namorada e ela daqui a pouco entrará neste quarto, sinta a ternura com que ela olha pra você, sentirá que ela o ama, sentirá também que haverá de amá-la, mas mais e mais assim que melhor se conhecerem!

- Seu traidor duma figa! Além de tomar a minha namorada, agora quer consertar esta constrangedora situação me empurrando a sua rejeitada ex namorada? Você é o mais vil, mais torpe, mais cruel dentre a todas as pessoas que conheço!

O meu melhor amigo se calou e saiu quando ela inesperadamente adentrou no quarto, os meus olhos pareciam encobertos por uma névoa que aos poucos foi se dissipando então eu a vi claramente, deslumbrante, estremeci, o meu coração palpitando acelerado, ela se sentou ao meu lado na cama, sem nada dizer, calmamente desliza os seus dedos por entre os meus cabelos, perfume inesquecível no rastro daqueles carinhos a tudo a impregnar, beijou a minha fronte, se levantou e sorrindo disse adeus, aquele sorriso fincou uma dúvida atroz nas as minhas convicções, será que ela está a sorrir com pena do meu sofrimento, ou será que sorriu da minha estabanada e indisfarçável paixão por ela demonstrada, assim a ex namorada do meu melhor amigo se mostrou!

Num repente o meu ex sogro acompanhado do meu melhor amigo entram espalhafatosamente no quarto e trazem nas mãos pratos repletos de pedaços daquele indigesto peru, sonhos amalucadamente interligados, insistem que eu coma, travei a boca e esses filhos do satanás usando de toda força e violência empurram goela minha adentro pedaços da minha carne, ou melhor, da carne do peru, estão me sufocando ao comprimir tanta carne dentro da minha boca, estou ficando sem ar e atordoado, as minhas entranhas revirando, vomito tudo aquilo que tinham me empurrado boca adentro, incontinenti eles recolhem toda aquela carne fétida vomitada e insistem em socá-la na minha boca, e gritam:

- Não foi você quem desejou que todas as pessoas que comessem deste peru fossem acometidos por uma imensa indigestão e de uma fortíssima e incontrolável diarréia, tão incontrolável que todos haveriam de fazer as suas necessidades fisiológicas nas suas roupas? Você! Somente você irá sofrer as conseqüências desta terrível maldição que lançaste!

Por mais que tentassem destravar a minha boca desta vez resisti heroicamente, bravamente, recuperei a antiga força e valor, foi quando consegui dar um grito tão alto e tão dilacerante que a tudo foi transmudando, um novo cenário clareando, quarto na cor esverdeada, uma cama de ferro, meu corpo todo amarrado, ao meu lado:

- Mãe! Pai!

- Filho! Graças a Deus você recuperou a razão, nesses quarenta dias em que você esteve desacordado, você disse tantas coisas, tantas doidices, tantos gritos desesperadores, tantas quedas desta cama, nunca desesperançamos, mas tememos pela sua sorte!

Meu Pai se aproximou:

- Filho! Fomos para a festa do seu noivado, e você se atrasou, atrasou, atrasou tanto que deixou a todos preocupados, foi quando chegou a triste notícia que um caminhão desgovernado atingiu em cheio a traseira do seu carro que saiu da pista capotando por diversas vezes, o air bag e o cinto de segurança salvaram a sua vida, mas acreditamos você tenha batido com a cabeça nos vidros laterais ou mesmo no teto do veículo e que em face a esses impactos você tenha perdido os sentidos!

- Pai! Já se passaram quarenta dias deste desastre?

- Filho! Você será surpreendido por muitas novidades, muitas coisas aconteceram durante este tempo em que você esteve desacordado, são tantas novidades que o deixará perplexo e abobado, entre esses acontecidos há um do qual você nunca imaginou ou sequer sonhou que aconteceria, mas aconteceu!

- Pai, tudo o que aconteceu, aconteceu porque teria que acontecer, melhor que tenha acontecido agora do que acontecesse bem mais lá na frente, sendo assim nada me surpreendera!

A notícia da minha recuperação se espalhou rapidamente, e muitos acudiram no visitar entre estas o meu melhor amigo despontou quarto adentro, encruzilhada dos nossos destinos, me cumprimentou abraçando, estava realmente feliz com o meu restabelecimento, puxou uma cadeira, contristado, sentou e emudeceu, desabafei:

- Meu amigo! Tem coisas que acontecem por que tinham que acontecer, repeti, o que aconteceu foi o melhor que poderia ter acontecido, eu desejo toda felicidade do mundo pra você e para aquela que até um dia desses era a minha namorada, a vida no seu decorrer nos toma algumas coisas e nos acrescenta outras tantas, não nos cabe maldizer o acontecido, e sim vivenciar com intensidade o momento atual, siga seu caminho em paz, serei aquele amigo de sempre, na minha alma e no meu coração nunca haverá mágoas ou respingos de ressentimentos pelo acontecido!

Aliviado, desafogado e um tanto desentendido, na certa cismou que foram os meus pais me relataram do acontecido, seu rosto estampava agradecimentos.

E aquela que quase foi a minha noiva, do lado de fora escutando e sentindo que o momento era favorável adentrou, sorrindo me abraçou e beijou desejando saúde, foi quando completei:

- Vocês formam um belo par, e com toda certeza serão muito felizes, e que tenham muitos filhos. E por falar em filhos parece que você está grávida, se estiver, na certa será uma menina!

Eles emudeceram, enrubesceram, emocionados abraçaram as minhas emoções no despedir, resguardei doces lembranças desta moça que num determinado tempo da minha vida mostrou-me mesmo que momentaneamente o que é a felicidade, guardei tudo isto com carinho, mas bem longe do meu coração, por fim me vi só, me senti só, só de tudo e de todos, confesso, entristeci, suspirei profundamente e nas profundezas da minha alma uma brisa gelada açoitando sonhos meus mortos sibilava uma triste melodia...

E se fez um breve silêncio... Daqueles que antecedem as grandes tragédias... E neste ínfimo espaço de tempo fiz uma retrospectiva destes últimos acontecimentos e amargamente concluí... Que eu fui o grande perdedor... Que fracassei numa magnitude imensurável... Nestas duras penas aprendi o que realmente é uma infelicidade, quando a sentimos intensamente, não sabemos explicar o que estamos sentindo, e por mais que disfarcemos o nosso olhar sempre mostrará a amargura da nossa alma.

Pobre de mim! Abominei aquele encontro por tantos desejado com a ex namorada do meu melhor amigo, recusei aquele prêmio de consolação, além do mais, ela nunca manifestou um firme desejo que esse encontro se concretizasse.

Mas o tempo é inexorável, implacavelmente a tudo foi cobrindo com o pó do esquecimento, as lembranças foram se tornando acinzentadas ou amarelecidas, das vezes a minha mãe pergunta se já esqueci daquela moça que quase foi a minha noiva, respondo sem olhar nos seus olhos, que nunca esquecemos dessas pessoas que por certo tempo caminham ao nosso lado por um mesmo caminho, consigo dela me lembrar sem que isto me machuque, sem que cause tristezas ou que alevante saudades, mas o que eu nunca confessei ou demonstrei é que são as lembranças da outra, o prêmio de consolação recusado, as que mais pungem o meu coração, estas lembranças sim, sempre vivas, lindas, inesquecíveis, no silêncio da minha solidão é dela que a minha saudade mais sente saudades!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 04/04/2012
Reeditado em 09/04/2012
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