121 - A LOUCURA DA RAZÃO...
Noite desarrumada, cama desconfortável, nela não encontro uma única posição em que o meu corpo se sinta bem acomodado, nem parece que a cama é a de sempre, muito menos que eu seja o de sempre, incompreensível me é este momento, diferentemente de tudo que fui até então, sinto, o que sinto sei que nunca fui.
Um grilo cantor pousado na janela do meu quarto insiste numa melodia estridente chamando pela sua amada que na certa ainda não está disposta a sair de seu esconderijo para fazer-lhe companhia, talvez ainda não tenha terminado de se maquiar, enfim a realidade é que ela ainda não se mostrou.
O grilo estremece o meu quarto com a sua canção, é como se ele abraçasse esta noite enluarada por inteiro com a sua sinfonia, e a sua amada, manhosa, reluta em se mostrar, todavia este alarido está me perturbando, perturbando mais ainda a minha pura inveja desmedida desta felicidade palpitante, aliás, gritante, nesta noite qualquer coisa consegue me perturbar e irritar, não estou bem comigo, me sinto só, só de tudo, de todos, me sinto um estranho dentro deste corpo, no canto da janela o grilo trovador insiste com seu canto!
Por fim irritado levanto e vou até a janela:
- Grilo! Com tantos lugares para você fazer a sua serenata, você tem que escolher justamente na minha janela? Com esta sua desafinada cantoria dificilmente conseguirei dormir!
- Moço! Que culpa que eu tenho se você é um solitário, que culpa eu tenho se você não é feliz, porque ao invés de ficar aí deitado remoendo solidão, sem uma mulher para amar, pega o seu violão e sai poraí, vai lá pra praça, cante, desafogue seu peito destas mágoas, veja e sinta que a noite é linda e o luar mais lindo ainda!
- Grilo! Hoje todo cuidado comigo é pouco, não estou bem, pare com essa sua cantoria, estou sem paciência para ficar batendo boca com você, respeite o meu silêncio e a minha dor!
- Moço! Hoje somente a morte será capaz de me calar, a noite é de lua cheia e tenho que encontrar a minha amada, custe o que custar, não será a sua ameaça que irá me calar, escuta o que estou lhe dizendo pega seu violão e vai viver a vida, saia desta clausura, procure uma mulher do seu agrado e que ela também o ame, deixe de ser este amontoado de fracassos, você só cria problemas, comece a resolver os problemas, deixa de ser preguiçoso...
- Grilo! Quem avisa amigo é, vou contar até três se você não sair da minha janela eu vou esmagá-lo com o meu sapato!
- Quando saio pra cantar e amar pouco importo com o que irá me acontecer, tenho que correr riscos, apesar de todos os cuidados e prudência, viver ou morrer faz parte deste embate, o que importa é que hoje estou arriscando a minha vida, estou arriscando tudo o que tenho por um sonho, um sonho de amor, um amor de sonho, desejo ardentemente encontrar a minha amada e nos seus encantos me perder... Porém, eu sei que posso encontrar a morte e não as carícias da minha amada. Posso esbarrar num escorpião e ele irá perfurar o meu peito com o seu ferrão, posso encontrar com um sapo e ele irá me engolir inteiro, posso encontrar com uma coruja e ela ira me estraçalhar, também posso encontrar com pessoas ignorantes iguais a você e ser assassinado, nada disto me mete medo, se morrer, morrerei na busca do meu amor, e que culpa eu tenho se você não tem uma amada, que culpa eu tenho que você não tem um único sonho pelo qual possa arriscar a vida, tempo passado é tempo passado, pra sempre passado, aproveita o tempo que lhe resta, levante, vá passear pelas ruas, pelas praças, encontre amigos e amigas, de um sentido pra sua vida! Ah! Não se esqueça de levar o seu violão! Desgraça maior na vida de um homem é não ter a quem amar, nem ser amado, é passar pela vida nas trevas da solidão!
- Maldito grilo por sua única e exclusiva culpa estou eu aqui nesta praça sozinho, cantando, cantando pra a lua, pois, meus amigos e amigas não aparecem, porém não sou mais aquele ser enegrecido pela melancolia, me encontrei, reparem só, estou só e não me sinto só, mas surpreendentemente feliz, a paz e a tranqüilidade desta noite enluarada a me envolver em profundidades inimagináveis, tudo é tão suave, surreal, parece até que estou sonhando...
Acordo assustado, desvairadamente desorientado, a janela do quarto ainda está aberta, raios de um sol incisivo adentram, um grilo canta nas profundezas do meu pensamento, o meu violão encostado na cabeceira da minha cama... Fico intrigado e pasmado, quem será que o colocou naquela posição, se há mais de um ano que o guardei bem lá no fundo do meu guarda-roupas, alguém deve ter entrado neste quarto e o colocado ali....
Levanto e vou até à porta do quarto, surpreendentemente a porta está fechada, e somente eu tenho as chaves! Quão misteriosa é uma noite enluarada, mais misteriosa quando deparamos com um grilo que fala e canta em nossa janela...
Meus pais ficam surpresos e abobados quando pergunto se me viram sair durante a noite, mais surpreso fico quando uma amiga liga dizendo que vira um rapaz só de cuecas pela madrugada cantando na praça, parecia hipnotizado pelo luar, e era muito, mas muitíssimo parecido comigo, todas as pessoas que o viram afirmam plenamente convictas era eu em carne e osso!
- Deus meu! Se tudo isto for verdade alguma coisa não esta certa na minha cabeça, nos meus miolos...
- Pensando bem devo estar enlouquecendo não tem lógica um grilo falar, não tem lógica eu acreditar que pela madrugada estive na praça quase nu, seresteiro, a lógica é que devo ter dormido pesadamente e um imenso pesadelo assolou a minha alma... Engraçado... Como explicar o violão na cabeceira da minha cama, como explicar que tantas pessoas dizerem que me viram cantando pela madrugada, como explicar este grilo que fala e que até agora canta dentro do meu pensamento, talvez estes sejam os meus momentos de pouca lucidez, efêmeros momentos da loucura da razão...