Quarta-feira de Cinzas

Caído na rua vazia e suja, parcialmente ébrio, parcialmente sóbrio, sinto o confete, que agora é lixo, ficar preso em meu cabelo. Sinto a areia debaixo do meu corpo grudando no suor que me mantém gelado, sinto também escorrer pelo meu nariz o sangue.

O retrato do homem que eu sou: fraco, miserável e pequeno.

Mesmo assim o céu parece tão bonito, tantas estrelas na noite profunda, ao fundo eu ouço as ondas se chocando contra a areia, no topo da escadaria de pedra a velha igreja se mantém firme através dos anos.

O mundo não deixa de ser o que é pelas nossas dores. Não pede licença e nem desculpa. O tempo não para de passar não importa o quanto implore para ganhar mais alguns segundo de felicidade.

Correndo pelos degraus escada a baixo vem a turma, batendo suas temíveis bexigas, o som de estouro se propaga. Começo a me sentir em uma guerra, mas o medo não nasce em meu peito. Eu aceito minha condição e destino sem embargos. Só me deixe ir de uma vez.

Eles vêm por mim nessa terrível noite de carnaval. Com seus apitos e suas roupas pesadas e coloridas, completamente cobertos.

Impressiona como é possível se sentir completamente sozinho no meio de uma grande festa. Sozinho mesmo acompanhado. Sozinho mesmo no fim.

Fecho meus olhos levemente enquanto soam os apitos, escorre então uma lágrima tímida e fria pela minha bochecha, repousando em meus lábios que cerrados tremem involuntariamente, mas jamais se abrem.

Eles estão aqui.

Rosa de Almeida
Enviado por Rosa de Almeida em 18/01/2021
Código do texto: T7162625
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