Bilhete

Pela primeira vez eu vi, já tinha ouvido falar, já tinha lido, já tinha até discutido, mas nunca tinha visto. Ontem, pela janela, eu vi voando, lá no horizonte, uma nave, ela tentava se camuflar no meio das nuvens, mas eu conseguia ver, não sei porquê, mas para mim ela estava bem clara, eu conseguia ver o seu contorno no meio das nuvens. Essa foi a primeira vez que eu fiquei tão impressionado com algo, não conseguia parar de olhar para ela, era como se eu estivesse hipnotizado, ficava lá, só olhando, mas ela parecia estar se afastando aos pouquinhos para a esquerda, até que eu tive que correr para o próximo quarto da casa para que eu pudesse continuar olhando.

Fechei os olhos e corri, corri tanto que quase escorreguei e bati a cabeça na porta do quarto do meu irmão, mas entrei e fui para a janela, da janela fitei com os meus olhos o céu a procura daquela nave, no começo olhei para o mesmo ponto que eu estava olhando da outra janela, mas não vi nada, ela não estava lá. Desesperado olhei para os outros lados procurando algum contorno diferente nas nuvens, um contorno que eu pudesse dizer, “Lá está! Achei, é ela!”. Meus olhos corriam da esquerda para a direita, de cima para baixo revirando aquele céu. De nada adiantou, não achei nada, nunca mais vi aquela nave, por mais que dia após dia eu fosse até a janela e ficasse procurando entre as nuvens o menor sinal da sua presença, eu nunca mais a vi. Mas isso não quer dizer que eu tivesse desistido.

Eu não iria desistir, mas já tinha se passado um mês e nada, nem mesmo um sinal, foi então que eu decidi, talvez eles não passem mais por aqui, talvez fosse como um ônibus de viagem que não passa todo dia, nem toda semana, mas só de vez em quando e tinha um problema maior, diferente dos ônibus, as naves não têm caminhos obrigatórios como as ruas e avenidas, as naves podem passar por onde quiserem que não há perigo de quebrarem uma mola ou algo do tipo, então, todos esses dias as naves podem estar passado por cima da minha casa. Então, pensei, já que eu posso perde-los de vista e eles podem passar em outros horários é melhor deixar um bilhete para que eles possam ver. Estava decidido, eu vou escrever um bilhete e deixar no teto de casa, mas o que escrever no bilhete?

Pensei, pensei e pensei, mas não consegui chegar a uma resposta, eu só queria dizer “Oi, tudo bem?”, é como quando a gente admira tanto uma pessoa sem saber o porquê e quer simplesmente ser amiga dela, mesmo não tem nenhum assunto, nem nada para dizer. Eu continuei pensando, mas como não achei nenhuma resposta, então decidi escrever só “Oi, tudo bem?”, talvez daí acontecesse alguma coisa, não sei e a partir daí eu continuaria a conversa dependendo da resposta. Ao menos é melhor que nada, pensei.

Então, no dia seguinte, depois da escola, eu passei na papelaria e comprei seis cartolinas grandes, uma cola e um durex, quando cheguei em casa colei as laterais das cartolinas umas nas outras formando um grande bilhete e passei durex para reforçar, então, tentando fazer a letra mais bonita que eu conseguisse, escrevi no meio, “Oi, tudo bem?” e em cima escrevi, De: Ser Humano (Aquele da janela do mês passado) Para: Nave Grandona (Aquela que estava tentando se camuflar nas nuvens) e embaixo eu me desenhei olhando para a nave e ela lá longe no céu. Depois que terminei de desenhar tudo subi até a laje e coloquei no chão, para não voar pus uma pedra em cada canto da cartolina e uma bem no meio, mas ainda dava para entender a mensagem. Desci as escadas e fui para o meu quarto, fiquei ansioso o dia inteiro, até que parei e pensei, Como eles vão me responder? Isso me preocupou um pouco, mas acho que eles são muito inteligente, podem mandar mensagens na TV, no rádio, podem até mandar mensagens telepáticas, fiquei pensando o quão maravilhoso seria isso, eles conversando comigo pela minha mente, seria incrível. De qualquer modo, voltei à laje e coloquei uma folha de caderno e uns lápis para que eles não tivessem desculpas e pudessem me responder.

Eu não sabia quanto tempo esperar para receber uma resposta, então todo dia ia até a laje e olhava se tinha alguma coisa escrita no papel e, ao mesmo tempo, ficava com um rádio ligado todo o tempo, desejando que eles conversassem comigo, mas os dias foram se passando e nada, nenhuma reposta. Uma, duas, três, quatro semanas e nada, eu não queria admitir, mas a cada momento que se passava eu desanimava mais um pouco, um sinal disso foi quando eu desliguei o rádio, outro foi quando eu parei de subir na laje de hora em hora e comecei a ir somente uma vez por dia e outro foi quando deixei de ir uma vez por dia e comecei a ir uma vez por semana, até que eu parei de me importar e ver se tinha alguma resposta e admiti que tudo aquilo não se passou de um sonho.

Dois meses depois que tinha colocado a cartolina, minha mãe me chamou com alguns lápis à mão e disse que tinha descoberto tudo e me mandou ir catar todo aquele lixo. Foi então que eu subi até a laje para tirar as cartolinas e jogar fora, e vi que na folha do caderno ao lado estava escrito, “Oi, tudo bem sim e com você?”, fiquei um momento paralisado lendo o que estava escrito ali, meus olhos arregalados liam e reliam “Oi, tudo bem sim e com você?”, “Oi, tudo bem sim e com você?”, “Oi, tudo bem sim e com você?”, eu não conseguia parar de ler aquilo, meu coração palpitava mais forte do que jamais palpitara e de repente mil sentimentos vieram a mim. Foi então que, com os braços tremendo de medo, rasguei aquele bilhete no máximo de pedaços que eu consegui, desci com tudo até a cozinha e botei fogo, peguei as cinzas e taquei no lixo.

Voltei para o meu quarto, tranquei a porta, dei uma última olhada para aquela janela, a fechei e tranquei com um cadeado que não tinha mais chave, fechei a cortina, apaguei a luz, deitei na cama, me cobri e lá fiquei, desejando o dia todo que eles nunca mais conversassem comigo que nunca mais me respondessem, porque já não tinha mais interesse. E como se fosse um mantra fiquei dizendo na minha mente “Não conversem comigo”, “Não conversem comigo” “Não conversem comigo” ...

Guilherme Oxchuhkel
Enviado por Guilherme Oxchuhkel em 21/04/2017
Código do texto: T5977362
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.