RESGATE DE UM SUICIDA

RESGATE DE UM SUICIDA

José, um bom espírito, foi no umbral visitar os espíritos sofredores. Agia assim com frequência porque era um socorrista, e tinha a abnegada tarefa de resgatar os irmãos infelizes que quisessem se arrepender do que haviam feito de nocivo ao bem-estar moral.

Desde que escolheu morar, depois de algumas provas vencidas, num dos inúmeros postos de socorros, que são as colônias intermediárias entre os umbrais e as colônias tranquilas, ele se adaptou muito bem a essa atividade de difícil desempenho, pelo fato de lidar com espíritos comprometidos com os próprios erros morais.

E a escolheu pelo motivo nobre de continuar se melhorando, estendendo a mão aos que sofrem, consolando-os, orientando-os, transmitindo-lhes boas energias, curando-lhes feridas externas e internas, tentando ajudá-los, assisti-los em seus infortúnios momentâneos, gerando condições favoráveis para que pudessem sair dos seus infernos umbralinos.

Desta vez, José foi visitar uma região de ruínas, esperançoso de encontrar por lá, algum desventurado que tivesse precisando de ajuda. Uma dessas ruínas lhe pareceu com uma igreja católica, cuja cruz se destacava no alto de sua fachada desbotada. Cauteloso, se aproximou da entrada principal, cuja porta se achava entreaberta.

Ao entrar, olhou em volta, e, apesar da penumbra que a envolvia, notou que estava deserta, e já ia saindo quando ouviu uma voz sussurrando:

- Eu estou aqui, asfixiado. Esta corda me faz doer a garganta. Estou com muita sede. Eu quero água. Estou muito fraco. Não consigo sair daqui. Nem sei como vim parar aqui. Está tudo escuro. Quanta treva me circunda. Por que sofro tanto, meu Deus?

José então, a adentrou mais um pouco e correu o olhar mais atento, averiguando se havia alguém por ali, mas não viu ninguém, as poltronas gastas estavam todas vazias. De onde veio aquela voz tão sofrida, pensou. Decidiu olhar pro alto e constatou que o espírito de um homem estava dependurado na cumeeira da igreja ruinosa com uma corda amarrada ao pescoço.

Ajudando-o a sair do suplício motivado pelo suicídio, fe-lo sentar-se numa poltrona amparando-o, pois estava muito fraco. De imediato, tirou da mochila um vaso de água fluidificada e saciou a sede do irmão desditoso. E ficou ali, durante um certo tempo, irradiando-lhe energias revigorantes, para que pudesse recuperar-se aos poucos, ficando em condições de falar acerca do que lhe causou o suicídio.

Ao lhe sondar os pensamentos, notou que ele, na última encarnação, foi um padre que passava pela prova da homossexualidade, e teria que resistir em não exerce-la de modo indevido. Em seu sacerdócio, atraía os garotos à sacristia e os seduzia, para aprazer-se sexualmente.

Desconfiada da repentina proliferação de rapazes homossexuais na pacata cidade, uma mulher, distinta senhora frequentadora da igreja, se escondeu num aposento após o término da missa dominical, para saber o que havia de errado com aquele jovem pároco.

Ao surpreende-lo na sacristia, mantendo relações sexuais com dois adolescentes, chocada, custou a crer no absurdo que via, e entendeu que o devasso não podia continuar naquela paróquia, conduzindo as ovelhas no caminho do amor, do bem comum, pois estava transformando a pequena cidade num antro libertino de homossexuais.

Ele ainda tentou lhe explicar o que não lhe cabia nenhuma explicação plausível. A mulher saiu de lá disposta a alarmar pra toda cidade o que havia descoberto de sórdido acerca do religioso pederasta. Não quis nem mesmo comunicar a diocese. Numa decisão precipitada e imprudente, reuniu uma grande multidão, que marchou colérica para arrombar a igreja, a fim de linchá-lo em praça pública.

Dentro da igreja, o jovem pároco ouviu a gritaria insana da multidão, forçando a porta de entrada principal. Como um animal acuado, imaginou que não escaparia do linchamento. E tomou a atitude louca, insensata, mas que lhe pareceu a mais adequada naquele momento: dar cabo da própria vida. Sem saber que se livraria de uma situação incômoda, mas geraria outra pior, reiniciando o seu calvário do outro lado da vida.

Logo correu, num desespero temeroso, apanhou uma corda num aposento, voltou apressado, parou no centro, fez uma breve oração, o sinal da cruz, em seguida arremessou-a na cumeeira da igreja, deu-lhe um nó e colocou-a no pescoço, enforcando-se.

Acordando de um sono profundo, o homem abriu os olhos e olhou pra José, indagando-lhe:

- Quem é você? Onde estou?

- Eu me chamo José. Estou aqui pra lhe ajudar.

- Que lugar é este? Por que estou aqui neste lugar horrível?

- Você está no umbral, nas ruínas de uma igreja. Você não sabe por que está aqui?

- Não. Sinto apenas uma escuridão dentro de mim. Há muito tempo que não vejo a luz. Não sei em que inferno me meti.

- O irmão gerou o inferno dentro de si quando se suicidou. E ao desencarnar, foi trazido pro inferno umbralino.

- Como sabe que me suicidei?

- Li os seus pensamentos.

O homem silenciou um instante, pensativo. Depois revelou:

- Agora me lembro. Estava dentro da igreja. Era um padre. Uma multidão queria arrombar a porta principal pra me linchar. Senti vergonha pelo que fiz, mas não havia mais jeito, uma mulher me viu na sacristia tendo relações sexuais com dois garotos, implorei-a pra que não alarmasse à população. Ela não me atendeu, não quis me ouvir. Desesperado, fiquei sem saber o que fazer, então, a solução que encontrei foi me enforcar.

Após a triste confissão, o homem se afligiu num choro convulsivo. José então, foi-lhe acalmando dando-lhe passes.

- A sua prova era ter resistido em não praticar a homossexualidade. Principalmente porque estava encarnado como um religioso e devia dar o bom exemplo aos fiéis, exercendo o sacerdócio embasado nos valores do espírito, semeando os bens morais em prol do bem-estar de todos os que lhe assistiam as celebrações, cientes de que estavam diante de um homem de Deus, capaz de lhes ensinar e lhes guiar na senda virtuosa do amor e do bem.

- Meu Deus! Só agora eu me dou conta de minha fraqueza moral. Quis tanto ser um sacerdote. Pregar a Palavra de Deus através de minha fé cristã. Acabei mesclando os defeitos com as virtudes em minha vida religiosa. Fui um fraco, sucumbido pela prova que não a venci. Agravei mais ainda a minha situação me suicidando.

Todavia, não atribuo a Deus o castigo, a punição que dou à minha vida. Atribuo a mim. Reconheço que sou o culpado pelas faltas que cometi. Não tive o discernimento, o bom senso em resistir ao vício lascivo mundano da homossexualidade. Não sei quanto tempo estou aqui, nem como vim parar justamente nas ruínas de uma igreja. Parece que plasmei o próprio inferno umbralino, depois que gerei esse inferno em mim. Mas agora que você está aqui, irmão José, um anjo de Deus que veio pra me socorrer, eu estou disposto a recomeçar, a corrigir os meus erros, a seguir pelos caminhos sublimes do Cristo. Me perdoe, meu Deus!

De repente, o aspecto ruinoso da igreja se desfez. E um pórtico luminoso se abriu, para que o bom espírito José, levasse mais uma alma arrependida, livrando-a do cativeiro umbralino, para recuperar-se no posto de socorro, até que fique em boas condições psíquicas para submeter-se a uma nova encarnação.

Adendo:

Este conto tem um pouco de inspiração ficcional e um pouco de inspiração mediúnica. Entretanto, em ambos os aspectos, qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência.

Escritor Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 02/04/2018
Reeditado em 11/10/2021
Código do texto: T6297809
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