O TÁIO

Nem tão grande, nem tão fundo, nem atenção chamava. Tinha de reparar bem, na verdade teria de ser mostrado, o taio deveria ser apontado e então visto. Imagine-o como aquele que você imagina em Pedro Bala, o lider dos capitães da areia. O cabelo o cobria, passava perto dos olhos, mas, nada de mais. Uma marca do tempo, do aço, do acaso. Essa cicatriz que estava sempre em seu rosto (e haveria de não estar, de ser retirado? E mesmo que o fosse, seria por caros processos cirúrgicos e da indústria estética, e mesmo que removido, se apaga lembranças cirurgicamente?) de modo singelo, nada significava, ninguém no mundo adquire uma cicatriz que simbolize algo a priori, se fizer, é patologia.

Bem, o táio do moço não doía, não coçava, nem ardia, não oferecia perigo a si ou aos outros, talvez. O dia do corte fora motivo de precisão médica. Sangrar, sangrou, doer, doeu. Logo após o momento do golpe só escorria vermelho, a pele aberta, a camada de gordura exposta e mais abaixo a própria carne. E a pressão se fez, por ali se passava o sangue, uma parte derramava, de novo, de novo, o mesmo caminho varias vezes. 29 segundos dura a volta completa do sangue no corpo, dos pés ao miolo do cérebro, e esse sangue se renova por ele mesmo naturalmente, mas neste momento, em determinada parte do corpo ele se perdia em sua trajetória, entrava o buraco e se perdia, cai dentro e depois fora, escorria, cada vez mais, e continuava a ser bombeado. Interessante seria se todo o fluido corporal se perdesse ali, mas, como já dito, não foi um ferimento grande e letal, dois pontos resolveriam, poderia ser costurado, Merthiolate ou qualquer outra coisa parecida por cima, pronto, resolvido, sarado.

Contudo a gastura não deixou mãos estranhas apalpar seu rosto, apertar a ferida com luvas higienizadas, sem falar nas perguntas e conselhos bestas que tiram o sossego de qualquer doente – como foi isso? – rapaz, se cuide – vai fazer de novo, vai? Detestável essas luvas, essas perguntas e essas pessoas. É só um corte, deveria incomodar só ao ferido, porque a preocupação alheia? Dentro de uma semana, aparecerá uma casca preta fechando essa parada. E a única coisa que comentarão a respeito é: Olha ai, num instante sarou e nem precisou de reparos. Com duas semanas, a pele está fechada, a camada de gordura de volta ao lugar, à carne intacta, a casca preta caiu, em seu lugar aparece o táio, sua cara já mais será como foi antes.

Sebastião Monte Moreno.

Sebastião Monte Moreno
Enviado por Sebastião Monte Moreno em 26/07/2016
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