CALVIN ICE

Dando continuidade ao projeto que visa homenagear os gênios esquecidos nas mais diversas áreas do conhecimento humano, hoje vamos reconstruir a biografia de um homem, que por sua obstinada persistência tornou o mundo um lugar melhor para se viver. Dedicando toda sua vida ao estudo do cabelo e seus derivados, além de formular diversas noções conceituais sobre a calvície ainda hoje empregada como base para os mais modernos estudos sobre o assunto, o escocês Calvin Ice merece estar entre as mais célebres figuras de nossa História.

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Calvin Ice nasceu em uma modesta cidade litorânea da Escócia conhecida por ser a pioneira na exportação de tecnologias para escritório, como grampeadores, clipes, borrachas e cestos de lixo. Seu pai era um simples carpinteiro que para aumentar a renda da família ainda aceitava a encomenda de docinhos e salgadinhos para festas infantis. A mãe também ganhava algum dinheiro cantando em braile numa boate para cegos na periferia. A situação da família começou a degenerar quando o pai suicidou-se após flagrar a esposa palitando os dentes de maneira exageradamente sensual no banheiro masculino de um restaurante duvidoso. Marcado profundamente pelo acontecimento, Calvin nunca mais conseguiu ir a outro banheiro que não fosse o de sua própria casa.

Ainda abalado pela morte do pai e pelo inexplicável desaparecimento de suas polainas preferidas, Calvin termina os estudos iniciais sem demonstrar qualquer aptidão para a ciência. Porém, ao ingressar na Universidade, sente-se atraído por uma área científica até então intocada: o cabelo e tudo que a ele estava relacionado. Inicialmente Calvin foi admoestado a parar com suas pesquisas pois este era um assunto que suscitava interesses políticos do alto escalão (o rei estava ficando careca, pelo menos é o que se dizia à “boca pequena” nos corredores do palácio). Mesmo sabendo que este era um assunto proibido nos meios acadêmicos, Calvin não esmoreceu, iniciando seu trabalho às escondidas.

Relatos da época afirmam que ele passava horas no laboratório realizando experiências com diversos tipos de cabelos crespos na tentativa de alisá-los definitivamente. Era comum, na roda de amigos, ouvi-lo dizer que “[...] chegará o dia em que uma pessoa de cabelos crespos poderá orgulhosamente penteá-lo para o lado”.

Dois anos mais tarde, lança seu primeiro livro intitulado O Couro Cabeludo e Seu Reflorestamento. Nesta primeira obra, Calvin descreve cuidadosamente vários tipos de cabelos, sua origem, formas, cores, assim como a maneira correta da aplicação do gel fixador em cabelos encaracolados. Apesar de ser expulso da Universidade, Calvin sente-se plenamente capaz de desenvolver suas experiências por conta própria, pois a conjuntura política estava mais receptiva a suas descobertas.

Em meio ao trabalho árduo, Calvin ainda conseguiu tempo para casar. Incomodado pelas insinuações dos amigos de que era gay, ele pede a mão de sua governanta, Hanna, em casamento. Apesar da insistente recusa dela, o matrimônio ocorreu três semanas depois sob a promessa de Calvin de jamais entrar em casa com as galochas enlameadas.

Já no ano seguinte Calvin realizaria seu maior feito ao criar a teoria da calvície fazendo estremecer o mundo convencional: “A calvície está intimamente ligada à queda de cabelos”. Esta teoria criou muita controvérsia no mundo acadêmico, sendo inclusive indiretamente responsável pelo sequestro do Arquiduque da Antuérpia em visita aos Alpes.

Logo, seu segundo livro é publicado: “Glândulas Sebáceas e Suas Formações Associativas”. Nesta verdadeira obra-prima ovacionada até pelo mais feroz dos críticos, Calvin demonstra a maneira correta de diferenciar a caspa da farinha, assim como a explanação meticulosa de porque preferem o alto da cabeça ao invés das axilas. Além disso, um capítulo inteiro é dedicado aos inconvenientes sociais decorrentes da infeliz combinação entre caspa e ternos pretos em bailes de gala.

Quando todos pensavam que já se sabia tudo sobre cabelos, Calvin expõem em uma convenção capilar em Londres a famosa fórmula matemática da calvície:

Ad² = Cp + Cp

“A soma dos cabelos perdidos é igual ao quadrado da área devastada”.

A famosa “fórmula de Calvin” rendou-lhe amplo reconhecimento popular, proporcionando-lhe inúmeros convites para quermesses e bingos beneficentes.

Contudo, o prestígio de Calvin estava a ponto a ser ofuscado. Uma declaração atribuída a ele chega aos meios de comunicação como uma verdadeira bomba: “O cabelo é tão importante que o deveríamos ter pelo corpo todo, inclusive na sola do pé”. Apesar de negar que tivesse dado tal declaração (pelo menos não com este teor) Calvin é sumariamente expulso da Academia Capilar Europeia.

Durante algum tempo, ainda estremecido pelos acontecimentos, Calvin recusou-se a voltar ao laboratório. Com o apoio da mulher que já não aguentava mais vê-lo zanzando pela casa, Calvin retomaria suas pesquisas.

O gênio incompreendido passou a dedicar-se na até então inimaginável tarefa de coloração de cabelos. Inúmeras fórmulas foram testadas na expectativa de alterar a cor natural dos cabelos, mas para sua decepção, as fórmulas não apenas eram inúteis na coloração como também geravam queda de cabelos. Biógrafos, vários anos mais tarde, perceberiam a preocupação de Calvin em uma das últimas páginas de seu diário: “Suspeito que o princípio ativo que utilizei até agora em todas as fórmulas não esteja dando os resultados esperados. Talvez fosse prudente retirar o ácido nítrico destas composições e empregar algum outro produto”.

Nesta época Calvin foi acometido por uma rara e estranha doença que afetou simultaneamente o sistema nervoso e a coluna cervical. Completamente nervoso e sem poder sentar ou deitar, ele definhava roendo as unhas e dormindo de pé.

Calvin termina seus dias na cidade natal, completamente careca e esquecido tanto pelos acadêmicos quanto pela mídia especializada. Na capital escocesa há um singelo reconhecimento a este grande gênio. Lá, ainda hoje, podemos observar um monumento estilizado em forma de peruca que comprova a crença da humanidade de que um dia a cura para a calvície será encontrada.