ROTAS INTERESTADUAIS

O indivíduo era conhecido como Semente onde vivia na periferia de São Paulo. Diziam que o apelido veio simplesmente pelo fato de esse tal indivíduo sair plantando uma tal ‘sementinha’ nas menininhas do bairro.

“Embarrigou umas quatro, fora as que a gente nem sabe!” - a mãe do Semente contava. Ele quase nunca comentava sobre as suas plantinhas; nem as da barriga, nem das que andava plantando e fumando, – e vendendo – fugindo sempre dos olhos da polícia.

"No crime não entro, sou homem honesto”, Semente teimava sempre em repetir para seus companheiros da labuta diária.

“Se o calo aperta, peão tem que pular”, seu comparsa Feijão sempre dizia.

Semente um belo dia recebeu uma notícia (in)esperada: mais um filho pra coleção. O problema era ele ter feito o filho em uma mulher casada. O marido dela jurou Semente de morte. É claro que ele sabia que se vacilasse, ficaria realmente pra semente.

Feijão, Zico e Neco enfiaram o Semente em um avião com destino a Foz do Iguaçu, no Paraná. Zico disse que tinha uns contatos na fronteira e um barão ia dar uma boa grana pro Semente trabalhar transportando uns equipamentos ilegais do lado paraguaio ao brasileiro.

Foi aí que o Semente foi germinando e se tornou um laranja.

Laranja.

Esse era o código que Galo, o barão, havia dado para o antigo Semente.

Galo e Laranja eram parceiraços. Laranja fazia o serviço pesado enquanto Galo aguardava os produtos para distribuir para outros pontos, entre eles Rio de Janeiro, Guarulhos e Recife, principalmente. Quando os eletrônicos chegavam do lado brasileiro tudo ficava um pouco mais delicado.

“Os polícia tão de olho Laranja, fica ligado, véi”.

Laranja gostava do que fazia, já nem sentia mais falta da periferia e dos velhos companheiros. Também não temia mais o desconhecido.

Laranja era o cara.

Laranja sonhava em juntar uma grana e trazer a mãe pra morar com ele nessa cidade onde o crime é quem governa. Laranja, querendo ou não, fazia parte da máfia. Ele se sentia poderoso, com o mundo em suas mãos. Ele também sentia falta dos filhos que abandonou, das besteiras que fez... mas não se arrependeu.

Não.

“Arrependimento é pros fracos!”

“Você é fraco, Laranja?”

“QUAL É, VAI AMARELAR, LARANJA?”

Ele ouvia os caras gritando em seu ouvido.

Ele estava sendo pressionado pra levar uma tonelada de armamentos pesados para a Rocinha, no Rio. Galo prometeu uma boa grana.

“É prum parceiro meu, o Lico. A gente cresceu junto, sabe. Ele vai tá te esperando no lugar combinado com as prata na mão”.

Antes de entrar no caminhão, Laranja usou tudo o que podia para manter a calma e conseguir manter-se acordado. Eram quatro e quinze da madrugada de uma quarta-feira. Deveria estar no Rio até o outro dia à noite.

Injetou muita adrenalina na veia e não quis beber nada, com medo de ser pego por algum policial.

Laranja tremia muito ao inserir a chave na ignição do caminhão. Sabia que se fosse pego, ia morrer na mão da polícia. Pensou em desistir, mas se lembrou do Galo dizendo que se ele amarelasse, – o que virou uma tremenda piada, por que fazia jus ao nome - poderia esquecer sua vida, pois Lico e sua trupe o procurariam até no quinto dos infernos para liquidá-lo. Não havia saída: ele tinha de, qualquer jeito, levar a mercadoria e fazê-la chegar às mãos de Lico.

Laranja ligou o motor e seguiu rumo ao Rio. Foram 1.492 quilômetros de muitos desvios e também tormenta, aflição, pânico. Dois dias e uma noite andando sem parar, Laranja tinha se esquecido até de comer. Só queria encontrar logo Lico, entregar a mercadoria, pegar os R$ 18 mil que o Galo tinha prometido e buscar sua mãe pra começarem uma nova vida.

Laranja não queria mais voltar para a vida desonesta que vinha levando. Ele havia jurado que ao tocar naquela grana, ia comprar uma casinha em qualquer lugar e tirar a mãe da periferia. Seu sonho estava prestes a se tornar realidade.

Passou pelas praias. Eram dez e quinze da noite de uma quinta-feira de setembro. A primavera estava desabrochando juntamente com as flores mais belas que naquele instante estavam exalando seus perfumes pelos bares das cidades, nas mãos dos barões, metidas em seus vestidos em detalhes de renda, seus saltos muito altos e bolsas lantejouladas, feitas propriamente para usar à noite.

Por mais que fosse tentador, Laranja não podia parar pra pegar uma garota no meio da rua e dizer: “Gata, estou indo ali ficar rico. Quer me acompanhar?”

Não, não iria colar.

Pelo menos não com aquelas lindas e caras garotas dos barões.

Laranja reconheceu o lugar onde havia marcado para se encontrar com o Lico. Era uma rua estreita, fétida e escura, quase na porta do morro.

Desceu do caminhão, estava muito escuro. Laranja ouviu alguém se aproximando, estava tonto ainda da viagem. Não havia comido, não havia dormido. Estava tal qual um morto-vivo.

Laranja ouviu passos cada vez mais próximos. Eram muitos. Muitos passos. Muitas pessoas. Ele se sentiu sufocado. Sua visão estava embaçada e sua boca estava muito seca. Ele não estava mais se aguentando em pé.

“Já vi laranja podre em melhor estado do que você” - Laranja sentiu um calafrio percorrer a espinha ao reconhecer a voz de Galo e ouvir mais umas risadas ao fundo, próximas aos seus respectivos vultos.

Sentiu-se atordoado. Perguntas, perguntas, perguntas. Perguntas que vinham e delas não obtinha respostas.

O que Galo fazia ali?

Quem eram aquelas outras pessoas?

O que faziam ali?

CADÊ MINHA GRANA?

Em menos de um segundo depois, alguém segurou os braços de Laranja e explodiu seus miolos. Seu corpo foi jogado ao chão.

Lico, após terminar o ato, olhou para Galo e sorriu. Ambos sentiam-se poderosos. Em suas mãos, mais uma laranja acabara de virar apenas um bagaço.

Alucy
Enviado por Alucy em 16/06/2014
Código do texto: T4847059
Classificação de conteúdo: seguro