CONCÓRDIA

De repente ele estava lá, encalhado nas pedras.

Ninguém poderia explicar como aquele navio apareceu na Praia do Mirante.

A noite anterior tinha sido serena como se o mar estivesse congelado pela bruma espessa.

Não havia nem o som das ondas quebrando na praia, nem os pios das gaivotas.

Apenas a luz baça da lua minguante.

O sol mesquinho revelou a silhueta espectral do barco com aspecto de abandono, luzes apagadas, no casco as manchas de ferrugem, a pintura do nome – CONCÓRDIA - praticamente desaparecida e no mastro da popa, apenas parte do cordame vazio de significado, embalado pela brisa suave do amanhecer.

A notícia de tal achado, espalhou-se pela cidade como folhas secas sopradas pelo vento forte.

As autoridades foram notificadas pela guarnição da polícia do pequeno povoado e ainda naquela manhã chegaram investigadores, pessoal da Marinha, das companhias de seguro e um batalhão de fotógrafos e repórteres da imprensa.

Todo mundo queria ver e especular sobre o achado do velho Capitão Moreno que fora o primeiro a avistar o navio quando finalmente saiu da Taverna Calamares e, aos berros, reclamava a posse do seu navio, mas ninguém deu ouvidos ao marinheiro com mais de oitenta anos, permanentemente embriagado e que, às portas da demência, conversava sozinho enquanto bebia rum puro e fumava cachimbo.

A mocinha jornalista recém-formada, estagiária num dos jornais da capital, que por muita insistência conseguiu autorização do redator chefe para ir fazer a cobertura do extraordinário achado, foi a única pessoa que deu atenção ao que o Cap. Moreno falava.

Com o gravador em punho, ela concordou com a condição de pagar uma garrafa de rum para ter exclusividade na reportagem e antevendo uma excelente história, mesmo sentindo o fétido odor de fumo misturado ao das roupas surradas e das muitas doses de rum, Marielza Di Lucca concordou em acompanhar o Cap. Moreno até a Taverna Calamares.

No dia seguinte publicou a reportagem de capa.

NAVIO PERDIDO REAPARECE DEPOIS DE TRINTA ANOS.

O capitão Moreno, aposentado da marinha mercante, que fora o comandante do navio desde o início das suas operações, vinte anos antes do seu desaparecimento, contou à redação que no dia 25 de março de 1954, foi concluído o carregamento de fumo no Porto de Carenas em Cuba e que o Concórdia zarpou com destino ao Porto de Houston no Texas, sob o comando do imediato porque ele, o comandante, estava hospitalizado com suspeita de estar contaminação pelo surto de Febre Tifo depois das fortes chuvas por toda ilha cubana.

No dia seguinte formou-se o furacão que varreu todo o Golfo do México, interrompendo o contato com o Concórdia que, apesar das buscas pela guarda costeira dos Estados Unidos, só reapareceu ontem, na Praia do Mirante, trinta anos depois da partida.

Nossa enviada para o local, onde o navio está encalhado nas pedras teve a oportunidade de ir a bordo junto com oficiais da Marinha e constatou que, internamente tudo está como se a tripulação estivesse em plena atividade.

Os espaços comuns estão limpos, os camarotes arrumados, as mesas do refeitório postas para a próxima refeição, todos os instrumentos da cabine de comando estão em perfeito estado de funcionamento, mas não há sinal do paradeiro dos dezessete homens da tripulação e os registros no diário de bordo estão, inexplicavelmente com as datas de 1824, época em que só existiam veleiros de madeira e o Concórdia ainda não existia.

Conforme pesquisa feita pela reportagem, o primeiro navio de aço só foi construído em 1884.

A carga está perfeitamente acondicionada nos porões da embarcação, mas as folhas do fumo (Nicotina tabacum) foram danificadas pelos “bichos do fumo” (Lasioderma serricorne) que passaram esses trinta anos refestelados com o fumo da melhor qualidade.

O velho Cap., Moreno, supersticioso como todo marinheiro de boa cepa, acredita que o navio esteve por todo esse tempo procurando por ele e ontem, finalmente, veio ao seu encontro.

Afinal ele foi o seu único comandante e encerrou a entrevista com a sentença:

- São os mistérios do mar que os meros mortais não conseguem entender, nem muito menos explicar...