(O julgamento do) Doutor Carlos.

Uma noite de terça-feira, num tribunal conhecido.

Muitos dos presentes estavam inquietos e estupefatos. Ninguém acreditava que aquele homem, sequer um dia passasse perto do banco dos réus, contudo, a sentença fora dada, o Juiz o declarara culpado. Culpado pelo assassinato frio de um homem que fora o companheiro de estudos do Réu na época da faculdade, considerado por todos que os conheciam, inclusive por ele próprio, como seu melhor amigo. Um crime sem justificativas aparentes, segundo as investigações, não haveria motivos quaisquer para o ato, foram então formuladas hipóteses tais como insanidade, instabilidade mental, entretanto como nada disso teria sido percebido antes?

Ele, o renomado Doutor Carlos Antônio Siqueira, que se formara há tão pouco tempo e se tornara tão famoso por suas impressionantes habilidades como cirurgião. Geralmente descrito como rapaz calmo e gentil; segundo os laudos, matara lentamente a vitima, com aparelhos de cirurgia, na casa da mesma e fora ele quem telefonara para a polícia avisando que havia acabado de assassinar o homem. Preso em flagrante!

Neste dia, diante do Juiz, com um olhar seco, um rosto sem expressão, contrário ao terror nos olhos e o horror na face de todas as pessoas presentes, tanto pela falta de crença do que acontecera quanto pela frieza do assassino depois de tudo aquilo. Seus familiares choravam ainda descrendo de que ele, sempre tão bom fizera algo do tipo. Sua mãe fora retirada do local, por passar mal diante do julgamento.

A sentença? Trinta anos de prisão.

Penitenciara terça-feira, três meses após a prisão.

Os companheiros de cela do Doutor não acreditavam que um homem como aquele estava preso. Dê que culpa ele estava tratando de pagar? Ninguém, em momento algum conseguira tirar respostas de quaisquer perguntas feitas a ele e menos ainda os carcerários lhes contariam. Havia quem acreditasse, naquele cela superlotada, que ele ao contrário dos outros, fora injustiçado e atirado ali, sendo assim, por que não reclamava? Mas não, o tal Doutor ficava, sempre num canto, lendo seus livros sobre medicina, fosse quando fosse como alguém que não se importava em estar no lugar que estava. Certamente culpado de seu crime, mas de que crime?

Tarde da noite, em algum momento próximo à meia noite, ao chegar a certa página de seu livro, um dos quais estudara na faculdade, ANATOMIA HUMANA, uma foto despencara, pois estava entre as folhas, na foto uma garota loira, de olhos verdes-azulados feito uma visão perfeita do mar, fazia pose para a câmera. A pegara no chão próximo a si, a olhara friamente durante um tempo; lembrou dos momentos que teve com a garota e seu 'amigo', como a amava, uma pena que nunca recebera o que desejava em troca; então, de súbito, tomado por um semblante assustador, caíra numa gargalhada terrível. Todos os encarcerados olharam estupefatos com a cena.

Delegacia e casa da vítima, certo domingo à tarde, dois anos após a prisão.

Um telefonema estranho chamou a atenção de um dos funcionários da delegacia: - Estava cavando no meu quintal para... Oh meu Deus, venham ver isso... Não sabia para quem ligar... Oh meu Deus... São ossos...- era uma mulher, aparentemente assustada e nervosa. O endereço não era de todo estranho para a mulher que atendera ao telefone, que por um acaso fora quem atendeu há anos atrás o Doutor assassino.

Após algum tempo, a perícia finalmente desenterrara todos os ossos e coletaram amostras para analise, assim como todos os restos de objetos que estavam no local. Logo a ligação fora feita, segundo as condições dos ossos, estavam ali desde um pouco antes da prisão feita naquela casa há dois anos, o delegado tinha quase certeza de que havia um elo entre esses ossos e o assassinato.

Não demorara mais de duas semanas até que finalmente foram entregues os resultados dos exames feitos nos ossos. Eram de uma garota, desaparecida a pouco mais de três anos e que segundo dados recolhidos com os familiares dela (que agora tinham uma certeza após o seu desaparecimento), namorava o homem assassinado pelo Doutor Carlos na época em que a mesma desapareceu e que provavelmente estava grávida (o que fora confirmado pelos exames). Na faca (a provável arma do crime) encontrada junto aos restos mortais, as impressões digitais encontradas eram do homem assassinado. Estavam descobrindo os motivos do assassinato? Vingança? Qual a ligação?

Penitenciária, certa quinta-feira dois anos após a prisão.

O guarda de plantão naquela noite ouvia a um rádio, com o volume a certa altura enquanto andava por entre os corredores. Quando estava próximo à cela onde o Carlos estava preso, uma noticia soou e chamou-lhe a atenção:

-São encontrados os restos mortais da garota desaparecida a mais de três anos. Luisa, vinte anos, morta a facadas, grávida na época de seu assassinado. Seus ossos foram encontrados enterrados no quintal da mesma casa onde ocorrera o assassinato de Marcos, cometido pelo seu antigo colega de faculdade.

Ao ouvir isso, Carlos se sentou, e rira seca e terrivelmente como fez há muito tempo atrás e depois disse baixo como quem fala consigo mesmo:

-Nos veremos no inferno Luisa, meu amor, e você também meu amigo. Somos todos pecadores.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 12/10/2011
Código do texto: T3272585
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