Castelo de areia

A escuridão quer recair sobre os meus olhos, mas a dissipo com o ar de vigor. Caminho entre incertezas num mar de mistérios, de água e de areia. Brisas acariciam a face e sinto repleto, forte como nunca. Vejo os homens, daqui do alto, me vejo, daqui do alto, sou pequeno como os outros, tão pequenos e falo pequeno gritando alto por coisas muito maiores e impossíveis. Não há limites para o desejo de mais, escalo os muros da culpa e da dor na eminencia de alcançar tudo que está sempre no futuro, repleto de ilusões, em uma projeção escura, muito abstrata. Distante do nada que a sutileza desenha com perfeição.

Percorri por muitos destinos, implorei para que a vida entrega-se o que eu desejava e o que merecia. No entanto, o desespero de querer segurar, agarrar todo o mundo, causou dor, causou apego. Ele maculou meu destino traçando um risco de fúria no caminho tortuoso que trilhei sem pensar, tentando subir, pensando somente no que havia lá em cima. Como fui tolo, sempre tolo, se o que há ao meu lado, se o que há em meu peito é o verdadeiro tesouro, o ouro da palavra que devo cantar ao mundo no momento de mais pura sabedoria e liberdade, ao destruir todas as amarras que purgam e limitam.

Os pés afundam na areia e os olhos cegam, lacrimejados pela invasão ocular. Há muitos mistérios além de todas as verdades que concebemos, existe muito mais do que os nossos dedos podem riscar no papel em planos e metas para as trezentas e sessenta e cinco rotações da terra. As marcas que meus pés deixam contam a trajetória que já não são minhas, da história esquecida de mais um que sozinho é apenas humano, fraco e corruptível. Mas ainda sou capaz de traçar novos caminhos e riscar novamente o chão como os passarinhos que riscam o céu e encantam os meus ouvidos com seus cantos dóceis, acalentadores.

Quisera eu ser como os pássaros e voar pelos ares da liberdade na esperança de carregar em minhas leves asas toda a coragem de enfrentar os medos e desesperos que a ganancia constituiu. Criamos um monstro e o alimentamos hoje ele nos prende dos pés aos braços alimenta-se de nossas lágrimas, da fúria, da culpa, da discórdia, da miséria... de tudo que é consequente do apego humano e produto da ânsia de poder.

As águas sobem silenciosas quebrando-se em novas ondas, novamente se renovam. Meu coração dança em piruetas ao fitá-las com o mesmo olhar. Sou novo a cada pé que marco na areia, a cada vez que a onda quebra e nasce novamente. Leve-me vento para a eternidade da vida terrena nos segundos que restam. Faça-me ver o tempo sem angústia e só seguir o seu sopro sem razão alguma.

Gostaria de não possuir um corpo, ser um vapor, moléculas pelo ar... sem ter a necessidade de recorrer a palavras vãs com outros vapores para estar disperso com eles. Não necessitar de entender os mecanismos que os regem, a lei que os define ou os motivos de existirem. Quero voar por aí, dançar sem sincronia, desatar rostos de pedras impassíveis e fundir-me com os outros ao redor, despretensioso de intenções e não carente de cumprir as tolas regras sociais de convívio, conhecidas, mas não explícitas... contidas dentro de um "Feliz ano novo!"

No centro da areia um garoto solitário constrói com suas delicadas mãos um castelo de areia bem detalhado, trabalhoso. Suas mãos deslizam por todas as arestas, moldam as janelas os portões e os mínimos detalhes. O garoto sorri ao moldá-lo e parece absorto em sua tarefa. Entretanto ao termina-la cai frustrado e o derruba para começar novamente, a cena se repetia por incontáveis vezes. O menino muito se parecia comigo, tentei disfarçar o desespero inexplicável em minha mente. Tentei gritá-lo, porém não me ouvia, cai culpado sabendo da reposta da vida, não era mais que um construir e reconstruir e por mais que longe eu chegasse com meus passos que marcavam o deserto de areia... sempre seria o mesmo se estivesse ainda pensando apenas em mim.

Olhei ao garoto, ele me lembrava uma criança que eu observava escondida no espelho todos os dias, guardada e oprimida, sem palavras para se socializar queria puxá-la, mas ela estava distante, estava presa em um mundo de padrões e regras. Balancei a cabeça para remover qualquer lembrança do passado de pesos, resistindo a tristeza paralisante. O garoto sumiu quando abri os olhos, era só eu e a imensidão, eu e o tudo... o mundo no qual sou uma parte.

Josué Viana
Enviado por Josué Viana em 01/01/2016
Código do texto: T5497101
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