ERVA-DE-SÃO-CRISTÓVÃO

A morte de Antônio não fazia sentido, ele parecia muito saudável e as regulares consultas médicas provavam isso. Não sentia dores, era ativo fisicamente e do nada caiu. O coração simplesmente parou, desistiu daquilo que ele mais prezava: A vida.

A família, ainda sem entender o caso, discute possibilidades em meio ao velório. Na semana anterior eles programavam mais uma viagem para o exterior, que ironia, ele participaria novamente de uma maratona na cidade de Boston, única cidade fora do Brasil que possuíam casa, após isso viajariam a passeio para o sul da França. Mas isso não irá mais acontecer, não para Antônio, que com apenas 37 anos deixou o plano terrestre.

O que realmente aconteceu? Qual será o resultado da autópsia?

No decorrer do enterro, Rosa, a viúva de Antônio, acompanhada dos filhos Téo e Melissa, percebeu um homem de terno preto e camisa branca em meio aos amigos do finado marido. Parecia tão familiar aquele rosto que estava atrás daqueles óculos escuros.

Momentaneamente, ela desconcertou-se e desequilibrou caindo de joelhos próximo ao caixão. Outro vestido com o mesmo traje a segurou evitando um dano maior. Após beber um copo d’água, Rosa questionou a presença daquelas figuras antipáticas no enterro de seu marido. Clotilde, sua funcionária revelou serem da polícia e que estavam investigando a morte de Antônio. Rosa solicitou-lhes que a procurassem no outro dia em sua casa, e que naquele momento ela apenas queria descansar e chorar a morte do marido. Os investigadores entenderam a dor da viúva e foram embora.

No dia seguinte, pouco depois do almoço, os investigadores foram até a casa da viúva, chegaram na porta, tocaram a campainha e foram recebidos pela dona da casa.

— Bom dia dona...

— Rosa! Rosa é meu nome. Em que posso ajudá-los?

— Somos investigadores, José Horto e Davi Tavares. Podemos fazer algumas perguntas?

— Claro. Como é seu nome mesmo?

— Eu?

— Sim, você. – Dirigia sua atenção ao parceiro de José.

— Meu nome é Davi Tavares.

— Estranho. Eu conheci alguém com esse nome.

— Senhora! — Interferiu José. — A senhora pode nos dar mais informações sobre o seu marido?

— Sim! Entrem, fiquem à vontade, vou buscar um café para vocês.

Rosa então trouxe uma bandeja de café com biscoitos feitos por ela. Sentou-se na poltrona em frente aos investigadores e começou a relatar.

Acomodou os investigadores e foi em direção à cozinha e voltou com uma bandeja com café e biscoitos feitos por ela. Contou que no fatídico dia, Antônio levantou às seis e vinte da manhã, como sempre fazia, bebeu um copo de leite frio, comeu frutas com cereais e partiu para sua corrida matinal. Nada diferente.

Era o que ele gostava de fazer os sete dias da semana. Fazia de manhã e a tarde. Disse que já pedira para ele diminuir a frequência, mas ele não ouvia, nunca parava, deixava de sair com a família para correr. Conseguiu com muita insistência convencê-lo a viajar, mas infelizmente isso não vai mais acontecer.

— Quanto tempo que o Sr. Antônio mantinha essa rotina? Perguntou José.

— Há cinco anos ele começou com a academia, depois com a alimentação e há três anos ele começou a correr e não parou mais.

— Ele ingeria algum remédio, anabolizante, usava drogas? Perguntou agora o investigador Davi.

— Não! Meu marido era extremamente regrado com a saúde, o excesso era só na corrida. Nunca usou nada, pelo menos, eu nunca vi.

— Mas então a senhora não tem certeza? Questionou José.

— Absoluta não, mas eu conhecia bem o meu marido e em casa não tinha nada, eu é que arrumava tudo, fazia seu café e preparava suas vitaminas.

— A sra. nunca percebeu nada diferente? Continuou José.

Rosa silenciou momentaneamente como se não tivesse total certeza do que falava e enquanto titubeava para responder, o investigador percebeu que talvez ela não soubesse tudo o que acontecia na família.

— Nada delegado, era uma vida normal, sem exageros e sem excessos, a única coisa que ele fazia é se cuidar e correr.

— E a sra., o que faz, qual é sua ocupação diária? Perguntou Davi.

— Sou bióloga, mas nunca exerci a função, preferi cuidar da família.

— Então a senhora é dona de casa? Continuou Davi.

Antônio conseguiu convencê-la a abandonar a carreira para ficar mais com os filhos e que garantiria a vida confortável a ela e aos filhos. Concordou e renunciou a profissão. Ele sempre proporcionou a qualidade mais que necessária para a família. Casa grande, carros de luxo, educação e viagens.

— OK senhora, sabemos que ele fez um seguro de vida de um valor bem alto no ano passado, será que ele já estava sentindo algum problema de saúde? Perguntou José.

— Seguro? Eu não sabia de nada disso, meu marido era muito precavido, mas nunca me falou de nenhum seguro. Como eu já havia dito, delegado, eu deixei a parte burocrática com meu marido, fiquei com a casa, meus filhos e meu jardim. Cuido de tudo.

O investigador levantou-se e foi até a janela da sala que mostrava o pátio completamente cimentado, lembrou-se que na frente da casa havia apenas um gramado, porém não havia flor alguma. Davi e Rosa apenas

acompanharam com os olhos o caminhar do curioso José, até ser questionado pela dona da casa.

— O que procura investigador?

— Disse cuidar do jardim, mas não há flor alguma aqui!

— Minhas plantas ficam na casa de Boston. — Rosa finalizou a questão das plantas e continuou o assunto anterior. — Como eu estava lhes dizendo, nada aconteceu de diferente nesses últimos tempos? Algo relevante que a senhora possa me contar? Questionou José.

— Acho que não investigador, meu marido era muito regrado como eu já havia dito, muito preocupado com nosso bem-estar. Ele queria colocar empregados aqui em casa, mas eu nunca aceitei, gosto de cuidar de nossas coisas.

- Cuida de tudo isso sozinha?

- Tenho todo o tempo do mundo para cuidar de tudo. Aceitei apenas a Clotilde, que virou minha fiel ajudante e cozinheira. A cozinha nunca foi meu forte, então eu a aceitei, mas o resto eu faço.

Mesmo vivendo em uma casa de três andares e muitos cômodos para arrumar, Rosa preferia manter as coisas na maneira com que ela gostava, Clotilde veio por insistência do marido. Ela relatou com a possibilidade de ter uma estranha dentro de sua casa, mas a cozinha precisaria de alguém que pudesse fazer pratos que agradaram seus convidados. Antônio já conhecia Clotilde e sabia de seus dotes culinários.

— Onde está a Clotilde? Perguntou Davi.

— Dei folga a ela, ficou muito abalada com a situação, com tudo o que aconteceu preferi ficar sozinha com meus filhos. Eles me darão força para continuar.

— Senhora, desculpe, esqueci seu nome. Continuou Davi.

— Rosa, é Rosa o meu nome.

— Senhora Rosa, de qualquer forma teremos de falar com sua ajudante, tenho que fazer algumas perguntas.

— Certo Investigador, como faço para encontrá-los?

— Vou deixar aqui meu cartão, peça para ela me ligar assim que possível.

— Está certo Davi, desculpe, Investigador Davi. Hoje mesmo ela entrará em contato com o senhor.

— Obrigado pela gentileza, seu café estava ótimo. Tchau! Senhora Rosa. - Despediu-se José.

— Até logo senhores.

O resultado da autópsia saiu na manhã seguinte, foi encontrado no sangue da vítima o veneno da planta Actaea Pachypoda, mais conhecida como Erva–de-São-Cristóvão, planta com flores, nativa do leste e norte da América do Norte, tem veneno no seu fruto marcante, de um 1 centímetro de diâmetro, que lembra muito um olho. Apesar de toda a planta ser declarada tóxica para consumo humano, a parte mais venenosa é a toxina concentrada no fruto. As bagas contêm uma toxina cancerígena, que tem um efeito sedativo quase imediato em músculos cardíacos humanos e pode facilmente causar uma morte rápida. O documento foi levado as mãos dos investigadores responsáveis pelo caso. A descrição da senhora Rosa, de que tudo era perfeito, estava caindo por água abaixo. Estava claro que ela sabia do seguro de vida, e como era bióloga, conhecia as plantas, sabia o que fazer com o veneno. O caso estava encerrado, o investigador José, que era o responsável pelo caso, estava se sentindo o pior profissional naquele momento, foi ludibriado por uma senhora que parecia tão idônea, não conseguiu ver tamanha crueldade nos olhos dela.

Ainda não havia provas concretas de que a senhora Rosa era a responsável pela morte do marido, mas todos os fatos levavam-lhe. Naquela tarde o investigador Davi voltou a casa da senhora Rosa. Chegou com semblante fechado, apertou a campainha e foi recebido por Téo, o filho mais velho da Senhora Rosa e foi logo perguntando:

— A senhora Rosa está?

— Mãe! Gritou Téo – O investigador voltou e quer falar com você.

— Estou indo filho, diga para ele entrar. Respondeu Rosa.

Rosa saiu da cozinha com uma bandeja com duas xícaras de café, o investigador agradeceu a gentileza, mas não quis beber.

— Boa tarde Investigador Davi Tavares, ou posso chamá-lo de DT?

— A senhora lembrou-se de mim?

— Claro, me lembro da briga quando vocês tinham quinze anos, eu fui a razão, não fui?

— Isso faz muito tempo senhora Rosa. Agora estou a trabalho.

— Só responda Davi. Eu fui a razão daquela briga?

— Senhora Rosa, o que sabes sobre a planta Erva-de-São-Cristóvão?

— Você nunca aceitou ter me perdido para o Antônio, não é? – Insistiu a viúva.

— Por favor, senhora Rosa, o que sabes sobre a planta Erva-de-São-Cristóvão?

— Responda minha pergunta, que eu respondo a sua.

Davi entendeu que ela não desistiria. Ela lembrara da época de escola, ele nunca esquecera, onde ele era o rival de Antônio. Cobiçava aquela que era a menina mais popular, mas sabia que as posses da família do finado marido voltavam as atenções da moça na direção contrária à que desejava.

— Está certo Rosa, foi sim, você foi a razão, mas já são águas passadas. Agora me ajude a lhe ajudar, as provas estão todas contra a senhora, se não tiver como provar sua inocência, vai ser difícil evitar a prisão.

Davi por um rápido momento esqueceu que estava em uma importante investigação e abandonou a formalidade.

— Prisão, como assim? Sou inocente, não mataria meu marido.

— Então responda minha pergunta, senhora.

— Na verdade, não sei muito, como havia lhe dito, não exerço minha profissão.

— Mas a senhora sabe que essa planta é venenosa?

— Sim, eu sei, mas por que essa pergunta?

— Foi encontrado o veneno dessa planta no sangue de seu marido.

— O senhor está insinuando que eu envenenei meu marido? Eu o amava, nunca faria isso com ninguém, muito menos com o amor da minha vida e pai dos meus filhos.

— Mas o seguro, pode ser um motivo?

— Como assim? Eu nem sabia desse tal de seguro. Eu liguei para nosso advogado quando o senhor e seu colega foram embora hoje de manhã, pedi para ele ver isso para mim. Como eu já havia dito, não me importava com esses trâmites legais, meu marido resolvia tudo.

— Gostaria de falar com seu advogado.

— Ele marcou comigo as 17h00, daqui a pouco ele deve estar chegando.

— Ok senhora, vamos aguardar.

Ficaram em silêncio. Rosa entregava as mãos no rosto deixando correr tímidas lágrimas pelo rosto. Davi observava a mesa de centro onde repousava as xícaras de café ainda cheias.

— Então o senhor não quis beber o café pensando estar envenenado? Meu Deus! Tornei-me a viúva negra.

— A senhora tem que entender que só estou fazendo meu trabalho.

A campainha toca, Rosa levanta-se do sofá e vai em direção a porta, o delegado aproveita para cheirar o café. Romeu, o advogado da família havia chegado. Assim que Rosa abriu a porta foi surpreendida com um olhar tenso do advogado, e antes de responder o “boa tarde” desferido pela viúva, falou.

— Tenho péssimas notícias.

— Como assim Doutor Romeu? O que pode ser pior que a morte de meu marido?

— Estou aqui com a apólice de seguro, e anexado, o testamento.

— Testamento? Mais uma surpresa. Não sabia do seguro e agora aparece um testamento.

Estava realmente surpresa, seu rosto aparentava não saber do que Romeu falava. O investigador só observava a conversa de Rosa com o advogado, tentava buscar reações estranhas de qualquer um, mas aquela história estava indo para uma conclusão, aqueles documentos ajudariam a desvendar o caso.

— Por favor Doutor, posso ver esses documentos? Disse o investigador.

O advogado olhou para Rosa, que consentiu com a cabeça.

— Veja com seus próprios olhos investigador Davi, e leia em voz alta para eu ficar sabendo também o que está escrito aí.

O delegado abriu o envelope, leu as partes importantes do documento e falou:

— São três milhões de dólares, realmente seu marido preocupava-se com sua família, julgo que conseguirão manter o padrão de vida. O que a senhora acha?

— Investigador, o senhor ainda pensa que eu matei meu marido por dinheiro? Esse valor ele ganharia em três anos, ele era um empresário muito bem-sucedido. Além de assassina, o senhor está me chamando de burra agora.

— Calma senhora Rosa. Disse o advogado.

— Como me acalmar Romeu? Perdi o amor da minha vida e esse investigador fica tentando me incriminar.

Enquanto Rosa chora no ombro de Romeu, Davi começa a ler o testamento, muda o semblante ao chegar aos nomes dos herdeiros. Começa a ler alto e pergunta:

— Quem é Fábio?

Chorando muito, mas concentrada na conversa, Rosa responde:

— Fábio? O filho de Clotilde chama-se Fábio.

— Clotilde, sua ajudante? Perguntou o investigador.

— Sim, ela mesma. Respondeu Rosa.

— Por que seu marido deixaria um terço de seu seguro para esse menino? Perguntou Davi.

— O que ele fez? Não entendo, ele mal o conhecia.

— Mas está aqui, um milhão de dólares direcionado a Fábio Gimenez Braga e os outros dois milhões divididos entre Téo Ramos Braga e Melissa Ramos Braga. — Disse o investigador.

— Braga! Disse Rosa. Braga é o sobrenome do meu marido.

— A senhora não sabia que ele era o pai do menino? Perguntou o advogado.

— Claro que não, Romeu. Então foi por isso que ele quis trazer a Clotilde para trabalhar aqui. Tudo acontecendo em simultâneo. Meu marido morre, sou acusada de assassinato e também descubro ser casada com um traidor. Agora está tudo completo.

— Então as suspeitas estão agora em Clotilde, ela era a principal beneficiada. Falou o investigador.

— Aquela desgraçada, dormiu com meu marido e ainda o matou. Vá delegado, prenda aquela vagabunda.

— Preciso do endereço da casa de Clotilde.

Rosa pegou um pedaço de papel, anotou o endereço. O investigador ligou para seu colega e solicitou uma viatura no local indicado. Chegaram à porta e foram recebidos por Clotilde, invadiram a casa, já estavam com o mandado, revistaram toda a casa e dentro de uma bolsa embaixo da cama havia uma fruta branca parecida com um olho, o delegado pesquisou na internet e constatou ser o fruto da Erva-de-São-Cristóvão. Clotilde foi algemada e levada para a delegacia. Após negar todas as acusações, foi levada a uma sala reservada com mais dois investigadores que questionaram muito. As provas estavam todas contra ela, o seguro, o testamento, o filho e a planta. Mas ela negou até o fim. Dizia que não teria razão de matar o pai de seu filho, pois ele não deixava faltar nada. Mas os investigadores questionavam mais ainda sobre a questão de o falecido deixar 1 milhão de dólares ao filho dela, mas ela respondia que não sabia desse testamento. Foi questionada sobre a planta venenosa e ela respondia que não sabia como havia parado embaixo de sua cama. Enfim, com todas as provas levadas para o júri, Clotilde foi condenada a vinte e cinco anos de cadeia pela morte do Senhor Antônio Braga.

No dia seguinte da condenação, Rosa foi até a delegacia agradecer o brilhante trabalho do delegado que finalizou o caso.

— Bom dia investigador DT, muito obrigada por solucionar o caso da morte de meu marido. — Não fiz mais que minha obrigação senhora, e me desculpe por tê-la acusado.

— Não se preocupe investigador, com aquelas provas, até eu mesma me prenderia. Mas posso fazer uma pergunta?

— Claro senhora, mas antes feche a porta e sente-se.

— Investigador DT, por favor me responda com sinceridade, como você fez para levar a planta para a casa de Clotilde?

— Senhora Rosa, eu percebi que pessoas do seu status em nosso país não devem ser presas e certamente essa bondade que fiz não irá ser esquecida.

— Com certeza investigador, o que posso fazer para recompensá-lo?

— Não exijo nada em troca, faça o que a senhora julgar que eu mereça.

— Sim, investigador, farei o que for necessário para mostrar minha total gratidão.

— Sei que a senhora fará. Com certeza fará. Afinal eu venci aquela briga.