Vingança

Durante oito meses Juliano não dormiu direito, nem comeu, nem viveu, esperando pelo julgamento do homem que havia matado sua filha.

Naquela manhã quente de Dezembro, na porta do tribunal enquanto esperava pela hora do julgamento, ele rezava e pedia para que a justiça fosse feita. Para que aquele homem pagasse pelo que havia feito. Seu estomago se revirava, mas não era de fome, era de ansiedade, raiva, angustia e esperança. Esperança de que haveria justiça para sua filha. E então a sessão teve inicio.

Juliano ficou frente a frente com aquele assassino mais uma vez. E o assassino o olhava com aquele olhar frio e sarcástico comum a esse tipo de pessoa.

Quando a juíza entrou, a cara do assassino se transformou como se ele fosse um ator de filmes dramáticos, sua feição mudou e ele era naquele momento a própria face da inocência.

Todos sabiam que ele havia sequestrado aquela menina, feito tudo que quis com ela por dois dias e depois a matado. Havia até uma testemunha que o havia visto sequestrando a garota.

O julgamento teve inicio e então os promotores começaram a mostrar as provas que tinham contra o réu. Mostraram fotos da menina, do cativeiro, falaram como tudo havia acontecido e que de acordo com algumas das leis que eles citaram o assassino deveria ser condenado a pena máxima.

Logo depois dos promotores terem feito suas colocações vieram os advogados de defesa alegando que o réu era uma vitima do sistema, que ele não podia ser responsabilizado por seus atos, chegaram ao absurdo de dizer inclusive que a culpa havia sido da garota por estar passando naquele lugar àquela hora. Todos olhavam espantados para os advogados de defesa enquanto o assassino continuava com aquele olhar de piedade por trás de um sorriso sarcástico e Juliano com seu olhar incrédulo diante de tantos absurdos. Porém a pior parte foi quando os advogados, depois de terem falado por muito tempo, alegaram que, como o seu cliente era réu primário, e não havia sido preso em flagrante, ele não poderia ficar preso. Seria como eles disseram, “um atentado contra as leis e a constituição”.

A juíza pediu um recesso para chegar a uma conclusão e retornou após mais de uma hora.

- Senhores, cheguei a uma conclusão. – disse a juíza ao retornar.

- De acordo com as evidencias apresentadas eu declaro o réu culpado pelo assassinato.

As pessoas que estavam presentes no tribunal começaram a comemorar a decisão e a juíza teve que bater com o martelo na mesa para pedir silêncio e poder completar o que estava dizendo. Então continuou:

- Eu declaro o réu culpado pelo assassinato, porém de acordo com as leis do nosso código penal, o réu não tem antecedentes criminais e também não foi pego em flagrante.

Todos ficaram perplexos ao ouvirem essas palavras e o mundo parecia desmoronar para Juliano. Ele não podia acreditar que aquele monstro escaparia daquele jeito. A juíza prosseguiu:

- O réu ficará preso por sete anos.

Depois de ouvir isso Juliano não conseguia mais ouvir a voz da juíza, só sabia que estava acontecendo alguma confusão no tribunal, mas não conseguia entender nada. Ele só ficava ouvindo a voz da juíza dizendo “sete anos” o que na verdade significava que ele ficaria no máximo uns cinco anos se não fosse menos. Seus olhos cruzaram com os do assassino que estava com um sorriso de satisfação no rosto como se tivesse ganhado um prémio.

A confusão era grande no tribunal e a policial entrou para conter os ânimos das pessoas e também para levar o assassino embora.

Na saída toda a imprensa estava falando sobre o desfecho do caso. Muitas pessoas davam depoimentos inconformados com aquele final. Juliano saiu por uma porta nos fundos do tribunal e foi levado para casa por seus familiares. Ele não disse uma palavra.

Um ano depois da perda de sua filha, Juliano se afastou de sua pequena empresa por estar com depressão e estava prestes a se separar de sua esposa. As brigas eram constantes e ele começou a tomar remédios fortes para controlar a depressão.

Certo dia ele saiu no final da tarde de uma sexta-feira e voltou apenas na noite de domingo sem dar explicações.

Na segunda-feira pela manhã os jornais matinais noticiaram que haviam sido encontrados os corpos de três jovens que foram assassinados em um matagal em uma área afastada da cidade. Os três estavam desaparecidos desde sexta-feira à noite quando saíram para uma festa, mas não chegaram ao local.

Patrícia, a esposa de Juliano, achou aquela noticia estranha, porque foi justamente o tempo no qual o marido havia ficado desaparecido.

Por volta das 08h30 da manhã a campainha da casa deles tocou e quando Patrícia foi ver quem era levou um enorme susto ao ver tantas viaturas da policia em sua porta. Os policiais mostraram um mandado de prisão em nome de Juliano e foram entrando na casa assim que ela chegou perto do portão. Sem reação, Patrícia só ficou olhando enquanto os policiais levavam seu marido ainda vestido de pijama para o carro deles e seguiram com as sirenes ligadas para delegacia.

Quando os policiais entraram na casa de Juliano, ele já estava acordado e esperava deitado pela entrada dos policiais. Ele passou pela esposa que olhava a tudo espantada e foi jogado no carro da policia.

No caminho para a delegacia os policiais tentaram fazer com que ele falasse alguma coisa, mas Juliano permaneceu mudo.

Na delegacia ele foi levado para a sala do delegado que começou a lhe fazer varias perguntas sobre o assassinato daqueles três rapazes, mas Juliano não respondia a nenhuma delas.

Algum tempo depois a imprensa já cercava a delegacia, quando entraram três carros no pátio da policia com placas do governo e deles desceram três homens que pelo semblante estavam arrasados, mas que caminhavam com firmeza em direção à sala do delegado.

- Você sabe quem são aqueles rapazes que você matou? – perguntou o delegado para Juliano, mas ele continuava mudo.

- Cara, os pais deles estão chegando e você não sabe onde se meteu. Você se enfiou onde não devia. – continuava o delegado querendo mostrar para Juliano que estava tentando ajuda-lo, quando na verdade o que ele queria era uma confissão.

- Me fala porque você fez isso, que eu posso te ajudar. De repente a gente consegue “aliviar” sua pena se você confessar.

- Eu quero um advogado. – disse Juliano.

O delegado olhou por cima dos ombros de Juliano e disse:

- Você pode chamar um advogado. Depois que eles falarem com você.

A porta do escritório do delegado se abriu deixando entrar um pouco do barulho da confusão que estava acontecendo lá fora, mas quando a porta se fechou o silencio voltou a sala.

Três homens de estatura mediana vestindo ternos pretos elegantes, mas com os rostos acabados pelo sofrimento estavam ali junto com Juliano e o delegado.

Um dos homens pegou Juliano pelo pescoço e começou a esgana-lo com muita raiva. Juliano estava algemado a cadeira e não conseguia se defender, quando varias luzes de flashs foram disparados pela janela. Os repórteres conseguiram encontrar uma maneira de chegar até ali e ver o que estava acontecendo. O delegado e os outros dois homens fizeram o terceiro soltar o pescoço de Juliano e depois o delegado foi fechar as cortinas de sua sala.

Juliano estava tentando recuperar o folego enquanto um dos homens começou a falar.

- Você sabe quem nós somos?

Juliano balançou a cabeça afirmativamente.

- E você sabia quem eram aqueles meninos que você matou?

Juliano mais uma vez confirmou com a cabeça.

- E você sabe o que vai acontecer com você?

Por um momento houve silêncio na sala e então Juliano olhou para os homens e disse:

- Eu sei o que vai acontecer. Você quer que eu diga?

Os homens olharam com frieza para ele.

- Eu vou ficar preso por algumas horas e depois vou pagar a fiança que um juiz qualquer vai estipular.

- Você não terá fiança! – disse um dos homens com raiva.

- Terei sim! – continuou Juliano. – Eu nunca cometi nenhum crime! Ou seja, eu sou réu primário e também não fui preso em flagrante! Portanto terei direito a fiança sim!

Aquilo deixou os homens sem reação. O que ele estava falando era verdade e eles sabiam. Eles não queriam aceitar, mas aquilo iria realmente acontecer. O máximo que eles podiam fazer era retardar isso em alguns poucos dias.

- E vocês sabem como eu sei disso? – disse Juliano e continuou sem esperar pela resposta – Eu sei por que foi isso que aconteceu com o assassino de minha filha!

Os homens ficaram se olhando, perplexos.

- E respondendo a sua pergunta, senhor deputado. Eu sei sim quem vocês são. Todos sabem! Vocês são aqueles que fazem as leis! Só que vocês só fazem leis que protegem os bandidos! Vocês, que deveriam defender o povo, o honesto, o trabalhador e o pai de família! Vocês fazem leis que beneficiam apenas os bandidos!

Juliano estava com lagrimas nos olhos e ninguém tinha palavras para respondê-lo. Ele continuou.

- Eu nunca pensei em fazer nada disso. Tudo que eu queria e acreditava era na justiça. Acreditava que o culpado pela morte de minha filha fosse condenado justamente. Mas não foi isso que aconteceu e não é isso que acontece! Só que paga são os justos, os culpados sempre se safam e sempre recebem regalias!

- Eu vou dizer o que vai acontecer agora. – continuou Juliano – Eu vou pagar a fiança como já falei e daqui a uns seis meses vou ser chamado para a audiência, na qual eu vou usar todos os recursos da lei que você criaram para que eu possa sair com uma pena mínima e ridícula de alguns poucos anos. Depois eu vou pedir revisão dessa pena por bom comportamento e por trabalhar no presidio, ai no final das contas eu vou estar de volta às ruas antes que se passem cinco anos. É isso que vai acontecer senhores. Agora chamem o meu advogado porque eu tenho meus direitos!

Como Juliano havia dito, ele pagou fiança e saiu para responder ao processo em liberdade. Alguns meses depois ele foi julgado e condenado a 15 anos de prisão com direito a revisão de pena para o regime semiaberto na metade desse tempo.

Juliano ria para os deputados que assistiram ao seu julgamento.

Depois disso, aqueles deputados que haviam perdido seus únicos filhos para aquele homem louco, fizeram um juramento entre eles. Eles iriam rever todo o código penal e mudariam o que fosse preciso para que Juliano tivesse um novo julgamento e pegasse pena máxima para esses assassinatos e consequentemente todos os outros bandidos que fizessem algo parecido no futuro.

As leis iriam mudar e era isso que Juliano queria. Ele não se importava se seria o primeiro a cumprir as novas leis, mas o importante era que agora elas iriam mudar e iriam realmente punir os culpados de forma justa. Sem os absurdos que a leis atuais disponibilizam para que os bandidos escapem sem punições merecidas como acontecem em outros países.

Antes de ser levado para o presidio, Juliano se despediu da esposa e pediu desculpas novamente pelo que havia feito. Ela disse que ele não precisava se desculpar, que ele havia feito o correto e que ela compreendia tudo agora.

Durante o tempo que passaram juntos antes do julgamento, ele havia explicado tudo para ela e como tudo iria acontecer de agora em diante. Ele a havia instruído sobre como funcionava sua pequena empresa e ela cuidaria de tudo enquanto ele estivesse preso. Ele havia deixado tudo preparado para que ela não passasse nenhuma dificuldade. Ele só pediu uma coisa para ela. Ele não queria que ela fosse visita-lo na cadeia. Ele não queria que ela passasse por isso. Eles iriam se reencontrar em poucos anos. Logo ele estaria de volta.

Juliano foi levado para a cadeia municipal.

Poucos dias depois em uma briga dentro da cadeia Juliano matou um homem. Porém ele não havia matado qualquer homem que estava preso lá com ele. Ele fizera de tudo para ser mandado para aquela cadeia em especifico porque ele sabia que em poucos dias o assassino de sua filha iria ganhar liberdade condicional e não era isso que ele queria. Juliano cuidou para que isso não acontecesse. Quando o assassino viu o pai da menina que ele havia assassinado vestindo a mesma roupa que ele dentro presidio ficou desesperado, mas não havia mais o que fazer. Juliano se aproveitou de uma briga dentro do presidio para caçar aquele assassino e mata-lo com as próprias mãos.

Quando Patrícia recebeu a noticia. Ela percebeu que tudo havia saído Juliano havia planejado.

Depois de perder sua filha e do assassino receber uma pena ridícula por isso, Juliano percebeu que a única maneira de mudar as leis seria atacar quem faz as leis. Por isso os bandidos não atacam políticos, porque se eles atacarem sabem que isso pode acontecer e não é interessante para eles. Porém, pensou Juliano, não adiantaria atacar diretamente os políticos. Se um deles morre, rapidamente é substituído por outro. Eles teriam que sentir na pele o que ele sentiu. Eles teriam que sentir muita raiva e frustração para que isso fizesse com que eles mudassem todas as leis. Sendo assim, só havia uma maneira de fazer isso. Ele teria que atacar a família deles. E assim como ele havia perdido sua filha, aqueles homens perderiam seus filhos.

Durante um ano ele planejou tudo. Vendeu alguns terrenos que tinha e ensinou a mulher a administrar sua empresa sem que ela percebesse o que ele estava planejando na época em que se afastou por depressão.

Quanto ao presidio, não foi tão difícil saber que ele iria para o mesmo que o homem que ele queria matar. Todos os assassinos iam para o mesmo presidio e a justiça não iria perder seu precioso tempo para procurar saber se eles estariam no mesmo lugar ou não. Eles não se importavam até então.

Depois de dois anos as leis foram revistas. A alteração mais significativa foi a pena máxima que era de 36 anos e passou a ser a de prisão perpétua. Eles concluíram que como a justiça estava evoluindo a passos lentos não poderiam incluir a pena de morte porque muitos que poderiam ser realmente inocentes acabariam morrendo. Para Juliano a prisão perpétua estava ótimo. Foi melhor do que ele pensava.

Os deputados quiseram enquadrar Juliano nas novas leis, porém a maioria dos juízes foi contra, justificando que as leis teriam que ser aplicadas a crimes a partir da modificação das leis, pois se eles fossem rever as penas de Juliano, teriam que fazer isso com todos os outros milhares de presos e isso seria inviável.

Após quatro anos Juliano pode cumprir sua pena em regime semiaberto e dois anos mais tarde ele foi posto em liberdade.

Ele sabia que não seria completamente livre, pois sua consciência pesava por aqueles jovens que tiveram que pagar por seus pais. Mesmo assim ele foi seguindo a vida e esperando pelo momento de pagar sua divida, mas com a certeza de que se não tivesse feito nada, tudo estaria igual ou pior do que antes.

Fim.

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 09/01/2013
Código do texto: T4075111
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