EDGAR SOLENE | O caso Amanda Rosa | capítulo 1

Edgar Solene

Eu não me lembro ao certo de quando Clemente me falou isso, mas como em outras vezes ele estava certíssimo. Misturar o profissional com o pessoal ou deixar que um interfira no outro é algo que um detetive jamais pode permitir que aconteça. Pois é, foi o que pensei ao entrar naquele quarto de um apartamento no penúltimo andar de um prédio de quinze andares. O quarto de Amanda Rosa. Assim como o sobrenome, o quarto tem a cor rosa predominante em todas às quatro paredes. Acomodados delicadamente em cima de uma mesinha de madeira pintada a mão estavam o notebook, uma lapela e fones de ouvido. O lugar não cheirava mal, porém não posso dizer que Amanda era uma menina fã de uma boa assepsia. Bem ao lado dessa mesa, jogada de qualquer forma, ainda vestida com trajes sensuais estava ela, a vítima. Olhos arregalados. Olhos cinzas focando o nada. A boca semiaberta invadida por cabelos cacheados. Amanda Rosa, uma beleza de criatura. Uma mulher formidável, morta de uma forma brutal e covarde. Um dos policias que fazia a segurança do lugar parou bem a meu lado mexendo em seu bigode que, por falta de uma boa aparada lhe tapava a boca.

- Linda menina.

Reparei que o tal sargento da PM não tirava os olhos da bunda da morta uma vez que a mesma se encontrava de bruços. Tive que concordar com ele. Amanda deveria ser mesmo uma garota incrível.

- Alguém viu alguma coisa, sargento. Algum barulho?

O sargentão apoiou seus braços no cinto e chamou um dos seus homens. A voz do militar era alta e firme e me feria os ouvidos.

- Tudo o que sabemos é que a vítima. – apontou para o corpo utilizando um lápis. – trabalhava vendendo conteúdo para maiores de dezoito anos na Internet.

Voltei a olhar para Amanda e dessa vez eu já não estava tão encantado como da primeira hora.

- Certo! Sabe me dizer se ela recebia clientes aqui?

Outra vez meus ouvidos sofreram com o decibéis emitidos pela voz do sargento ao meu lado.

- Não somos investigadores, Edgar. Deixamos esse trabalho para você, o que acha?

Apesar de acha-lo um porre e metido a sabichão o sargento estava coberto de razão. O detetive ali era eu, Edgar Solene e era meu o dever de desvendar aquele caso. Foi o que fiz. Imediatamente comecei a verificar cada canto daquele quarto em busca de uma pista. Alguém pôs um ponto final na curta existência da camgirl, alguém que provavelmente não a perdoou pelo fato dela conseguir ganhar a vida expondo seu corpo – um parente, talvez - sabe-se lá. Tenho que dizer a verdade, eu estava deixando que o meu lado profissional batesse em retirada e permitindo que o homem Edgar assumisse a ocorrência. Isso não iria acabar bem. Clemente que o diga.

*

Enquanto os peritos executavam seu trabalho dentro do quarto, deixei o apartamento a fim de respirar ar puro e também tentar falar com Jacke, coisa que eu já havia tentado mais cedo, antes de chegar ao departamento de polícia. Nosso café da manhã não foi legal e nem a nossa noite também. Jaqueline era o grande amor da minha vida, mas nos últimos tempos ela vinha me enchendo a paciência com assuntos sobre dieta. Baita saco!

- Oi, amor?

- Oi! – respondeu de forma seca.

- Ainda irritada comigo? – andei até a janela e contemplei toda extensão da cidade.

- Um pouco.

- Vai mesmo ficar aborrecida comigo só por causa de uma dieta?

- Edgar, eu estou pesando quase cem quilos. Vai mesmo querer ficar com uma mulher negra e obesa do seu lado?

- Se essa mulher negra e obesa for você, eu quero.

A minha história com Jacke começou quando fui convidado por um colega de trabalho para um churrasco na piscina. Assim que cheguei fui atacado pelos olhares das meninas que curtiam a festa usando seus biquínis ousados em seus corpos trabalhados nas melhores academias. Todos, até os caras dizem que sou boa pinta com meus um metro e oitenta e cinco de altura, cabelos negros, olhos castanhos e corpo esbelto. Fato era que, todos apostavam que ao fim da festa eu iria sair da li com alguma delas direto para um motel. Mas, quis o destino que eu fosse até a cozinha buscar cerveja quando dei de cara com uma deusa Ébano cortando alfaces para a salada. Jaqueline, minha Jacke. Nos olhamos. Ela sorriu e eu sorri de volta.

- A cerveja tá onde?

- No freezer grande. Você pode pegar uma pra mim também?

- Claro!

Jacke é gorda sim. É negra sim, mas é a mulher mais linda do universo. A mais carinhosa e gente boa que já conheci. Dá de mil a zero em outras que já namorei em todos os sentidos. Naquela festa deixamos todos boquiabertos ao passarmos a tarde inteira batendo papo na beira da piscina. A noite, quando tudo terminou, criei coragem para lhe pedir seu contato. Ela mesma não acreditou.

- O que? – franziu a testa.

- Eu gostaria muito de vê-la novamente. Quem sabe no próximo final de semana?

- Cara, você está me zuando? – colocou às mãos na cintura.

- Não, lógico que não. Gostei mesmo de você. Que tal um cineminha?

Ela aceitou e aqui estamos nós batendo de frente com os preconceitos e olhares de deboche a quase três anos.

- Poxa, amor, faz a dieta comigo.

Cocei a cabeça.

- Tá bom. Você venceu. Farei essa bendita dieta com você. – olhei para o fim do corredor.

- Ai, te amo. Vou passar no mercado e farei as compras e...

Esperava Jacke concluir o assunto quando os peritos deixavam o apartamento de Amanda.

- Você terá uma surpresa.

- Hum! Quem bom. Querida, vou desligar, estou no meio de uma investigação. A noite a gente se fala. Beijo e te amo.

Um dos peritos era um velho conhecido meu. Roni estava perto de se aposentar e mesmo assim fazia questão de prestar um excelente trabalho. Ele veio ao meu encontro segurando sua mala prateada a passos lentos e arrastados.

- Grande Solene.

- O que mandas, Roni?

- A garota foi morta por asfixia. Só não há sinais disso.

Um mata-leão, talvez, pensei. Roni seguiu com o relato.

- Outra coisa. Ela não transou antes de ser morta.

- Conseguiu recolher algum material? – eu estava começando a ficar nervoso.

- Não! Sem esperma. Pelo visto aconteceu alguma discussão e...

Precisei me controlar. A adrenalina percorria a mil por hora me impedindo de pensar direito, eu tinha que assumir o controle da situação urgente.

- Está com pressa, Roni?

O perito consultou seu relógio digital em seu pulso.

- Ainda tenho meia hora. Por que?

- Venha comigo.

Voltei ao quarto de Amanda e lá estava ela. Linda, porém morta. Gostosa, porém estrangulada. O que você fez pra merecer isso, Amanda? Roni abriu sua mala de alumínio e pegou novas luvas de látex. Visivelmente contrariado ele retomou os trabalhos, mas agora sob minha supervisão. Com o auxílio de um cotonete ele recolheu saliva da pobre vítima, mas eu não estava ali por aquilo, mas sim pelo que viria junto.

- Opa! – disse Roni animadamente.

- Bingo. – exclamei vendo o pêlo pubiano na ponta do cotonete.

Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 12/09/2022
Código do texto: T7603950
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