~O Prefeito dos Gatos do Paquetá ~ out/21

~O Prefeito dos Gatos do Paquetá ~

- O senhor se olhou hoje no espelho. Perguntou espantado o dono da pousada. Quando André voltou para o quarto e viu estampada no seu rosto a expressão de um felino. Desta maneira soube que se tornara o Prefeito dos Gatos do Paquetá.

Paquetá também o nome do Mercado Central, que ele também não conhecia. Intrigado com aquele sonho - onde havia também um gatinho cinza - com marcas de pneu no seu dorso - ele decidiu pegar um ónibus e ir até lá. Quando uma freada brusca o fez lembrar que o gatinho cinza tinha sido vítima de atropelamento. Bichano que no seu ultimo instante de vida lhe disse:- estou morrendo sigo com você!

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Mercado Municipal de Santos, ou apenas Paquetá. Que aos poucos tornaria-se obsoleto. Gerando a decadência do bairro. A partir do inicio nos anos 70, quando grandes redes de supermercados instalaram-se nos bairros praianos de Santos, atraindo a moradia da classe média do centro para lá. Quando o Mercado tornaria-se pouco ou nada rentável. Embora o seu valor histórico fosse enorme, tombado pelo patrimônio histórico. O que não modificou o espaço vazio, onde um dia ali existiu dez boxes de peixarias, que hoje resumia-se a um só: funcionando meio período, apenas nas sextas feiras.

Até que a prefeitura anunciou que a abastada região da Ponta da Praia. Contaria em breve com um novo Mercado de Peixes, erguido com o dinheiro da iniciativa privada. Enquanto a pitoresca feirinha de peixes ao ar livre, próxima dali, estaria com os seus dias contados. Oferecida a eles a mudança dos seus boxes para o mercado central do Paquetá. Onde o problema não era apenas servir a uma população de baixo poder aquisitivo; mas também a inadequação da sua bacia fluvial - formada pelas águas do rio Soldado - que não comportava mais a entrada e saída dos barcos dos peixeiros da Ponta da Praia, grandes demais para serem manobrados ali.

" No Fishes no Cats" . Perdido o vínculo de ancestralidade entre os gatos do mercado com os moradores de outrora. Mapa da ancestralidade que se entende melhor estando você no Cine Arte Posto 4, no Canal 2, se reexibido um documentário turco chamado "Cats": "Istambul: aqui há gatos e eles vivem como gente! Porque estes gatos não são só gatos. Pois assistiram à ascensão e queda de impérios e forjaram um pacto singular: eles não têm dono, mas escolhem as “suas” pessoas. Neste caso, embora não se consiga chegar a perceber quantas vidas têm os gatos de Istambul, no entanto mesmo assim vadiamos como eles. Pois os gatos são reis em Istambul. Não se dão a ninguém e dão-se a todos. "Gatos (Kedi, no original)que se tornou uma espécie de carta de amor aos gatos e à cidade, onde ambos a transformam de maneira imprevisível”".

Enquanto flanava pelas ruas nos arredores do Mercado MUnicipal do Paquetá. Ao longe André avistou um quarteirão inteiro cercado por muros altos e brancos. Seria um quartel? Mas se tratava do Cemitério do Paquetá, onde famílias santistas de posse tinham ali os seus jazigos. As suas alamedas bem arborizadas e com esculturas dos túmulos ornadas com ícones da arte sepulcral.

Visita ao Cemitério do Paquetá que desta maneira oferecia um verdadeiro museu à céu aberto aos visitantes. Na cosmovisão da vida e da morte, e espaço até mesmo para citações pitorescas: como a da inscrição na lápide de um ex presidente do Santos F.C, gravada no mármore a estrofe do hino do seu clube do coração: "Nascer, viver e no Santos morrer / É um orgulho que nem todos podem ter".

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Na memoria dos santistas, e antigos arquivos do Jornal A Tribuna, os registros também das lendas que assombram o cemitério do Paquetá. Entre elas a história do gato preto que vai ao enterro da sua dona e depois nunca mais deixa o cemitério, fiel aos despojos da senhorinha.

Gatinho que passa a viver e ser visto ali em outros enterros. Onde familiares e amigos dos falecidos tomam sustos de arrepiar ao sentir o roçar do gato nas pernas principalmente na hora da descida do caixão. Até que um dos coveiros dali prometeu matar à cabo de enxada o tal bichano. Para certo dia anunciar ter dado cabo do sinistro gatinho da viúva. Quando no dia seguinte o enterro que se viu foi o do próprio coveiro. Enquanto que o gato preto que todos julgavam morto acompanhava o enterro: não se sabe se vindo do mundo dos mortos ou dos vivos. Mas razão de até hoje os gatos dali pararem o que estão fazendo e saírem correndo, ao ouvir o tocar o sino que tradicionalmente anunciam novo enterro. Quando velozmente correm até lá para ver com seus próprios olhinhos o fantasma do gatinho vingador.

Hora em que a capelinha do cemitério torna-se um refúgio seguro se não o lugar certo para uma súplica de André no altar para pedir ao Criador pela alma do felino cinza atropelado. Para que seja bem recebido no céu dos gatinhos.

O cemitério do Paquetá revelando-se um verdadeiro santuário para os mais de 80 gatos que vivem ali. O cenário da arte religiosa espalhado por todo quadrilátero combinando bem com o apurado senso estético dos felinos, para dar o toque artístico e ar da graça ao lugar.

Saída da capela onde nos bancos do terraço quatros gatos foram socializar com o novo visitante.

Dentre eles uma gatinha frajola, idêntica à saudosa pretinha que André criou e viu falecer em São Paulo, anos antes. Ela também uma gatinha filhote, dona de patinhas e barriguinha branca. Frajolinha que mal conseguia abrir os olhos, tão esquelética chegou ao Paquetá. Momento em que surgiu uma criança, filha da funcionária dali, para brincar com o bichinho. Quando André perguntou que nome daria para aquele bichinho e a resposta foi: - Memel Cara de Mel!

Memel uma Gatinha muito amorosa, que tomou lugar no colo do visitante. Quando os dois permaneceram assim por um tempo que parecia pertencer à eternidade. Na conexão havida entre o sonho com o gatinho atropelado, a ida ao desconhecido cemitério do Paquetá, e a prece no altar, que promovera um verdadeiro reencontro de almas e possibilidade de novos afetos... deixando a suspeita de haver um sistema cósmico onde os felinos confraternizam com humanos amigos dos gatos.

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Todos os dias, e também naqueles do mês seguinte, André voltou ao Paquetá para alimentar Mememl Cara de Mel. com ração molhada e vitaminas especiais. Quando em seguida passeavam pelas alamedas deste verdadeiro museu de arte tumular ao ar livre. Para explicar para a curiosa gatinha os significados daquelas esculturas:

->Pietá: a escultura de Maria com Jesus recém crucificado nos braços representa o desejo de que a alma seja bem recebida.

->Anjo que aponta: quando a mão indica o céu, significa que o falecido era considerada uma pessoa boa e espera-se que ela vá direto para o paraíso.

->Anjo pensativo: quando o anjo está pensativo, com a mão no queixo, significa que está refletindo sobre a vida do falecido e não existe certeza sobre a absolvição de seus atos em vida.

->Guirlanda: simboliza o triunfo da vida sobre a morte.

->Cruz: representa a interseção do plano material com o transcendental em seus eixos perpendiculares;

->Vaso: geralmente representado vazio, representa o corpo separado da alma;

->Ampulheta: remete à utilização e fim do tempo de vida terrestre, e seu reinício em outro plano;

->Globo: remete à utilização e fim do tempo de vida terrestre;

-> Flores, folhas e frutos: representam a vitória da alma humana sobre o pecado e a morte.

Momento sublime onde você e seu querido pet passeiam neste como se estivessem em meio a maratona das mil ave marias! Reencontro mágico havido depois de seguida a pista e indicação que o gato cinza fez no sonho. Tudo acontecendo bem à maneira dos gatos.

Para André, que ressentia-se da ausência de gatos na cidade, então agora, de uma só vez, encontrava oitenta deles vivendo no Paquetá; todos simpáticos e sociáveis, de todas as cores e padrões de pelagem. O segredo desta harmonia a existência de uma secreta benfeitora dos gatos que tinha sua floricultura ali em frente.

Ela que aos 12 anos de idade levou para a casa dos pais 10 gatos. Tropa de bichanos que fez seu irmão levar todos eles para o Mercado Municipal do Paquetá e soltá-los por lá. Desta maneira livrava-se deles de uma vez por todas. Dia em que esta pequena protetora dos felinos prometeu dali para frente dedicar a sua vida inteira a cuidar de gatos abandonados. Sempre ajudada pelo coveiro que, duas vezes por dia, coloca dezenas de porções de ração seca em pontos estratégicos do cemitério.

As pessoas em geral não sabem a grande benfeitora que ela é. Assunto que procura manter em sigilo. Já que a sua clientela não gostaria de ver o jazigo da própria família convertido em solarium, ou parquinho de diversão para gatos; muito menos saber que as floreiras servem de área de descarte para os dejetos dos felinos. Razão da ração comprada por ela ser sempre Premium. Isso para não gerar mais trabalho ou aborrecimento para a equipe de mais de dez funcionários da limpeza, se tiverem que remover caquinhas de gato fruto de um desarranjo que a ração de qualidade inferior pode causar.

Por tudo isso o Paquetá é o lugar certo para se encontrar gatos dóceis e amigos, sempre prontos a socializar com os visitantes. Criado assim um ambiente favorável para o entrosamento entre - ONGS de Proteção aos Animais que cuidam da saúde dos gatos - e os setor de zoonose da prefeitura (que sempre está com o seu gatil lotado) - bem como o pleito das confrarias religiosas. Convergência em favor da santidade transcendência e ordem/ beleza do Paquetá.

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Mas qual a explicação para essa escassez de gatos na cidade quando sobram tantos no Paquetá? E a resposta está nas poltronas do Cine Clube Paquetá, onde mais uma vez se dá a exibição de Cats: no documentário sobre os gatos que vivem na região do Mercado Central de Istambul onde é popular popular entre eles este ditado: “Quando alugas uma casa em Istambul já sabes que vem com um gato”. Ou como diz a resenha deste filme em um site português que acrescenta: "Gatos (Kedi, no original) é uma espécie de carta de amor aos gatos e à cidade, onde ambos a transformam de maneira imprevisível”, diz a diretora no comunicado de imprensa. Elas os segue por Istambul, por entre barcos, ruelas, becos, buracos, armazéns, cafés e esplanadas, mercados de peixe, casas, ruas tranquilas marginadas de árvores — estes gatos são Aslan Parçasi, Bengú, Deniz, Duman, Gamsiz, Psikopat e Sari, todos têm nome, alguns têm os seus humanos preferidos." Sobre o seu próprio gato confidencia a diretora do filme:

“Eu sou a principal pessoa da sua vida, mas ele vai a vários locais. Cada um lhe dá uma coisa diferente”, afirma, no filme, o dono de um café. Os humanos “eleitos” vêem neles fonte de felicidade e um elo com Deus (o profeta Maomé adorava gatos e, conta Öztürk, uma vez preferiu rasgar a manga da sua túnica de oração do que perturbar o seu gato preferido, Muezza). “Não concebo a cidade sem gatos, parece-me vazia”, diz a voz-em off perante a ameaça de “limpeza” de Istambul, que “já não consegue acomodá-los a todos”. Eles, afirma, “são a essência da cidade”.

Out/2021

Cine Astor
Enviado por Cine Astor em 05/10/2021
Reeditado em 06/04/2022
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