PREPARE-SE PARA MORRER ...


Marcelo, uma figura antipática, feições horrorosas, de semblante carregado, tinha uma virtude, era campeão sul americano de tiro ao alvo, quase diariamente treinava no Fluminense ou num dos Batalhões do Exército sitiado na Vila Militar.
Filho de família abastada, não dava muita importância ter que trabalhar, vivia, permanentemente folgado, isso lhe facilitava tentar as conquistas amorosas que vinham à sua cabeça, sistematicamente repelidas.
Encantou-se de Cecília, loura, talvez a metade de sua idade, detentora de elevados dotes de cultura e beleza. Era tão linda, aparência de princesa, cabelos em cacheados, nariz delicado, pele fina como seda, voz macia, pele de tom róseo, capaz de ser admirada por qualquer pessoa que a visse. De origem humilde, juntos com todos os irmãos vieram de Pernambuco, com a mãe, após ter perdido o pai.
Toda a família, mãe e seis irmãos, lutavam de forma denodada para sobreviver, sem empregos e moradia, tornavam-se auxiliados pelos parentes, em especial uma tia.
O irmão mais velho, com 14 para 15 anos, se prestava para todo e qualquer serviço, graças à sua habilidade e talento. Esses predicados fizeram com que fosse convidado a ir para o interior de São Paulo, por um vizinho que fora nomeado Diretor do Departamento de luz elétrica em Bauru. Antonio para lá seguiu, a fim de tentar a vida e o que ganhava remetia para auxiliar a mãe e os irmãos.
Exatamente nesse momento que Marcelo avistou Cecília e dela se aproximou, na tentativa de galantear. Seria impossível, em face da disparidade dos tipos. A unanimidade dos membros da família e amigos não aprovava e pior, ele não tinha o consentimento da própria mãe de Cecília; se mostrava arrogante e de ciúme doentio, não permitindo que dela ninguém se aproximasse. E, todos temiam as grosserias de Marcelo, que não demonstrava certa compostura para convivência familiar, executava o que lhe interessava para ver sua beldade, observa-la e amá-la.
A insistência, contumácia mesmo, aparecia em ocasiões impróprias, desejoso de ver Cecília, estivesse como estivesse. Esse procedimento causava um mal estar a toda família, que se desdobrava assistindo o rancor dela à figura dele. Os ânimos, em conseqüência, foram aumentando gradativamente. Ainda assim, aos poucos, ou se acostumaram com a forma de ser do rapaz, ou ele começou a modificar suas atitudes. Cecília começou a ceder aos seus galanteios. Contra as vontades da mãe e dos irmãos mais velhos, foi permitido que ficassem noivos.
A situação deteriorou mais, por Marcelo não permitir que sua noiva saísse sozinha sem a companhia dele, mantinha um ciúme doentio, até com certa razão, pois ela parecia uma das bonequinhas cogitadas da Feira de Lapsing da Alemanha. Varias vezes, a mãe, D. Consuelo e seus irmãos, que estavam distantes tinham, que apaziguar os ânimos.
Acabaram casando. Ele não tinha emprego fixo, o cunhado mais velho arranjou no interior de São Paulo, próximo a Baurú um emprego para Marcelo de certo prestígio e logo em pouco tempo o casal teve quatro filhos. Aparentemente a vida transcorria bem, mas Marcelo mantinha um ciúme exagerado da mulher, nem em companhia das vizinhas gostaria de vê-la. Mas com esse estado de ânimo, ainda assim, conseguiu uma série de amigos na localidade, principalmente em decorrências dos altos índices de tiros, de que era exímio. Entre esses amigos, galvanizou o dono do maior empório dos municípios da região, o que facilitava adquirir munição para todos os tipos de armas.
Tornou-se em pouco tempo seu maior e fiel amigo. Amado Paixão gozava de plena liberdade em sua casa e o acompanhava em todas as jornadas, especialmente quando iam caçar. Às vezes, impossibilitado de estar presente, o leal companheiro permanecia na casa de Marcelo aguardando seu retorno. A intimidade entre os dois e a família passou a ser um caso de admiração geral.Trocavam confidências e conselhos sobre determinados negócios.
O tempo foi passando e Amado começou a admirar a beleza de Cecília, elogiando-a sempre que era possível, sem que estivesse presente Marcelo, já que sabia de sua devoção e amor à mulher,
Quando esse se ausentava de casa por mais tempo, em viagem de negócio, a visita se tornava constante, sob a argumentação de querer ser útil em alguma coisa que faltasse ao lar. Até que belo dia, Amado fez a proposta de ter um caso conjugal com Cecília, que o repeliu violentamente, expulsando-lhe de sua casa. Daí em diante a perseguição passou a ser constante, obrigando Cecília a se refugiar com os quatro filhos em um quarto da casa e proibindo, primeiro com a intercessão da empregada que Amado ingressa-se em seu lar. Mas esse não desistia, há todo momento a procurava na esperança de obter aprovação de colóquios amorosos, inclusive pela força.
Cecília pediu auxílio ao seu irmão que morava em Campinas e conselhos como proceder. Esse estava impossibilitado de ir no momento a Bauru, aconselhou a irmã ir à Delegacia local e conversar com o Delegado sobre o que vinha ocorrendo. A autoridade porém mantinha relações com Amado e propôs ter em casa um caseiro, de sua confiança e por ele indicado, para qualquer eventualidade, na verdade era um policial disfarçado. Esse impedia a entrada de Amado na casa de Cecília, que passou a ter uma vida de clausura, juntamente com os filhos.
O temerário conquistador não lhe poupava
nem um segundo, sempre conseguia uma artimanha para fazer-lhe uma proposta indecorosa. Voltou Cecília a apelar ao irmão, que lhe recomendou sair de casa e ir de trem para uma cidade nas proximidades, que ele iria ao seu encontro, esquematizar uma estratégia para se ver livre do assédio do falso amigo do marido. Todos temiam a reação de Marcelo, face à violência como enfrentava uma situação ligada à sua amada mulher. Enquanto tal não ocorria, veio de onde morava a mãe, Consuelo, e uma tia para passarem uns dias na casa de Cecília.
Quando chegou a cidadezinha interior, o irmão Antônio, encontrou sua irmã trancada no quarto do pequenino hotel com seus quatro filhos, temerosa que Amaro ali chegasse. Antônio lhe disse, isso não pode assim continuar, vou voltar à sua casa e combinar com mamãe e tia Loló, o que fazer.
Marcelo chegando de viagem ficou surpreso com toda aquela severidade, principalmente a ausência da mulher e seus filhos, justificaram estar passando uns dias em Campinas na casa do irmão Antônio; a presença de um caseiro, fazendo às vezes de guarda doméstico. Informaram-lhe que o policial presente, passando-se por caseiro, tornou-se necessário por estar dando muito ladrão no bairro, motivo inclusive do afastamento de Cecília. Marcelo ouviu tudo aquilo calado e manifestou-se ir logo ao encontro da mulher e filhos em Campinas. Nesse momento, Antônio foi obrigado a intervir e relatar tudo que estava ocorrendo. O cunhado ficou uma fera indomável, difícil de ser controlado, nem com a intervenção do policial. Antônio com sua paciência e a mãe Consuelo conseguiram contornar a situação, mas Marcelo não deixou de quebrar tudo dentro de casa. Ele parou, pensou e em sua cabeça traçou um plano diabólico.
Marcelo passou pelo Empório de Amado, lhe cumprimentou calmamente, sem demonstrar qualquer ressentimento, apenas comunicou que teria de ir no dia seguinte pela manhã a São Paulo de automóvel, se ele não gostaria de fazer-lhe companhia. Amado aceitou, e tratou de verificar sua arma, se estava em condições, raciocinando absurdamente que se matasse o amigo estaria com o caminho livre para conquistar sua mulher, de quem já estava apaixonado.
Marcelo seguiu em direção à Campinas para ver Cecília e seus filhos, por ele adorados.
À noite viu o estado das armas, preferiu um revolver 45, embora mais pesado de todas as outras armas, era de absoluta precisão, além do mais o usava constantemente quando ia treinar no quartel do Exército, onde tinha franquia de presença porque se preparava para as Olimpíadas , forçosamente seria membro da equipe brasileira.
Acordou cedo, nada falara ao cunhado, a sogra e a tia Loló, mantinha-se calmo, sem demonstrar
a menor intranqüilidade, tomou apenas uma xícara pequena de café. O caseiro, policial experimentado, percebeu algo estranho e perguntou-lhe vai a onde seu Marcelo, armado desse jeito, parece até que vai para uma guerra...
Dirigiu o carro e foi ao encontro de Amado, que não observou a arma que Marcelo carregava.
Rodaram uns 50 km e disse a Amado vou parar para “verter água”, esse lhe disse vou aproveitar também. Mal saiu do carro, puxou o 45 e disse a Amado, não urine aí, entre na mata, caminh uns 25 metros, não tente tirar o revolver que traz na cintura, porque será pior para você, morrerá sem chance da sorte lhe salvar, PREPARE-SE PARA MORRER !
Quando Amaro atingiu os 25 m, Marcelo voltou a gritar: VIRE-SE PARA MIM, NÃO GOSTARIA DE MATAR UM HOMEM PELAS COSTA.
Deu apenas dois tiros certeiros no coração de Amado, que caiu sobre o mato. Não foi lá ver, tinha convicção do que fizera.
Marcelo andou de carro mais uns 15 minutos, abandoando-o. Manobrou o veículo em direção a uma ribanceira, soltando-lhe para despencar lá no abismo.
Andou a esmo, sem destino, seu pensamento estava voltado para Cecília e os filhos, o crime que praticará nem veio à cabeça. Conseguiu entrar num posto de gasolina, comentar com o “bombeiro” que sofrera um acidente e o carro despencara no precipício, procurou se comunicar com o cunhado, mas não havia telefone no local. O primeiro caminhoneiro que passou perguntou se poderia levar um bilhete e entrega-lo ao cunhado em Bauru, nele dizia simplesmente Amado morreu e o carro despencou numa encosta.
Depois de passados cinco anos se apresentou à Polícia. Preso, julgado, foi condenado a 18 anos de prisão. Sua família, milionária, contratou o mais famosos criminalista de São Paulo, que conseguiu apenas o cumprimento de 12 anos, em face da premeditação e de impedir a vítima de defender-se.
Durante o tempo que permaneceu recluso, o sofrimento maior residiu em não poder ver Cecília e os filhos, somente em visitas esporádicas de eventos comemorativos, Natal, Semana Santa e seu aniversário, pois não gostava da presença da família na Penitenciaria.


smello
Enviado por smello em 02/07/2008
Reeditado em 02/07/2008
Código do texto: T1061047
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