Aliado Com o Destino

O Destino sempre nos reserva surpresas, em sua maioria são cruéis, impiedosas e carregam consigo um "quê" de desgraça, mas algumas vezes, raríssimas por sinal, o Destino nos convida a brindar. É tão sutil e singela essa ocasião que se não estivermos atentos passa por nós e nem a percebemos, depois culpamos a ele, o Destino, pelas mazelas da vida. Recordo-me com prazer, quando ao acaso, tive um brinde com o Destino e brindamos à beleza.

Era uma noite em que a lua se portava como dona soberana no céu (cheia, clara e cintilante), as estrelas pareciam segui-la como uma espécie de reverência em reconhecimento à majestade. Em terra, as pessoas se aglomeravam numa parada de ônibus a espera, cada qual, de

seu expresso para a dignidade do repouso após a sevícia de um dia de trabalho. Em meio a tantos rostos cansados uma brisa fresca de verão desfilava.

Quando o Destino chegou anunciando o começo de um ritual sagrado de apreciação a mesa já estava posta, nela uma garrafa de vinho francês, não me lembro a marca pois a arrogância do sommelier que me tratava de o "mal necessário" porque minhas ideias revolucionários incomodavam seu mundo pequeno burguês, comentava sobre a excelência da safra de Bordeaux onde se produzia um tipo de uva Merlot fazendo referente a garrafa servida com a qual nos embriagavamos. Levantamos as taças, fizemos pequenos movimentos em círculos para ver o encorpamento do vinho, aproximamo-as do nariz para sentirmos seu aroma e quando por fim as erguemos, veio-me a duvida, então perguntei:

- Há que brindamos?

Sem dizer uma palavra, meu cruel anfitrião, apenas com um leve movimento de cabeça e com a taça ainda parada no ar, mostrou uma beleza discreta.

Linda! Somente ela em meio a tantas pessoas sorria para lua. Cabelos castanhos escuros e pele cor de trigo maduro. Seu olhos cor de mel davam doçura ao olhar. Tinha no sorriso um encanto que não era só beleza, era puro contágio. Tinha uma elegância que estava fora de meu mundo, vestia um traje social de um tom escura, não me recordo a cor, mas guardo a silhueta que o luar fez questão de contornar, como já disse, linda! De imediato brindamos e o silêncio se fez. Não era um silêncio fúnebre, mas aquele digno do ritual a quem aprecia uma sinfônica. Degustamos o vinho e apreciamos a sinfonia.

Ela ainda sorria, não mais para a lua mas com a lua quando seu ônibus chegou. Como se bailasse com o vento no meio do empurra-empurra para subir no expresso. E, o Destino, meu inimigo de tantas batalhas tornou-se aliado e ofereceu à oportunidade – o sapato da bela escapou-lhe dos pés, para que num ato heróico eu o recuperasse e a devolvesse -, meu agora aliado, fez-me um sinal com as mãos como se dissesse vá e sem perder um segundo fui.

Foi nessa ocasião, tendo o Destino como aliado, que conheci Cindy. Uma mulher inteligente, de espírito revoltado e agraciada com um beleza que me encantara. Ainda hoje às vezes me encontro com o Destino para brindarmos a inteligência romântica dos atormentados de almas, a rebeldia inquieta dos espíritos livres e a beleza discreta de mulheres que nos encantam, e nessas horas, somente nessas horas, somos aliados.

Ley Gomes
Enviado por Ley Gomes em 21/04/2009
Reeditado em 02/11/2021
Código do texto: T1550768
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