Dr. Dimitri - N°01

Ronyvaldo Barros dos Santos

Dr. Dimitri

N°01

Parte I – Do que se conta sobre o assassinato do ex-senador Ernesto Valadares

Era meia-noite, abria-se a véspera da posse do governador Ernesto Valadares, influente político que instituíra há um ano uma lei que autorizava a venda de drogas consideradas ilícitas desde que houvesse indicação médica assinada pela Secretaria de Saúde. Como é de praxe à sociedade democrática, houve muito assédio da mídia vigente, muitos criticaram a atitude do ex-senador e apontaram-no como principal defensor do tráfico ilegal. A verdade era que, quando senador, descobrira muitos tratamentos clínicos com o uso de drogas. Como um visionário que era exacerbou todas as expectativas de fazer o país avançar e se tornar uma superpotência mundial. Muito contribuiu para aprisionar os mais perigosos traficantes antes de levar a tal lei ao Congresso.

É certo que este homem pactuara muitos inimigos acerca da sua profissão. Já enfrentara todos os perigos, e se ainda estava vivo até aquele momento, era porque Deus estava a guiar todos os seus passos. Eis que perpassara um vulto em seu escritório. O recém-governador adormecia sobre um canapé. Ao dado que ele roncava, o vulto se aproximava em meio à penumbra. Porém o silêncio era perceptível. Aquele encalço era aparentemente muito cauteloso. Contudo, a escuridão processava um mistério irresistível e este vulto não poderia dar mais um passo sem que caísse ao chão um objeto que quebrasse a frigidez do silêncio. Antes apenas o ronco do homem poderia ser escutado. Abruptamente o ex-senador desperta. Todavia os seus olhos não enxergam bem, ainda mais com aquela escuridão. Alguém corre e se esconde. Ernesto acende as luzes e observa ao derredor. Não avistara ninguém. Escutara um estampido em seguida. Dera dois passos e observara todos os cantos do escritório. Subitamente o homem cai sobre o chão, fremente. Ao chão surge um rio de sangue que banha todo o piso. Aparece o nosso réu, o filho mais novo do governador, Henrique Valadares, que vocifera mil socorros à espreita da secretária do senhor Ernesto, esta desfalece sobre o chão quando se encontra diante de estremado terror.

Parte II – Entra em cena o nosso auspicioso detetive

Dimitri ostentava seduzir a atriz Kristin James. Os seus confrades chamavam-na senhorita James, porém preferia nomeá-la Srta. Kristin. O gracioso detetive aproximou-se da moça e sorriu elegantemente. Todo o seu plano de sedução daria certo se não tropeçasse nos próprios pés. Recuara, contudo. A donzela sorriu jocosamente e continuou a seguir com passos lentos. Tornou para a saída, quando tocou o seu celular. Atendeu.

— Sim, estou a caminho — disse ao telefone, por fim.

O seu aprendiz, o jovem Julius, indagou para onde iriam. O famoso detetive respondeu que havia sido chacinado o governador.

— Frederico Barros morreu? — questionou o aprendiz.

— Não, não, meu caro, se fora o então senador Ernesto Vastos — disse Dimitri.

— Não seria Ernesto Valadares, senhor? — emendou o inexperiente Julius.

— Que seja. Agora ele está morto. Mas não me lembro de ter tomado o chá das sete.

— Mas ainda são seis e meia, senhor.

— Não ousas retrucar à superioridade! — bradou Dimitri.

O detetive sacou uma arma e apontou para Julius, que estremeceu de todo. Apertou o gatilho em seguida e disse:

— Eis que não sei como se mata à bala, ingrato. Pois toma-te por satisfeito a vida que tens, mesmo sendo um tolo maior.

Julius, obediente como era, emudeceu.

O nosso detetive ficara famoso quando descobrira o assassínio do ex-presidente da República. Ele fora morto pela própria esposa, contudo o principal suspeito era o próprio Presidente, que estava envolvido numa sabotagem. Mas não fora uma tarefa difícil para o nosso grande herói, uma vez que recebera um telefonema anônimo que apontava as provas que poriam a mulher como homicida.

Dimitri era alto, galante ao primeiro relance, tinha uma voz altiva e grave, belíssima, a sua pele era ebúrnea e os seus olhos eram castanhos. Adorava as histórias policiais e se identificava com personagens de Edgar Allan Poe, Conan Doyle e Edgar Wallace. Tinha completos os seus trinta e cinco anos e trajava sempre um terno negro como a escuridão da noite.

Dr. Dimitri seguia rumo ao local do delito. Dizia ao aprendiz:

— Toma-te de exemplo o que lhe digo, garoto: nunca interrogue autoridade, nem lhe corrija palavra, porque ela sempre tem razão. Pois não tomei o chá das sete e não posso trabalhar sem consertar esse erro inumerável. Sempre segui a luz do fim do túnel e ela sempre me respondeu forçosamente. Eis que o chá das sete abre a minha mente para o espantoso mundo dos crimes e fica fácil desvendá-los.

Chegando ao escritório do governador Ernesto, pediu o seu precioso chá a um dos policiais que ali estava. Disse que não trabalharia sem o chá das sete e o comissário ordenou que lhe trouxessem a bebida.

— Chá de que, senhor? — indagou um policial.

— Que seja um chá de menta sem açúcar e também sem sal, pois não posso pela manhã. Quero também bolachas caramelizadas, pois que as encontrem na padaria do senhor Vicente.

Escutada a sua exigência, começou a vasculhar o local do crime com os olhos atentos. Questionou a uma policial:

— E todo esse sangue escarlate, representa alguma coisa? Quando falecera esse pobre homem? Com quem ele dormira noite passada? Pode me informar todos os detalhes?

— Quem está a par de tudo é o delegado Roberto, senhor. Mas o principal suspeito é o filho do senhor Ernesto, pois estava no local do crime quando este ocorrera. A secretária viu tudo e diz que não há dúvida, Henrique Valadares é o assassino.

— Pois que me tragam o chá das sete! — Dimitri exclamou raivosamente.

— Senhor, já são sete e quinze — disse infelizmente o aprendiz.

— Como ousas estragar o meu chá das sete? Desrespeitar a uma autoridade maior é um disparate imperdoável — Dimitri disse com muito rancor.

Parte III – O segundo e o terceiro suspeitos

Não seria tão simples apontar o verdadeiro assassino, uma vez que duas testemunhas apareceram e cada uma delas anunciou mais um suspeito.

Ora, o senhor Ernesto Valadares se encontrava àquela hora da matina em seu escritório porque esperava uma visita misteriosa. A esposa do governador depôs e apresentou uma carta anônima endereçada à vítima. A mensagem fora redigida a máquina e o remetente proclamava que tinha provas de que Ernesto estava sendo traído por um dos seus aliados e que corria perigo de morte. A senhora Valadares completou que sempre desconfiou da secretária do marido, pois ela era folgazona e espionava-lhe uma vez e outra.

Outra testemunha ouvida disse que a vítima pactuava um inimigo incomum, o vice-delegado de polícia. Por isso o caso caminhava por impasses inimagináveis.

Enquanto isso, o nosso herói tomava finalmente o agradável e austero chá das sete às sete e meia. Dizia ao delegado:

— Sabe que Sherlock Holmes havia apreendido cada criminoso com base em cálculos e astúcias. Pois não há nenhum como eu e se houver, que se apresente a esta base. Pois temos três suspeitos e nenhum me parece viável. Deve haver um quarto e genuíno suspeito, ao que me parece.

— Sei que és louco. No entanto o que me importa é prender o criminoso — retrucou o delegado.

Dr. Dimitri, como costumava ser chamado, não era tresloucado, apenas era presunçoso e impetuoso. Amava o seu trabalho e sempre levava cada detalhe do crime como primordial para se ter com o seu autor. Era arguto, apesar de parecer atrapalhado e desatinado. Por outro lado o seu aprendiz, que era de baixa estatura, negro e robusto, apostava na suspeita mais óbvia; por isso não ficava com as minudências.

O detetive resolvera acarear os suspeitos com suma disposição à resolução do enigma. Utilizara de um método subliminar e hábil.

— Ouça, senhor vice-delegado, não acredito que te encontras nesta situação lastimável. Claro que não és culpado, senão de ter se prestado demais ao distrito — disse Dimitri ao acusado, o vice-delegado Almeida Torres.

Logo inquirira a secretária, que estava muito apreensiva.

— Não sou assassina, senhor detetive. Ganho o meu pão honestamente como a Vossa Senhoria — enunciou a secretária com a voz tartamudeante.

— Não, não, eu sei bem que não matara o seu senhor. Apenas acho que ocultas algo primordial. Porém se não falares logo, estarás à pista dos mais ardilosos detetives do mundo e então não poderei fazer nada afinal.

— Pois sim, senhor Dimitri, contar-te-ei tudo o que sei e que escutei durante estes últimos dias.

E o nosso herói se pôs a escutar aos mínimos detalhes o que confessava a senhora, que aparentava os trinta anos de idade.

Eis que chegou a vez de interpelar Henrique Valadares. Uma incógnita da inteligência. Em si havia a hesitação, do que se aproveitou o mais árduo detetive que jazeu sobre a terra. Tartamudeava e tornava os fatos, modificando os detalhes primordiais. Dr. Dimitri já sabia quem fora o autor do crime; por ora, todavia, apressava-se para tomar o chá da tarde.

Parte IV – Surpreendentemente o nosso herói apresenta o verdadeiro assassino

O senhor Dimitri encontrava-se na delegacia. Mandara reunir todos os suspeitos e também as testemunhas. O detetive já dava o episódio como concluído. Tinha, segundo contava, todas as provas consistentes. Todos ficaram atentos às palavras do grande mestre.

— Como me vem à mente, nenhum crime compensa. Contudo estou certo de que a vítima sabia do acometimento. À meia-noite daquele dia eu adormecia, grande equívoco, hilário até. Entrementes me senti a vítima por ora e não sei como é morrer, mas sei como é sofrer a descoberta de uma traição, ao ponto que a sua esposa, a senhora Valadares, derramara as suas sôfregas lágrimas, o que não contera o seu ódio irresoluto. A sua amante, a secretária, bem que fora astuta ao perceber do assalto. Sabem, senhores, os filhos devem ser fiéis às mães, tal como fora o nosso jovem Henrique Valadares, que descobrira a aflição da mãe e se propora a acertar com o pai àquela hora. Antes que o menino conversasse com o pai, a mãe se apresenta como uma criminosa, uma sombra terrível e pecaminosa. Eis que lhes dei a seqüência e o antagonista, restam-lhes o ato, a firmação do que confio — Dimitri neste momento olhou o relógio e completou: — Está em boa hora. Eis o meu chá das vinte.

Fim.