~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXXIV

Veio a Quinta-feira com uma manhã fria, o céu estava nublado e ameaçava chover. Um dia perfeito para ler um livro, meditar e para alguns, namorar às escondidas.

- Olha para mim, eu só quero um beijo - dizia Thiago, segurando o rosto da empregada Tayná e empurrando-a com delicadeza contra a parede do salão de janta.

- Não posso - disse Tayná, revirando o rosto e se esquivando -, preciso terminar meu serviço...

- Está falando de levar biscoitinhos para o detetive?

- Anh?

- Pensa que não percebo como fica jogando charme para ele? - Thiago fixou o olhar no rosto da empregada, com os olhos entrecerrados.

- Pelo menos ele é maduro, ao contrário de você, que é um moleque! - Tayná jogou no rosto do rapaz um riso debochado, no que ele a segurou com força nos punhos e puxou-a para perto.

- Diz isso só porque sou mais novo que você dois anos? - ele indagou, com o cenho franzido.

Ora a porta do salão se abriu e o mordomo entrou, no que os dois imediatamente se apartaram e dissimularam.

- Perdão, jovem Thiago, mas o senhor Gaspar te procura - enunciou o mordomo, com total conduta, ainda que tivesse notado um clima indiferente entre o rapaz e a empregada.

- A mim? - Thiago perguntou, pressionando a mão contra seu próprio peito e dobrando a testa.

- Sim, senhor.

- Onde ele está?

- Es...

- Já sei - ele interrompeu o mordomo e mostrou um sorriso transparente no lado dos lábios -, em seu escritório, acertei?

- Sim, senhor - confirmou o mordomo.

Thiago saiu do salão de janta sem olhar uma vez mais para Tayná, já o mordomo fixou os olhos nela por alguns segundos, de maneira avaliadora.

- Que foi? - disse com ignorância Tayná e despachou-se para a cozinha.

Ao chegar no escritório do detetive, Thiago parou de frente à porta aberta e viu Ruan sentado diante da escrivaninha, a massagear as mãos.

- Deseja falar comigo? - Thiago perguntou.

- Bom dia, Thiago! - Ruan saudou-o simpaticamente e inclinou o corpo mais para frente - Sim. Estava ocupado?

- Anh... - levou alguns segundos para responder e foi adentrando na sala - Não.

- Que bom - Ruan demonstrou um sorriso de satisfação e apresentou a cadeira em sua frente ao rapaz - Sente-se!

Thiago puxou a cadeira e se sentou de frente para o detetive, ora esse outro jogou a vista na porta da sala e fez um sinal com a mão para pedir que Thiago aguardasse um instante; se pôs de pé, caminhou até a porta e fechou-a, mas sem passar a chave; retornou para sua cadeira e se sentou.

- Aconteceu alguma coisa? - perguntou Thiago, estranhando certos comportamentos do detetive.

- Na verdade, te chamei aqui porque algumas coisas que aconteceram ontem me deixou muito intrigado - disse Ruan, concentrado no rosto de Thiago.

- O quê?

- Primeiro, a maneira como seu pai reagiu quando toque um disco de vinil na vitrola - ele mirou no objeto próximo à porta - Ele ficou tão estérico, tão... Alterado! A música pareceu perturbá-lo demasiado! Até que cheguei a uma conclusão: ele não gosta nem um pouco de música.

- Parabéns - falou Thiago, esbojando um sorriso divertido, ao passo que fitava o detetive -, você acabou de descobrir o segredo de meu pai.

- Mas não foi só o dele que eu descobri - Ruan colocou os cotovelos encima do móvel e lançou um olhar intimidador ao rapaz, apontando com o dedo indicador para ele -, o seu também.

- Do que está falando? - as palavras atingiram Thiago exatamente como o detetive esperava, deixando-o tenso.

- Thiago - ele se fez de pé e começou a caminhar com passos leves de um lado a outro da sala, ao passo que o rapaz se mantinha quieto na cadeira -, desde a primeira vez que te vi entrar no porão com aquela mala, eu desconfiei de algo. Me diziam que eram só livros, mas não, para mim havia algo mais naquela mala... Sabe quando você bate o olhar numa coisa e de imediato desconfia dela?

Ruan andou até a estante, deslizou os dedos na fileira de livros, enquanto se mantinha de costas para Thiago e continuava falando.

- Lembro que na entrevista que fiz com você, mencionei seu curso de medicina e arrisquei em dizer que pelo seu modo de falar acerca disso, não queria cursar exatamente medicina e você quase confirmou. Também nessa mesma entrevista, quando te mostrei a fotografia de sua avó com o senhor Wagner, você falou que gostava muito do músico, se mostrou muito íntimo a ele e até contou que ele te levava para assistir aos concertos, os quais disse que adorava. Perguntei se você gostava de música e você afirmou com demasiada segurança.

O detetive voltou a sentar-se, relaxando as costas na cadeira e mirando na expressão apreensiva de Thiago à sua frente, que até então se mantia em silêncio.

- Bom, você continuou indo ao porão, todavia sem a mala - continuava Ruan a dizer - e como você disse que além de você, somente a faxineira Tayná frequentava o porão, resolvi perguntar à ela se porventura já havia visto algo de diferente lá e ela respondeu que não. Ainda assim, minhas desconfianças continuaram. Aconteceu que, ontem quando você foi ao porão, deixou um papel cair e eu o apanhei... Era uma folha com notas musicais. Eu perguntei comigo: mas, por que Thiago precisaria disso durante seus estudos? O que isso tem a ver com Anatomia? Bom, na folha estava escrito o título de uma música, "La Ronde des Lutins, de Bazzini. Eu conheço, é uma música tocada por apenas dois instrumentos: um piano e um violino.

Ele ergueu-se novamente do assento e caminhou até ficar por trás de Thiago, esse que parecia ter paralisado, perdido todas as palavras no fundo de sua garganta e não era para menos! Ruan sempre revelava uma nova surpresa e intimidava-o, mesmo que essa não fosse sua intenção.

- Pensei: então só pode ser coisa assim que ele esconde lá embaixo! Bem, um piano não deve ser, hehe... Mas quem sabe um... Violino - ao Ruan dizer essa última palavra, Thiago espremeu os olhos e mordeu os lábios, como se o que mais temesse tivesse acontecido; porém, o rapaz ainda nada disse, dando espaço para o detetive prosseguir - é isso, um violino! Você disse que amava assistir os concertos, seu avó tocava violino... Então você só podia estar escondendo um violino no porão! E obviamente tocando-o, levando em consideração o papel que peguei do chão com partituras. Mas, como o levaria até o porão sem ninguém o ver? Quem sabe... Dentro de uma mala, sim, uma mala! Passaria de um lado para o outro com ela e todos pensariam que eram apenas livros, sabe? Esses livros enormes de Anatomia... Mas, por que ir até o porão para tocar violino? Quem sabe porque seu pai não suporta música e o porão é o cômodo mais afastado dos demais da mansão, então lá ninguém poderia te ouvir tocar. Também ontem, te vi voltar do porão com a mala, justamente um dia antes de Tayná fazer a faxina no cômodo, pois tirando a mala antes disso, você evitaria de ela encontrar o violino durante a limpeza.

Ruan fez a volta no móvel para olhar Thiago de frente, porém não se sentou, só apoiou as mãos encima do móvel e inclinou para frente os ombros.

- Surpreso? - indagou Ruan, fitando Thiago, com vestígio de um sorriso nos lábios.

- Sim - afirmou Thiago, num tom abalado, e sem muitos movimentos.

- Então estou certo?

- Está.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 01/10/2016
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