O sistema caiu

- O sistema caiu - informou-me a atendente, cara redonda de tédio.

- E demora para voltar?

- Consultamos o astrólogo residente e ele avaliou que numa conjunção de Júpiter e Plutão retrógrado, isso pode significar uma espera de algumas horas - respondeu como quem declama um texto decorado.

- Vocês têm o Manual para Resolução de Crises Inesperadas?

- Sim, é padrão. Está ali, naquela estante - disse ela, apontando para um móvel ao seu lado.

- Há um modo mais rápido de resolver esse tipo de situação - insisti. - Acho que vocês não esgotaram todas as possibilidades.

- O que o senhor sugere? - A atendente estava visivelmente de má vontade.

- É sabido que um sacrifício humano costuma restabelecer o sistema rapidamente. Isso está no Manual.

- O senhor está insinuando que o seu problema é tão urgente que demanda um sacrifício humano para ser agilizado? Veja as outras pessoas na recepção: estão todas aguardando pacientemente que o sistema volte.

- Desculpe, mas o cliente sempre tem razão. Se você não resolver, terei que solicitar ao seu superior que tome as medidas cabíveis - reiterei.

- Lamento, mas para falar com o meu supervisor, é necessário que o sistema volte. E aí, não seria mais necessária a intervenção dele.

Pelo sorrisinho no canto da boca, ela devia estar achando que vencera a parada. Ledo engano.

- Vejo que terei que recorrer ao meu amuleto vinculante - retruquei, tirando a pedra oval, cor de âmbar, do bolso do paletó e colocando-a sobre o balcão. A atendente ficou lívida.

- O senhor não pode fazer isso... - tartamudeou ela.

- Não só posso, como vou - respondi enfaticamente.

E, sem dó nem piedade, exclamei:

- Você vai ficar um mês sem Netflix!

Houve um clarão azulado e um cheiro de ozônio invadiu o ambiente. Olhei para a tela do terminal sobre a mesa da atendente, e a página de login estava aberta, com o cursor piscando convidativamente. O sacrifício humano sempre funcionava!

- Dê entrada, por favor - disse para a atendente, estendendo o meu requerimento por cima do balcão.

Ela me lançou um olhar furioso, como se eu houvesse acabado de destruir todos os seus sonhos. Mas, como não havia outra coisa a fazer, acatou a solicitação.

[04-04-2017]