A Promessa

O barulho das lapadas de água na janela a acordaram assustada. Tateou a luz na cabeceira, mas não passou do clic clic. Levantou, foi ao banheiro e na saída sentiu uma presença passando por ela. Fechou os olhos na tentativa de definir o que estava acontecendo, já que o breu sempre lhe confundia as sensações. Sentiu um arrepio. Voltou ao quarto na esperança de encontrar o telefone em meio as cobertas para iluminar o ambiente. O telefone estava quase sem bateria! Acendeu sua lanterna e voltou para a sala, foi então que viu a grande sombra abrindo-lhe os braços. A luz se apagou.

Sentiu que estava deitada em um lugar diferente, parecia chão batido, sentia cheiro de mato e ouvia um som longínquo de cachoeira. Aos poucos, abriu os olhos. Estava em uma mata sozinha. Deveria estar amanhecendo. Suas roupas estavam úmidas e sujas de barro, estava descalça. Sua cabeça girava na tentativa de entender o que estava acontecendo, mas não era possível.

Foi quando que dois seres pequenos demais para serem anões com orelhas saltadas e redondas e buracos onde deveriam ser os olhos, surgiram com cântaros sobre a cabeça. Cantarolavam e discutiam ao mesmo tempo. Sem saber o que fazer, escondeu-se por trás de uma árvore e os observou. Parecia que estavam à sua procura. Seu coração estremecia-lhe o corpo. Não a encontrando, saíram os homenzinhos falando que alguém não gostaria de saber disso. Quem seria esse alguém? O medo se alastrou por todo o seu ser.

Começou a olhar em volta, seu corpo pedia-lhe alimento e água. Foi descendo um barranco que avistou a água que vinha da cachoeira que ouvira mais cedo. Lavou-se e bebeu água. Precisava comer, não sabia o que estava por vir e não podia se deixar enfraquecer, senão não teria chances de sobrevivência. Próximo de onde estava, havia cogumelos pelo chão. Mas, e agora? Se não são coloridos, talvez não sejam perigosos. Comeu-os. Descendo um pouco mais pelo riacho, surgiram-lhe peixes. Seguindo o instinto, curvou-se para pegar um, mas todos resbalavam de suas mãos. Então decidiu encontrar um galho com o qual pudesse espetá-los. Fartou-se com alguns peixes que comeu mesmo crus.

Logo, ouviu outra movimentação vindo de onde estava antes. Tentou esconder-se, mas desta vez não foi possível. Os seres a avistaram e para onde olhava havia mais seres e não tinha para onde correr.

Chegaram perto dela e, rapidamente, amarraram-lhe os braços. Na tentativa de amenizar a situação, ela tentava perguntar o que estava acontecendo, onde estava. Mas parecia que ninguém lhe ouvia. Chegaram à uma casa de taipa, mas ao abrirem a porta, um outro reino existia, era uma floresta escura, com muitas árvores já secas e com galhos retorcidos. No alto, voavam urubus e outros animais carniceiros. O cheiro de manguezal era repugnante.

Ela fora lançada numa gaiola que, imediatamente após a sua entrada, subiu bem alto e ficou pendulando sobre o abismo. Ouvia gritos, ouvia pássaros assustadores. O cheiro fétido invadia-lhe as narinas e a faziam ter náuseas. Apagou.

Quando deu por si estava em um salão com pouca iluminação. Estava sentada em uma cadeira alta rente a uma mesa farta de comidas. Olhou para si e se viu limpa e com um longo e robusto vestido preto. Foi que ouviu o seu nome sendo chamado do outro lado da mesa. Lá havia uma presença suntuosa, mas que não lhe permitia ver seu rosto. A presença lhe ordenou que comesse. Sentia-se nauseada e tinha nojo das comidas, o cheiro fétido do ambiente a fazia repugnar qualquer coisa. Mas, ao ouvir novamente a ordem ameaçadora, ela tentou ingerir um pedaço de pão e um pedaço de carne.

Mas o quê está acontecendo? Quem é esta coisa? O que estou fazendo aqui? Eram tantas perguntas em sua cabeça, mas o que ela não contava era que a coisa podia ouvir-lhe a mente. E pela própria mente a coisa lhe respondia ser o Senhor de Todas as Noites e que ela era a escolhida para lhe desposar, já que pedira tanto por um casamento na noite sem lua. O horror tomava-lhe conta congelando-lhe os pensamentos.

Ela tentou gritar, mas sua voz não saiu, como se a mesma tivesse sido cortada. Em instantes, ela já estava em um quarto sombrio, sozinha com a mente vagando entre perguntas e medos. Foi então que apagou.

Ao abrir os olhos notou o ambiente familiar. Não havia mais cheiros fétidos nem grasnidos aterrorizantes. Estava, por fim, em sua casa. Amanhecia e ela sentia-se cansada e com fome. Tinha medo do que acontecia e em sua mente ressoava a voz da coisa lhe dizendo que voltaria a lhe buscar, pois ela era a sua promessa.

Marília Francisco
Enviado por Marília Francisco em 31/03/2023
Código do texto: T7753540
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