O Coador de Café

Era a primeira coisa que fazia, antes mesmo de lavar o rosto: colocava a água pra ferver. Depois sim, ia cumprir todo o rito de higiene matinal. Aproveitar o curto silêncio, porque logo ele estaria de pé, com seu mau humor e as intermináveis reclamações sobre tudo e sobre todos. Voltou para a cozinha, colocou o pó no coador e começou a passar o café. Ele veio, estremunhado de sono. "Mas o café ainda não está pronto, não?" O problema não era a pergunta, era o TOM. Aquele tom mistura de raiva e impaciência. Foi emendando com o aumento nas despesas da casa, desavenças no trabalho, a última discussão com o filho. E o TOM! Era exasperante, tirava qualquer um do sério! Quando a última gota pingou dentro da cafeteira, virou-se com o coador em punho, o gargalo se alargando para encaixar a cabeça do homem. E como um enorme capuz, foi deslizando o coador pelo corpo dele abaixo, engolindo-o inteiro pouco a pouco, até que quando chegou aos pés, o coador reassumiu seu tamanho normal, apenas com uma protuberância no fundo. Jogou o conteúdo dentro da cesta de lixo, calmamente encheu sua xícara, passou uma farta camada de manteiga no pão, e sentou-se à mesa, para enfim desfrutar da liberdade.

Ana Deister
Enviado por Ana Deister em 20/04/2024
Reeditado em 01/05/2024
Código do texto: T8045770
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