Favor não ler (está inacabado)

Estava compenetrado na tela do computador, tentava dar prosseguimento em meus escritos, mas a concentração escapulia como manga sem casca.

O sino da igreja badalava meio dia.

Entediado, levantei e me prostrei diante da ampla janela do meu quarto.

O cenário agradava. A jovem tarde de domingo se mostrava radiosa, morna, serena como se estivesse sob efeito de "rivotril". Até os urubus planavam sem fazer força com as asas. O céu estava límpido e anil, havia espaçados tufos alvos, o vento moderado acariciava a copa das árvores, descabelava transeuntes e ameaçava constranger as mulheres, obrigando-as a segurar seus vestidos e saias junto às pernas. Óbvio que minha torcia era para o vento.

Resolvi sair para arejar a mente.

O jardim público mais charmoso e agradável da cidade fervilha, centenas de pessoas transitavam pelo exuberante local, que vibrava em uma frequência familiar, super agradável.

Artesãos e ambulantes brotavam por todos os cantos sorridentes, ofereciam os mais variados e inusitados produtos.

Avistei uma menina andando de bicicleta de forma desengonçada. De súbito e involuntariamente minha mente acessou e recuperou em um dos escaninhos da memória a lembrança de que eu também já havia andado de bicicleta. Em seguida, meus olhos me mostraram crianças brincando em um balanço, feito com corda e tábua. "também já andei de balanço", pensei de pronto. olhando para o outro lado rememorei que também já havia andado de cadeira de rodas. As lembranças surgiram com clareza em minha memória, parecia ter ocorrido recentemente, o dia em que fraturei o calcanhar e tive de ser levado para a emergência do hospital. O paraplégico que vinha em minha direção acabará de me cumprimentar com um aceno de cabeça...

Meus olhos agora se fixaram no longínquo, para além das grades que cercam o jardim. Lá, uma grande e redonda peça metálica se apresentava, pontilhada por vários assentos que circundavam o grande circulo. Imediatamente a frase se formou em minha mente"também já andei de roda gigante". Além disso, minha memoria também me trouxe a lembrança do cheiro e do sabor de pipocas, que normalmente são vendidas em parques de diversões.

Um avião cortava o céu e mais uma vez lembrei que também já havia andado de avião. No exato momento em que meus olhos iria se desvia do avião, percebi uma solitária e multicolorida asa delta planar serenamente pela abóboda azul. Tambem já havia me deliciado com aquele voo, mas as recordações desta experiência me trouxeram um grande desconforto, fui tomado por incontrolável medo e angústia, algo havia dado errado com o vôo.

Em um ato de desespero, tentando me desvencilhar daquela sensação desagradável retirei os olhos do céu e me desligue daquela lembrança.

Estava agora saído do jardim público, a minha frente havia uma pequena multidão. Ao me proximar me dei conta de que se tratava de um cortejo. Algumas pessoas transportavam um caixão. Subitamente me veio em mente a recordação de que também já havia andado naquilo.

Um arrepio percorreu todos os centros de força a minha coluna dorsal e fez os cabelos do meu cocoruto se eriçarem.

Sobre o caixão haviam alguns livros e uma bandeira com a seguinte frase "Literatura liberta".

A frase eu conhecia e adorava, os livros eram de minha autoria. Por um instante imaginei que fosse o sepultamento de um leitor meu, mas achei estranho, pois jamais havia imaginado que alguém pudesse ter todos as minhas obras.

A angústia, a sensação desagradável só aumentava. Tentei sair do tumulto mas fui detido por um homem alto e magro que segurou em meu punho com força moderada, abriu um simpático e angelical sorriso e me disse com voz serena "você deve seguir conosco".

Não sei explicar como, mas a presença daquele homem me trouxe uma certa tranquilidade, abrandou a tensão que estava me consumindo.

Perguntei sobre o defunto, ele disse que se tratava de um sujeito pouco conhecido, sem grande notoriedade que trabalhava com literatura e ao fazer seu primeiro vôo de asa delta sofreu um acidente te fatal.

Fui tomado por uma dor inconsolável, as lágrimas rolavam dos meus olhos como pedras lá cadas do alte de uma montanha e murmurei entre soluços.

É sempre assim, o sucesso só nos encontra depois da morte. Precisei morrer para que alguém pudesse dar valor em meus escritos.