Iceberg.

Iceberg tinha esse nome porque seu pai homenageou a grande pedra de gelo que afundou o Titanic. Acontece que dentro daquele navio viajava um grande desafeto seu, que inclusive o havia ameaçado de morte em tempos pretéritos. Por isso, quando sua criança nasceu, doze anos após o acidente, resolveu batizá-lo, tragicomicamente, de Iceberg.

Na sua infância, como não poderia deixar de ser, Iceberg fora vítima das mais variadas chacotas, desde homem de gelo a afundador de navios, mas nunca se importou com isso. Iceberg, não se sabe pelo nome ou mesmo por personalidade, era de fato um cara frio e calado. Tinha poucos, raros amigos, era mais alto que o restante da turma, magro e de poucas palavras. Era sempre visto zanzando sozinho pelos corredores do colégio, enquanto as demais crianças corriam e se esgoelavam por todos os cantos.

Cresceu praticamente sem amigos. Era uma pedra de gelo isolada num oceano distante, metaforicamente dizendo. Diziam até que quem se encostasse nele logo se congelaria e se quebraria em pedacinhos de gelo pelo chão. Criançada morria de medo do Iceberg. Para ele isso era até bom.

Nunca deu trabalho para seus pais, nunca pediu presentes ou brinquedos, nunca deu birra nem maltratou ninguém. Amava os animais e passava grande parte de seu tempo acariciando cães que via pelas ruas. Em casa tinha doze, os quais com ele dormia no quarto, alguns, os menos fedorentos, com ele na cama.

Iceberg cresceu sem maiores problemas para seus pais. Um garoto pacato, estudioso e saudável, até conhecer o carnaval, quando contava com 16 anos de idade. Até então nunca havia saído de casa, não tinha namorada e nem ficava pelos cantos se masturbando, mas no carnaval daquele ano um brilho diferente saltou dos olhos de Iceberg ao ver uma mocinha dançando na roda. De tanto olhá-la, resolveu ela chamá-lo também a entrar na roda. Ele foi, dançou a noite toda, bebericou uma bebida que a mesma lhe apresentara, acha que era caipirinha ou coisa parecida. Ficou inebriado, tanto com o cheiro do salão, do álcool e do perfume que exalava do corpo suado da mocinha.

Naquela noite viveu um sonho. Dormiu cheirando a camiseta, à qual ficara bem colada no corpo suado da moça. Era um perfume inigualável. Seu coração disparava, seu pênis ficou mais duro que um cabo de vassoura e, para conseguir dormir, correu para o banheiro e mexeu tanto no pinto que por fim sentiu uma sensação nunca antes sentida. Estava no céu.

Na segunda, terceira, quarta e última noite de carnaval zanzou por todo o salão sem reencontrar a moça. ficou ansioso demais e encheu a cara de caipirinha, ficou nervoso, bêbado e vomitou no salão. Fora expulso e levado arrastado para casa. Seus pais não compreendiam o que estava acontecendo. Ele não era disso, disseram aos seguranças do clube.

A partir de então, com o fim do carnaval, tornou-se um cidadão trabalhador. Nunca faltava do emprego, nem se atrasava, mesmo acometido pela mais impossibilitante doença. Era pertinaz e dedicado. Porém, quando era época de carnaval, não fazia mais nada a não ser zanzar à procura daquela moça que nos idos de sua juventude lhe transmitiu um perfume que buscava a qualquer custo.

Nunca mais a viu. Nunca mais sentiu aquele odor, mas em todos os carnavais estava lá, a procurar, procurar, procurar..., até que, contando com 78 anos de idade, depois de tantos carnavais infaustos, sempre sozinho na vida, sentou no meio do salão e começou a derreter, se transformando numa poça dágua morna no centro do salão, onde a roda pisava e se escorregava por vezes, sem se dar conta de que ali havia um homem de gelo...

Savok Onaitsirk, 12.03.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 11/03/2011
Código do texto: T2841626
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