Dr. Dimitri - N° 05

Ronyvaldo Barros dos Santos

Dr. Dimitri

N°05

Parte I – Do que se conta sobre o cruel homicídio do pastor Samuel Xaves e os mais pérfidos cultos satânicos

Sempre que se notava um problema iminente com um dos seus fiéis, o pastor Samuel acolhia cada um deles com muita paciência e humildade. Detinha de todas as informações consistentes sobre cada um deles. Era um homem admirado por toda a comunidade, sendo conselheiro, amigo, pai, filho, irmão, combinando entusiasmo e fé.

À medida que o seu amor pelas pessoas acrescia gradativamente, o seu anseio de salvar àqueles que necessitavam de ajuda aumentava. E junto a esta vontade particular enfrentava diversos desafios. Uma vez, por exemplo, contam, tentou levar à igreja alguns jovens que faziam parte de uma das mais abominadas gangues. Porém ele não poderia compreender que para um bem há um mal similar e que aqueles jovens participavam dos cultos satânicos mais hediondos.

Rezam muitos que à medida que o pastor Samuel Xaves acreditava estar mudando o coração daqueles jovens, o grupo satânico se atentava aos “inimigos”, armando-se de diversos feitiços, alguns muito poderosos e letais.

É certo, contudo, que o pastor fora encontrado na manhã do dia trinta e um de outubro com todo o corpo decepado, a cabeça encravada numa cruz de meio metro de altura, nos braços inscrições demoníacas, porém o tronco não fora encontrado no local.

Parte II – Comemora-se vida à atriz Kristin James

Desde o fato que se deu com o jovem prodígio, Dimitri desejava encontrar com o assassino. Já sabia onde o homem se encontrava. Porém imaginava que não fosse a hora certa de agir, pois esperava um momento em que incitasse toda a polícia.

O detetive despertou e logo pediu o periódico chá das sete. A seguir avistou Julius com um ar fantástico e melancólico.

— O que sucedeu, homem? — indagou Dimitri sem qualquer aversão.

— Nada, senhor, estou apenas com vertigem, porque encontrei com uma antiga namorada e acorri dela — respondeu o aprendiz.

— Não seja tolo, garoto, sabes que não se deve correr de mulheres, tendes a enfrentá-las, senão serás julgado virado às avessas — disse o nosso herói.

— Deixe de apoquentações, meu senhor, pois não soube que hoje é o aniversário da atriz Kristin James?

Dimitri saltou do canapé em que jazia e, com uma vivacidade juvenil, disse:

— Percebi que este era o dia da nossa alegria; então por comemorar-se o nascimento e vida da tão sublime senhorita Kristin James — Dimitri se sentou com um contentamento exorbitante. — Senta-te, Julius, e atente-se aos preparativos para uma patuscada.

De abrupto apareceu-lhes o vice-delegado com um novo trabalho para o grato investigador.

— Não vais acreditar no mais bárbaro dos crimes já prescritos. Estamos todos horrorizados com o assassinato de um pastor evangélico — informou o vice-delegado.

— Estamos aos preparativos do aniversário da senhorita Kristin James. Não poderei intervir no caso — disse Dimitri.

— Como não, detetive? Estás louco?

— Um homicídio pode ser desvendado pela polícia, não?

O vice-delegado não compreendeu a intenção do investigador Dimitri Kosovski.

— Pois bem, caro detetive. Sabes, contudo, que se assim for perderás o mérito pelo desvendamento do mais bárbaro e terrível crime civil.

— Então não sabes que pouco me importa? Sou o Dr. Dimitri, o maior investigador de todos os tempos após Sherlock Holmes e sempre o serei.

— Obviamente perderás o posto para o grande Capitão Meirelles.

De pronto o nosso herói mudou de idéia. Meirelles era o maior inimigo de Dimitri e ele não deixaria que este investigador ficasse com toda a honra pelo pior crime já prescrito.

— Ora, vamos ao novo caso — disse ao vice-delegado.

Não havia nenhuma prova de quem participara do homicídio atroz. O grupo que executara o assassínio tinha os seus membros secretos e não auxiliariam de forma alguma nas investigações policiais. O nosso herói ainda não sabia como desvendaria o crime, porém tinha certeza de que logo encontraria uma solução definitiva para o episódio.

Os autores do crime trataram de não deixar pista alguma, por isso muitos comentavam que o delito teria sido executado pelo demônio pessoalmente. Mas Dimitri não acreditava em atividades sobrenaturais. Tendia a investigar baseado em teses comuns, principiando a sua perícia observando detalhes do local do crime. Achava que encontraria algo que desvendasse o caso, todavia todos sabiam que não havia nada de suspeito naquele lugar assombroso.

Certo é que um crime tão bárbaro merece a dedicação integral do nosso herói. Neste ínterim o senhor Kosovski pensava parcialmente no aniversário de Kristin, esquecendo-se, às vezes, de todo o resto.

Entendeu-se que o pastor Samuel Xaves, sendo conhecido como o senhor da benevolência e do bom apreço, corria perigo uma vez que ministrava palestras em todo o bairro sobre a violência e o uso indiscriminado de drogas, dizendo conhecer integrantes da gangue que liderava a bandidagem naquela cidade.

Dimitri percebeu que havia algo de interessante no local do crime. Encontrara um fiapo de um tecido muito caro, conforme lhe diagnosticara um perito criminalístico. Deveria pertencer a um fidalgo qualquer. A questão era: por que um homem com grave poder aquisitivo iria até aquele lugar se não fosse para cometer um crime? A cena era devastada por lixo e animais de rua.

Por enquanto o senhor Kosovski tratou de desaperceber a contribuição daquele grupo satânico tão comentado pela população do lugarejo.

Neste tempo Dimitri se ateve ao caso, esquecendo-se de todo o resto. Combinou de encontrar-se com uma testemunha que telefonara e guardara sigilo quanto à sua identidade. Sabia que era perigoso, todavia o homem deixara claro que saberia se a polícia estivesse com ele e não queria de forma alguma a presença de policiais. O nosso herói decidiu por ir ao local do encontro em hora marcada e sem a presença de outra pessoa que viesse a comprometer as declarações do sujeito. Neste momento todos os policiais que investigavam o caso eram pressionados pelo governo simplesmente pela repercussão do episódio, que enternecera todo o país. Muitos repreendiam a coragem e determinação do senhor Kosovski, contudo entediam que para solucionar o caso era primordial a cooperação de alguém que desse pistas e que informasse por onde principiar as investigações que se resumiam ao resto de fazenda encontrado.

Parte III – O confuso encontro de Dimitri com horripilantes revelações

Após tomar o seu chá das vinte, o senhor Kosovski foi ao encontro da testemunha. Tal era a feição do homem que se dizia ser o sabedor do acometimento ao pastor que Dimitri chegou a rir interiormente. Contudo nada deveria estar como imaginava o nosso herói.

O homem, bem se poderia dizer, era esgalgado e atrevido. Achava-se o jurado e bem sabedor da jurisprudência. Ademais disse para Dimitri:

— Homenzinho — o detetive era alto e atlético, por isso ri-se neste ponto —, sabemos que sou o único que posso ajudá-lo. Por referir-se ao pacto com o diabo, alento-te para o Al Azif, o grimório do americano doudo. Mas nada passou disso, por não existir este tipo de pacto, então se buscou algo praticável e encontrou-se em Shiva, o destruidor, a confirmação deste acesso. E então o adorador do deus Adonay deveria morrer para que Shiva prevalecesse.

— Claro que és apenas uma testemunha, porém faça valer a pena, aponte logo o culpado — sugeriu Dimitri.

— Faço-lhe saber, primeiramente — prosseguiu desapontado o homem —, que fazia parte de uma gangue denominada El Shiva em que o chefe másculo era supremo entre todos e nunca mostrava o seu rosto, salvo para mim, que era o seu confidente. Mas o tempo passou e o deus nosso nunca se mostrou preocupado com nossa alma que Ele tanto queria. Às vezes julgava ter nos dado riqueza, deste modo pediu que matássemos o pastor e nos disse em detalhes como isso deveria ser, ao passo que nenhum de nós poderia exitar, senão o contrato seria antecipado.

O nosso herói ficou pensativo, esperando talvez algo que lhe fizesse lembrar de algum detalhe irrevogável. Ao que retrucou:

— Às vezes os deuses devem aprender com os mortais algo que lhes sirva de auxílio. Vejo, todavia, que necessito desvendar quem pertence a este grupo ao qual fizeste parte. Senão não será válido o nosso encontro desta noite.

O estranho senhor recuou dois passos, ainda fitando o detetive e retorquindo:

— És um tolo, meu senhor, porque nunca disse que faria facilitar o seu trabalho. Nem ao menos sou traiçoeiro ou parvo. Solicito-lhe cuidado nas coisas dos anjos. Como cuido para fazer valer-me a vida, sou um seguidor do soberano Shiva e por Ele farei muito mais que matar um sacerdote de Deus.

— Não acredito em tais tolices. Valha-me Deus! — exclamou o senhor Kosovski.

Repentinamente alguém atingiu por trás o nosso herói, que desfaleceu de abrupto.

Parte IV – Dimitri encontra-se com os assassinos

Dimitri sonhara que Kristin o requestara. No entanto, realmente corria perigo, pois estava cercado por integrantes de El Shiva. Todos estavam com a cabeça coberta por um capuz que não lhes deixava cair o semblante. O detetive então procurou por detalhes que pudessem revelar o local onde se encontrava e pelo menos mais um integrante do grupo satânico.

Os homens faziam um culto. Formavam um círculo e, de mãos dadas, louvavam o seu deus em língua diversa.

O senhor Kosovski estava com as mãos atadas e não podia se mover com facilidade.

O homem que dizia ter feito parte da seita se ajuntou a todos e também fez parte daquela roda. Repentinamente, aos olhos do detetive, aquele senhor se transformou numa espécie de animal, peludo e feio.

O nosso herói não sabia, mas deveria ser sacrificado naquela noite em nome de Shiva. Valham-nos, porém, a esperteza de Dimitri, que não passou ainda pela nossa história. Vendo-se firme numa cadeira velha e à sua frente podendo avistar aqueles homens cultuando o animal, fingiu cochilar em meio ao culto hediondo. Dissimulou inclusive um ronco demasiado alto. Logo os homens, sendo interrompidos pela confusão financiada pelo investigador, miraram-no sucessivamente. O animal raivosamente se aproximou do senhor Kosovski enunciando em linguagem estranha alguma maldição ou bênção. Então Dimitri fingiu despertar confusamente. E, desatados os nós que lhe segurava à cadeira, disse:

— Não vou crer em tais créditos. São bons mestres em efeitos visuais, são grandes astros do ilusionismo. Todavia estou preso a uma idéia principal. Como conseguiram arquitetar tão impressionante farsa? Meu pai, se não sabem, era um grande ilusionista e fazia todos acreditarem ver o que realmente não viam. É um arrastar de espelhos que me fazem cansar. Então notei que na biografia do pastor Samuel Xaves de Azevedo constava um espaço em branco. Mas como preenchê-lo? Simplesmente segui a minha intuição que, aliás, nunca me falhou completamente. Forjaram uma morte bárbara e sem questionamentos, senão quanto aos assassinos. Maquinaram um perito trabalhando ao vosso favor, uma testemunha e um mero fiapo de tecido que transporia questionamentos diversos. Pesquisei todas as ocorrências policiais por aqui e notei que um investigador veio até aqui averiguar uma onda de furtos e nunca mais foi visto e isso, acreditem se quiser, não levantou nenhuma suspeita. O pastor tal viera para esta cidade há apenas três anos, quando principiaram os latrocínios. Mera coincidência do destino?

De repente entraram os policiais. Os homens não entendiam como isso pôde acontecer.

No país todos se admiraram com a esperteza do pastor que era foragido da polícia há anos e, tramando a própria morte, criou uma lenda que perdurava até então na cidade.

Por fim Dimitri esperou a hora de tomar o seu chá das sete pensando em presentear a sua doce Kristin.

Fim.